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Banho de sol

O Globo, Economia, p. 23
02 de Jun de 2010

Banho de sol
Programa do governo de R$ 4,5 bi levará chuveiro 'flex', solar e elétrico, a 2,6 milhões de casas

Henrique Gomes Batista

Uma iniciativa do governo federal de R$ 4,5 bilhões terá forte impacto econômico, energético e ambiental: o programa de incentivo ao sistema do chuveiro híbrido, uma espécie de "flex" que funciona ao mesmo tempo como aquecimento solar e como chuveiro elétrico tradicional. No total, 2,660 milhões de casas, sobretudo de baixa renda, poderão ter esse sistema a partir do próximo ano até 2014. A economia, caso as metas sejam cumpridas, significaria retirar todo o consumo de Belo Horizonte do sistema elétrico nacional, evitando emissões de gases poluentes em volume equivalente à frota de veículos de Brasília.

No sistema solar tradicional, há um boiler para aquecer a água nos dias sem sol - ou seja, o sistema complementar é o mais caro e mais poluente, muito usado por hotéis e nos EUA, por aquecer grandes quantidades de água em reservatórios. Já o chuveiro híbrido tem uma diferença fundamental: quando não há sol, funciona como chuveiro elétrico - e a água é aquecida em pequenas quantidades, diretamente na hora do uso.

Assim, polui menos e é muito mais econômico, seja na hora de comprar, seja na conta mensal. O uso do sistema "flex" tende a reduzir muito a conta de luz das famílias com impacto maior para os pobres. Para essa população, a conta de luz pesa mais no orçamento - e o chuveiro é, junto com a geladeira, o maior gastador de energia.

A maior frente de ação do governo será em moradias a serem construídas.

Os novos dois milhões de casas da segunda fase do programa Minha Casa, Minha Vida terão o sistema, que custará cerca de R$ 1.700 a unidade, incluída no valor a instalação. Só nessa fase serão investidos R$ 3,4 bilhões.

Além disso, o governo vai determinar a troca do sistema em 260 mil casas de famílias com renda de até três salários mínimos. A conta de R$ 442 milhões será paga com o recurso do percentual da conta de luz que já é investido em eficiência energética.

- A grande vantagem do programa é a eficiência energética para baixa renda, que normalmente fica fora dos programas do Procel, como a política de selos de eficiência. Os produtos mais eficientes são mais caros, e as classes mais baixas têm dificuldade em comprá-los, até porque, muitas vezes, compram geladeiras e eletrodomésticos de segunda mão - disse o idealizador do programa, Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Pelos estudos da EPE, o novo sistema reduzirá em 40% (45 kWh/mês) o consumo das famílias de baixa renda. A economia na conta será de R$ 16 mensais - 17% do benefício do Bolsa Família, por exemplo. O programa vai gerar 85 mil empregos diretos e indiretos, muitos na construção.
Classe média deve ser beneficiada
O programa prevê uma linha de crédito especial da Caixa Econômica Federal de R$ 680 milhões para financiar a troca do sistema para famílias de maior poder aquisitivo. Essa etapa poderá levar a tecnologia para a classe média.

Levando em conta o custo médio de R$ 1.700 por sistema híbrido, esse financiamento pode beneficiar outras 400 mil casas. Ou seja, todo o programa trocaria o sistema de chuveiros de 2,660 milhões de moradias.

Esse sistema de financiamento será semelhante ao Construcard da Caixa e já é chamado informalmente no governo de "Solarcard".

- O custo estimado por aparelho instalado, de R$ 1.700, pode até baixar com o ganho de escala - disse Tolmasquim, lembrando que não estão sendo estudados benefícios fiscais para essas trocas.

Com o programa, a economia média de energia (levando em contas dias nublados, durante os quais o sistema será elétrico) deverá ser de 1.200 GWh/ano - equivalente a uma cidade com 650 mil residências (ou uma capital como Belo Horizonte). Além de evitar a construção de hidrelétricas, a medida é comemorada pelo setor elétrico por retirar demanda nos horários de pico, quando as térmicas são ligadas, o que aumenta a poluição.

Com base na matriz energética brasileira, o programa evitará que sejam lançadas na atmosfera 220 mil toneladas de CO2 por ano. O volume seria igual, por exemplo, à poluição anual de toda a frota de automóveis de Brasília.

Segundo Tolmasquim, esse cálculo é conservador, uma vez que a demanda excessiva causada pelos chuveiros no horário de pico faz o governo acionar as termelétricas, mais poluentes.

- Esse programa é importante também porque a eficiência energética é dos principais pontos para o Brasil cumprir a redução de emissão de gases do efeito estufa, como prometeu na COP-15 - disse Tolmasquim.

Hoje, por ano, são comprados no Brasil 12 milhões de chuveiros elétricos, em um mercado de R$ 400 milhões. Já o mercado atual de aquecedores solares é bem mais modesto, não chegando a 300 mil por ano.

- Este sistema de aquecimento de água se paga, mas demora muitos anos para amortizar o investimento, então é necessário um programa de incentivos como este - disse Tolmasquim, que minimiza riscos de que, sem pagar pelo aquecimento, os banhos fiquem mais longos, aumentando o gasto d'água.
- O tempo do banho é cultural, e o banho não poderá ser infinito. O reservatório atende, em média, a cinco banhos.

Para Marcelo Mesquita, gestor do Departamento Nacional de Aquecimento Solar da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), o mercado de aquecedores, hoje restrito, tende a crescer, e cada vez mais governos vão incentivar seu consumo:
- Hoje até prédios podem ter sistema de aquecimento solar, usar janelas para obter o calor solar.

Carlos Alexandre Cella, diretor do Grupo de Chuveiros Elétricos da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), diz que o sistema híbrido é o mais adequado ao país:
- Sempre ouvimos que o chuveiro é o vilão da conta de luz, mas estudos indicam que chuveiro a gás ou mesmo o solar tradicional são mais caros. O sistema híbrido é um avanço: combina o melhor de cada tecnologia, tornando o banho mais barato e eficiente.

São Paulo tem 13 mil casas 'solares'

O governo do estado de São Paulo tem um programa de incentivo ao aquecimento solar semelhante à proposta federal.

Desde o segundo semestre de 2009, todas as novas residências da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do estado de São Paulo (CDHU) têm aquecimento solar. Só que a tecnologia adotada não é o chuveiro "flex", e sim o modelo tradicional:
- Os resultados são muito positivos. Realmente queremos migrar, em breve, para o sistema híbrido, mas mesmo o aquecimento solar convencional dá uma economia, em média, de 40% na conta de luz das famílias - afirmou Lair Krähenbühl, secretário de Habitação de São Paulo e presidente da CDHU.

A secretaria paulista informou que, até o momento, cerca de 13 mil novas casas no estado - todas no interior - têm o sistema solar. Além disso, o governo fez um acordo com as distribuidoras de energia para que os recursos destinados à eficiência energética sejam usados na troca de chuveiros.

(Henrique Gomes Batista)

O Globo, 02/06/2010, Economia, p. 23

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