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Basta mudar e inovar

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ZEE, David
19 de Jan de 2009

Basta mudar e inovar

David Zee

Um município como o Rio de Janeiro - que é cercado a leste pela Baía de Guanabara, a oeste pela Baía de Sepetiba, ao norte pelo Maciço do Mendanha e ao sul pelo Oceano Atlântico - tem realmente com que se preocupar quanto ao meio ambiente. De quebra, ainda possui as maiores florestas urbanas do mundo (Pedra Branca e Tijuca) e uma profusão de lagoas (Jacarepaguá, Camorim, Tijuca, Marapendi e Rodrigo de Freitas) encravadas no meio do município. Não é à toa que é considerada uma das cidades mais lindas do mundo, e com certeza a mais verde de todas.
Entretanto, nos últimos anos vem perdendo, a passos largos, essas belezas naturais. Por falta de governança e de uma visão de conjunto, todas as ações promovidas foram reativas e nenhuma preventiva. Todo problema ambiental correspondia a uma medida pontual, casuísta e, muitas vezes, oportunista. A intervenção não era continuada, atacava-se apenas o efeito e nunca a causa. Assim foram as "soluções" intempestivas para a mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas, a maré vermelha nas praias, as algas cianofíceas nas lagoas da Barra e as línguas negras nas praias, entre outras. Quando morriam os peixes, bastava retirá-los. Problema das algas nas praias e lagoas?
Fazia-se apenas coleta para identificar a espécie.
No caso das línguas negras, cobriam-nas de areia.
Não é preciso ser muito inteligente para perceber que nada disso resolveria o problema. O que faltou nos últimos vinte anos foi um modelo de governança que objetivasse a qualidade ambiental da cidade, em sua totalidade.
O novo prefeito eleito, Eduardo Paes, terá um difícil desafio ambiental, em que os seguintes problemas se destacam:
a) Crescente ocupação irregular das áreas de proteção ambiental nas encostas do Maciço da Tijuca e da Pedra Branca e baixadas (Jacarepaguá e Fluminense);
b) Lançamento indiscriminado de esgoto e lixo nos rios e no complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá e baías de Sepetiba e Guanabara;
c) Mortandade de peixes e proliferação de algas;
d) Manchas de poluição nas praias da Barra e do Recreio;
e) Retirada da cobertura vegetal nativa de Mata Atlântica e restinga;
f) Desmoronamento de encostas, além de queimadas espontâneas e induzidas;
g) Assoreamento da Lagoa da Tijuca e de Camorim, Baía de Guanabara e Sepetiba.
Ter uma política voltada para o meio ambiente não significa promover somente ações ambientais.
Meio ambiente é objetivo-fim, e, portanto, é preciso se preocupar com as causas e não com os efeitos.
Bons efeitos ambientais são conseqüência das boas práticas de governo em áreas como habitação popular, saneamento básico e drenagem urbana, educação ambiental, transporte de massa, coleta de lixo, sustentabilidade financeira das ações, equilíbrio entre o verde da vegetação e o cinza das construções, monitoramento ambiental, controle e fiscalização da ordem urbana, entre outros. Se essas ações forem preocupação do novo prefeito, o meio ambiente urbano se resolve por si só.
Essas seriam as principais competências de gestão que o novo prefeito deve privilegiar visando a melhor qualidade de vida urbana para a população carioca. Dentro dessa visão de conjunto, o prefeito deve comandar suas secretarias, que são como os instrumentos de uma orquestra, cujo tom de harmonia deve ser dado pelo maestro-prefeito.
Pelo menos até hoje o que se percebe são secretarias que não se entendem, principalmente se os problemas são de ordem ambiental. Para não faltar com a verdade, talvez o único secretário do Ambiente que chegou perto desse ideal foi Carlos Minc. Seu grande mérito foi conseguir promover uma maior integração entre as secretarias de Obras, Meio Ambiente, Finanças e Turismo no governo do estado, implementando assim maior agilidade no licenciamento ambiental, mais recursos para obras de saneamento básico e maior transparência com a sociedade.
A nomeação do engenheiro Carlos Alberto Muniz para a Secretaria do Meio Ambiente é uma clara indicação da priorização pela qualidade ambiental, por meio de uma governança verde. Além de vice-prefeito, sua experiência como gestor público lhe confere uma liderança política necessária para vencer os inúmeros obstáculos econômicos, burocráticos e operacionais, comuns na futura pasta do meio ambiente.
A Baixada de Jacarepaguá tem um passivo ambiental de trinta anos, em que a cidade cresceu sem infra-estrutura urbana que sustentasse de forma equilibrada seu desenvolvimento. Obviamente, não há como resolver esses problemas em quatro anos. Contudo, com um planejamento integrado com os governos estadual e federal, além de um horizonte de metas que contemplem três mandatos de governo municipal, será possível reverter esse quadro de degradação ambiental. Estabelecer objetivos claros e transparentes para os primeiros quatro anos e planejar metas para governos municipais subseqüentes significam governar em benefício da sociedade e não para si.
Esperança de mudança existe. A população carioca deu mostras do seu amadurecimento político ao colocar no segundo turno dois candidatos capazes, responsáveis, éticos e competentes. O novo prefeito sabe que a sociedade espera um governo de resultados, claros e tangíveis. O Rio de Janeiro é a vitrine do Brasil. Tudo o que for bem-feito será exemplo para o restante do país. Eduardo Paes tem tudo para se consolidar como um líder político de vanguarda. Basta mudar e inovar.

David Zee é oceanógrafo e coordena o Curso de Mestrado em Meio Ambiente da Universidade Veiga de Almeida.

O Globo, 19/01/2009, Opinião, p. 7

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