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Baleias dividem nações em encontro global

O Globo, Sociedade, p. 27
05 de Set de 2018

Baleias dividem nações em encontro global

POR SERGIO MATSUURA

RIO - O embate entre o grupo de países baleeiros e as nações que defendem a preservação dos animais irá marcar a reunião da Comissão Internacional da Baleia (IWC, na sigla em inglês), que acontece pela primeira vez no Brasil. Até o próximo dia 14, representantes dos 89 países-membros ficarão reunidos no Resort Costão do Santinho, em Florianópolis, debatendo o futuro dos cetáceos gigantes. O Japão propõe o fim da moratória, com o retorno da caça comercial; enquanto o Brasil defende a criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul e apresenta a Declaração de Florianópolis, que altera a estrutura orçamentária da instituição para focar em pesquisas científicas e no desenvolvimento do turismo de observação.
- A nossa expectativa é que a realização da reunião no Brasil possa atrair mais apoio para aprovar a criação do santuário - aposta Ugo Vercillo, diretor de Conservação e Manejo de Espécies do Ministério do Meio Ambiente. - Mas assim como a gente propôs o santuário, existe um projeto para a retomada da caça. A gente não vai barganhar, não vamos aceitar o retorno da caça em troca do santuário. Acima de tudo, o mais importante é a gente conseguir manter a moratória, que está em vigor desde 1986.

A abertura da reunião, nesta terça-feira, foi marcada por denúncia apresentada pela ONG WWF de que navios baleeiros japoneses teriam caçado mais de 50 baleias minke dentro dos limites da Área Marinha Protegida do Mar de Ross, na Antártica. O Japão é signatário do tratado de criação da maior reserva marinha do planeta e das convenções da IWC, mas se dá o direito de caçar as baleias em águas internacionais alegando fins científicos.

- É contraditório, mas caçar baleias nessa área protegida não é ilegal - explica Aimée Leslie, diretora do Programa Marinho da WWF-Peru. - Porque o artigo 8o da legislação da IWC permite a caça de baleias para fins científicos.

Em Florianópolis, a delegação japonesa, que preside a reunião, defende alterações na convenção da IWC que facilitam a aprovação de propostas, reduzindo a necessidade de maioria qualificada - três quartos dos votos - para maioria simples. A alegação é que a comissão está "estagnada", pela dificuldade de encontrar consensos entre grupos antagônicos. Além disso, a proposta japonesa flexibiliza a moratória da caça comercial de baleias, com a criação de um "comitê de caça sustentável", que seria responsável por determinar cotas para a captura comercial e aborígene.

Tanto Vercillo como Aimée avaliam que a proposta japonesa não deve ser aprovada, pois precisa de dois terços dos votos. O grupo conservacionista é liderado pelo chamado Grupo de Buenos Aires, que reúne mais de dez países da América Latina, além de Austrália e Nova Zelândia, e recebe apoio sistemático da maioria dos países da União Europeia e dos EUA. Mas apesar da força para barrar a iniciativa japonesa, o bloco não é suficiente para aprovar a criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul.

O Brasil discute a criação do santuário desde 1998 e reapresenta, reunião após reunião, a proposta ao plenário da comissão. Ao longo dos anos, o texto foi refinado e ganhou força com apoio de outros quatro países: Argentina, Uruguai, África do Sul e Gabão. Em todas as votações o projeto consegue a maioria dos votos, mas não os 75% necessários. Para o encontro deste ano em Florianópolis, a ofensiva diplomática foi reforçada para tentar angariar votos.

- Vai ser difícil, mas aproveitando que a reunião é aqui, nós fizemos um esforço diplomático grande com vários países do bloco japonês - revela Vercillo. - Nós temos expectativa, mas só vamos saber se os esforços darão resultado na semana da plenária, que começa no dia 10.

