VOLTAR

Batalha da União contra a União

O Globo, Rio, p. 9
16 de Out de 2012

Batalha da União contra a União
Governo entra com recurso que retarda aplicação de decisão do TCU para retirada de moradias dos limites do Jardim Botânico

Cristiane Jungblut
crisjung@bsb.oglobo.com.br

Brasília - Persiste a queda de braço envolvendo a desocupação das casas que estão em área federal, dentro dos limites do Jardim Botânico, que é reivindicada pelo instituto de pesquisas para a sua expansão. Num novo round, a Advocacia Geral da União (AGU) ingressou no Tribunal de Contas da União (TCU) com recurso pedindo a suspensão de acórdão do órgão, de setembro passado, que fixa prazos e regras para a retirada das famílias que vivem no parque. No embargo de declaração que impetrou, a AGU acaba, na prática, retardando a aplicação de uma decisão que favorecia a própria União.
No embargo de declaração, a AGU elogia o voto do relator em favor da União, mas, em seguida, diz que é preciso "que sejam corrigidas obscuridades e contradições" da decisão. No final, pede que, até o esclarecimento das dúvidas, "seja atribuído efeito suspensivo à totalidade do acórdão", alegando que elas inviabilizam a aplicação da decisão do TCU.
Advocacia geral questiona prazos
Um dos principais questionamentos da AGU é em relação a prazos para a solução do problema das famílias. Segundo o órgão, o TCU deu dois prazos diferentes: de 300 e 60 dias. A União quer uma "harmonia" e a adoção do prazo uniforme de 300 dias para todas as ações. O governo diz que o TCU determinou dois prazos diferentes - de 60 dias, em certo trecho da decisão, e de 300, em outro - para "a delimitação da área essencial às atividades do Jardim Botânico e para a conclusão da revisão dos respectivos tombamentos".
Mas o próprio prazo de 300 dias é contestado. A AGU alega que o registro no Cartório de Imóveis não depende apenas "dos esforços" da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), ou seja, poderia demorar mais. O governo quer ainda a participação dos ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente na definição da área do parque, e não somente da própria autarquia (o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico).
A União também quer mais esclarecimentos sobre as irregularidades referentes à ocupação da área por moradias. Segundo a AGU, essas irregularidades estão citadas de forma "esparsa" por todo o processo. Em setembro, o tribunal decidiu que, até a conclusão do processo, a SPU não poderá dar os títulos de posse aos ocupantes dos 621 imóveis ilegais do parque. Só após os novos limites do Jardim Botânico serem registrados é que o governo poderá retomar o projeto de regularização fundiária, para as casas que ficarem fora da nova área.
Área é tombada desde 1938
Em setembro, o TCU decidiu que, no total, em 360 dias nenhuma família poderia mais morar dentro dos limites do Jardim Botânico. O prazo de 12 meses se deve às diversas etapas que deverão ser cumpridas por órgãos públicos até a definitiva reintegração de posse. O prazo de 60 dias seria para que o Jardim Botânico e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) concluíssem a delimitação da área do parque. Em seguida, a SPU e o Ministério do Planejamento deveriam transferir para o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico todos os bens imóveis da área, inclusive o Horto Florestal.
De acordo com a determinação do tribunal, até julho de 2013 os limites exatos do Jardim Botânico deveriam ser registrados em cartório. Isso porque, apesar de existir uma área tombada pelo Iphan desde 1938, os limites do parque até hoje não estão formalmente registrados. Segundo o TCU, o registro é fundamental para se conseguir retirar do parque as centenas de famílias que hoje moram lá irregularmente.
A reivindicação de associações de moradores da Zona Sul é que o governo considere que toda a área tombada faz parte dos limites do parque. Assim, seria possível fazer a desocupação integral. Hoje há 210 mandados judiciais determinando a reintegração de posse prontos para ser executados. Mas eles só poderão ser cumpridos se todos os imóveis estiverem na área que será definida como pertencente ao parque.

Memória
Um imbróglio que começou no século passado

A disputa pelas áreas que integram o Jardim Botânico se transformou num longo e complicado imbróglio. Tudo começou no século passado, quando a direção do parque autorizou que funcionários construíssem casas na região conhecida como Horto, para que morassem com suas famílias. Com o passar dos anos, os funcionários foram morrendo, mas os imóveis continuaram ocupados pelos descendentes. Um levantamento, feito em 1975, identificou 377 famílias vivendo nos limites do Jardim Botânico. Atualmente, segundo levantamento, são 621 famílias. E, desse total, apenas 5% das moradias ainda seriam ocupadas por familiares de servidores.
Desde os anos 1980, o Jardim Botânico tenta reaver a área original do Horto. A disputa se agravou por conta de um impasse entre o parque e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), há cerca de dois anos, quando o órgão pediu a suspensão das execuções judiciais que determinavam a reintegração de posse de 210 imóveis. A secretaria defende a regularização fundiária, contrariando o parque.
Nos bastidores, a briga é também uma queda de braço entre dois grupos do PT. Um ligado ao deputado federal Edson Santos, cuja irmã, Emília, é presidente da Associação de Moradores do Horto, e outro que apoia o presidente do Jardim Botânico, Liszt Vieira.
O impasse mobilizou um grupo de artistas, que organizou um abaixo-assinado em apoio a Liszt.
O movimento, iniciado em setembro, foi liderado pelo músico Frejat e reuniu da atriz Camila Pitanga ao cantor Jards Macalé. Já o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, enviou ofício em apoio ao presidente do parque para os ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente.
Segundo o próprio Liszt, pelo menos 28 diretores de unidades de conservação são solidários a ele.

O Globo, 16/10/2012, Rio, p. 9

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.