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Barroso diz que não se resolvem os problemas ambientais com 'realidade imaginária paralela'

O Globo - https://oglobo.globo.com/sociedade
22 de Set de 2020

Barroso diz que não se resolvem os problemas ambientais com 'realidade imaginária paralela'
Ministro do STF não criticou diretamente o governo Bolsonaro, mas apontou fatos, como aumento do desmatamento nos últimos dois anos

André de Souza
22/09/2020

BRASÍLIA - O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira que o enfrentamento aos problemas ambientais passa pela elaboração de diagnósticos corretos, e não pela criação de uma "realidade imaginária paralela". Ele é o relator de uma ação em que o governo federal é acusado de omissão por não adotar providências para o funcionamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Barroso evitou criticar diretamente o governo do presidente Jair Bolsonaro, mas apontou uma série de fatos "documentados e consensualmente reconhecidos", como o aumento do desmatamento nos últimos dois anos, e a ameaça de boicote aos produtos brasileiros em razão da "percepção crítica da política ambiental".

Ao longo de segunda e terça-feira, foi realizada uma audiência com representantes do governo, da sociedade civil, da academia, do Parlamento e do empresariado para debater o tema. Embora a ação, proposta pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade, trate especificamente do fundo, a audiência foi usada para falar da política ambiental do governo federal como um todo.

- O desmatamento ilegal e as queimadas causadas por ação humana cresceram expressivamente no ano de 2019 e ainda mais no ano de 2020. Também foi um fato objetivo e incontroverso apurado nesta audiência pública que houve redução significativa na fiscalização e no número de autuações, como reconhecido pelo próprio presidente do Ibama, embora haja divergências quanto às causas - disse Barroso.

Depois afirmou:

- Não são opiniões nem manifestações ideológicas. São fatos documentados e consensualmente admitidos. Para resolvermos os nossos problemas, nós precisamos fazer diagnósticos corretos e não criar uma realidade imaginária paralela. Olhando para a frente, todos, governo, ONGs, acadêmicos e empresas têm a posição de que a floresta de pé vale mais que derrubada.

Outro fato que ele disse ser incontroverso é que, até a apresentação da ação, o Ministério do Meio Ambiente não havia ainda destinado verbas ao fundo, nem empossado o comitê gestor. Isso ocorreu apenas recentemente. Na segunda-feira, durante a audiência, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que, em razão dessas providências já adotadas, o processo "perdeu objeto", ou seja, os motivos que levaram à sua apresentação não existem mais.

- Há uma lei, 12.114 de 2009, que criou o Fundo Clima, e que impõe sua aplicação para os fins aos quais esses recursos são destinados. É um dinheiro vinculado, carimbado, que não pode ser destinado a outros propósitos nem deve ser contingenciado - disse Barroso nesta terça-feira.

O ministro do STF também afirmou que a preservação do meio ambiente não é uma escolha política, mas um dever constitucional. Ele realçou a importância da Amazônia, e disse que a repressão não é suficiente, sendo necessário criar uma economia sustentável.

- A despeito de políticas equivocadas e omissões diversas terem levado a uma desmatamento de 20% da Amazônia brasileira nos últimos 50 anos, o PIB [produto interno bruto] da Amazônia continua estagnado em torno de 8% desde o fim dos anos 70. Estamos destruindo um ativo valioso, a Amazônia, sem um desenvolvimento efetivo - disse o ministro Barroso.

Empresários
As declarações de Barroso ocorreram no começo da noite desta terça-feira, ao fim da audiência, que foi dividida em quarto parte e durou dois dias. Os últimos a falar foram os representantes do empresariado, como a gerente de Sustentabilidade da Natura Brasil, Luciana Villa Nova Silva. Ela destacou algumas iniciativas da empresa de cosméticos na exploração sustentável da Amazônia, mas também ressaltou:

- O setor privado sozinho não consegue trazer as soluções todas que o país precisa. Precisamos que as políticas públicas sejam organizadas, e os governos compromissados com seu cumprimento.

Os representantes do agronegócio se distanciaram da imagem frequentemente associada à atividade, ou seja, de desmatamento para expandir a produção. Alexandre Mendonça de Barros, da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), por exemplo, destacou que o Brasil consegue extrair muito da terra sem precisar ampliar a área plantada. Rodrigo Justus de Brito, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que o produtor rural é vítima das queimadas, e apontou outras causas para o fogo além dos incêndios criminosos, como questões de ordem climática e "práticas culturais antigas". Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária também defenderam os agricultores.

O deputado Rodrigo Agostinho, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, rebateu as declarações de Bolsonaro, que, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), associou as queimadas ao índios e caboclos.

- Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas - disse Bolsonaro na ONU.

- Índios e caboclos não são os culpados pelas queimadas na Amazônia. Os verdadeiros responsáveis são garimpeiros, grileiros e madeireiros ilegais, setores que recebem apoio do governo - rebateu Agostinho na audiência no STF.

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