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Beleza sob ameaça

O Globo, Amanhã, p. 10-11
29 de Jan de 2013

Beleza sob ameaça
Censo inédito de cavalos-marinhos no Brasil mostra que biodiversidade está sofrendo com exploração desenfreada da espécie. Especialistas sugerem criação em cativeiro

FELIPE SIL
felipe.sil@oglobo.com.br

O focinho alongado lembra os cavalos. Ao mudarem de cor, parecem camaleões. A beleza dos cavalos-marinhos, porém, tem se tornado mais rara no mar do país. Estudo de 2011 da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) já mostrava a queda da quantidade de espécimes na costa brasileira.
Agora, os pesquisadores deram início a um projeto que pretende detalhar as espécies dos animais ainda existentes no oceano.
O trabalho é coordenado pela pesquisadora Ierecê Rosa, coordenadora do Laboratório de Peixes, Ecologia e Conservação (Lapec) da UFPB. Ela é pioneira no estudo de cavalos-marinhos no país. Firme nos argumentos e certeira nas informações, ela tornou-se, após um doutorado no Canadá, a maior especialista no Brasil sobre o assunto. Desde 2001, Ierecê vem liderando pesquisas sobre o tema no litoral brasileiro.
A nova análise genética poderá ajudar na formulação de políticas de proteção a este tipo de peixe. Hoje, sabe-se da existência de duas espécies no território brasileiro: o Hippocampus reidi e o Hippocampus erectus. O reidi tem porte e focinho mais longo. Enquanto o erectus é mais compacto. Há a possibilidade, no entanto, de existirem outras variações do animal.
O trabalho que começou a ser realizado também tem a missão de servir como base para o desenvolvimento de técnicas de criação em cativeiro.
- As informações serão importantes para a gestão pesqueira e para políticas voltadas para a proteção de áreas marinhas, além, claro, de entender o animal- resume Ierecê.
Durante o tempo de estudo para o material divulgado em 2011, foram registrados 911 cavalos-marinhos na costa brasileira. Eram 322 adultos machos, 283 adultos fêmeas e 306 jovens.
A altura de todos variava entre 11,78cm e 4,06 centímetros.
Parece incrível, mas a pesquisa de 2011 foi o primeiro trabalho científico realizado sobre os cavalos-marinhos no Brasil. Não existiam, até então, dados oficiais que incluíssem indicadores como extração não controlada dos animais. Informações históricas eram inexistentes. Como recuperar dados do passado?
A ausência de outras pesquisas científicas sobre o assunto tornou difícil a comparação entre quantidades de peixes na costa. Ierecê, com a ajuda de outros pesquisadores da universidade, precisou acessar dados indiretos para cruzar informações e chegar à conclusão de que há a tendência de queda no número de espécimes na costa brasileira. Ela procurou ainda relatórios e informações disponíveis de países que compraram cavalos-marinhos do Brasil. Ierecê entrevistou também pescadores e comerciantes para checar algumas informações.
- Basicamente, sabemos do declínio a partir de indicadores históricos, como o esgotamento em algumas regiões. Saber quantos animais há no mar, porém, é quase impossível - alega Ierecê.
No trabalho realizado em 2011, pescadores afirmaram que na década de 1990 conseguiam capturar até 500 animais por dia, com grande variedade de cores e formatos. Após 10 anos, não conseguiam encontrar mais de seis no mesmo local.
Segundo registros mais recentes da Convenção sobre Acordos Internacionais de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens (Cities, sigla em inglês), do país foram exportados, em 2010, 3.090 exemplares.
Em 2011, o Ibama criou um plano de gestão para os animais. O objetivo era regularizar a exploração e o comércio dos animais de uma maneira sustentável. O trabalho, porém, não mostrou resultados práticos.
A pesquisadora chegou a viajar por dezenas de cidades do litoral brasileiro. Nas águas, usou a medida 50m x 2m para determinar quantos espécimes existiam na área. Desta maneira, foi possível realizar a comparação entre diferentes regiões do país. Descobriu-se, por exemplo, que os Hippocampus erectus são mais comuns no Sul e no Sudeste do Brasil, enquanto no Nordeste predominam os Hippocampus reidi.
A exploração de cavalos-marinhos é uma preocupação do governo Federal. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) reduziu a cota de exportação autorizada do animal de cinco mil há uma década para 250 exemplares anuais para cada pescador.
O papel do Brasil como exportador de cavalos-marinhos vivos tem crescido nos últimos anos e hoje se estima que o país figure entre os cinco maiores exportadores. Em 2000, o Brasil vendeu cavalos-marinhos para pelo menos 19 países, dentre os quais os Estados Unidos, Japão, Alemanha e o Reino Unido. O Brasil também abriga um intenso comércio de cavalos-marinhos secos, que são vendidos para diversas finalidades.
A melhor maneira de protegê-los, segundo Irecê, é acompanhar as populações na natureza e manter os estudos.
- É preciso estimular, também, o desenvolvimento de pesquisas que permitam a criação em cativeiro desses animais, dentro de uma ótica de viabilidade biológica e econômica e pautada, sobretudo, pela responsabilidade socioambiental.
De acordo com Ierecê, as características do animal não permitem uma exploração intensa sem as técnicas adequadas. A importância maior dos cavalos-marinhos para a biodiversidade é o aspecto conservacionista:
- Fazem parte da mitologia e têm importância cultural, sendo associados a propriedades medicinais. A redução limita a possibilidade de estudos que adotam um modelo biológico de peculiaridades tão interessantes.
Boa parte do comércio de cavalos-marinhos tem como destino o uso ornamental, comenta Tacyana Oliveira, professora de Ciências Biológicas da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB):
- São muito usados em aquários. Também podem ser utilizados como remédios. Outros já os procuram para uso religioso.
Os cavalos-marinhos podem ser vendidos vivos, mas também secos. Depende da espécie. No Nordeste, onde a espécie predominante é o reidi, os animais são comercializados com vida. E Tacyana completa:
- Mais para o Sul há mais negócios com os bichos secos. Costumam ser vendidos como souvenir e têm aspectos ornamentais.

O Globo, 29/01/2013, Amanhã, p. 10-11

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