A aprovação da Declaração de Florianópolis é mais palpável, pois requer apenas maioria simples. O texto defende que a "caça comercial de baleias não é mais uma atividade econômica necessária" e que a "caça com fins científicos não é mais uma alternativa válida para responder às questões científicas dada a existência de abundantes métodos de pesquisa não letais". A caça aborígene deve ser "gerenciada de forma adequada e monitorada para garantir a conservação das baleias".

- Nessa primeira reunião da IWC no Brasil, a gente pretende fazer com que os países consigam vislumbrar uma forma diferente de ver as baleias, como um ativo vivo, não morto - afirma Vercillo.

Para especialista, reunião da Comissão Internacional da Baleia 'vai separar o joio do trigo'
Integrante do Instituto Baleia Jubarte, José Truda Palazzo diz que é hora de ver quais países estão realmente comprometidos com conservação

POR SERGIO MATSUURA

RIO - Integrante do Instituto Baleia Jubarte, José Truda Palazzo analisa os possíveis rumos do encontro e diz que Brasil deve reavaliar sua participação no grupo caso a moratória à caça de baleias seja suspensa.

Qual a importância de o Brasil abrigar a reunião?

O Brasil é país-membro da Comissão Internacional da Baleia (IWC, na sigla em inglês) desde a fundação, mas é a primeira vez que a gente sedia a reunião. Nesta edição, os países baleeiros querem reabrir a caça comercial, derrubando a moratória em vigor desde os anos 1980. E o Brasil, como país-sede, está liderando o movimento contrário, com uma proposta de resolução para que a comissão declare a caça da baleia como uma atividade desnecessária.

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Além do Japão, quais são os outros países do grupo baleeiro?

Noruega e Islândia, que são os outros dois países caçadores. O trio nunca respeitou a moratória, por meio de subterfúgios. O Japão alega fins científicos, usando uma brecha na convenção. Noruega e Islândia têm objeções legais que os desobrigam a cumprir. Além deles, Rússia e Coreia do Sul apoiam sistematicamente qualquer proposta favorável ao aumento da exploração dos recursos marinhos. A Dinamarca mantém a caça de subsistência na Groenlândia, mas a carne acaba nos supermercados de Copenhague.

E o Japão reúne um grupo de pequenos países da África, do Caribe e das ilhas do Pacífico, que foi consolidado ao longo do tempo com ajuda financeira, principalmente para o setor pesqueiro. Sozinho, o Japão controla mais de 20 países, como Libéria, Guiné, Nauru, Vanuatu e Granada.

E quem lidera o outro lado?

Normalmente, a Austrália, a Nova Zelândia e o Brasil. A União Europeia deixou a liderança há muito tempo, por causa da posição da Dinamarca.

E os EUA?

Eles já tiveram posição mais forte, mas agora, com o governo de Donald Trump, acabou qualquer esperança de que eles liderem esforços de conservação ambiental.

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Mas existem indícios de que apoiarão o bloco baleeiro?

Não, acho que defender abertamente a caça das baleias eles não vão fazer. Mas desconfio que vão tentar atrapalhar, nos bastidores, a aprovação da proposta brasileira.

Existe caça de baleias no Atlântico Sul?

Não. O Brasil foi o último país a abandonar a caça na região. A gente tinha uma estação baleeira japonesa funcionando na Paraíba até 1985. No ano seguinte, nós atendemos a moratória e, em 1987, foi aprovada lei que proíbe em definitivo a caça de baleias no território brasileiro. Isso permitiu o surgimento de uma indústria crescente de turismo de observação. Hoje, no mundo, a atividade movimenta cerca de US$ 2 bilhões por ano, muito mais que a caça. Economicamente, não há justificativa para a caça comercial.

Qual a sua expectativa para as plenárias?

Nós vamos ver com apreensão a votação da Declaração de Florianópolis, que vai separar o joio do trigo, mostrar quais países estão realmente comprometidos com a conservação das baleias ou presos a acordos com o Japão. Se ela não for aprovada e a comissão continuar deslizando em direção ao retorno da caça, o Brasil precisa reavaliar se vale a pena continuar membro. No fundo, a comissão não está impedindo a continuidade da caça e nós estamos pagando para participar de um organismo que, se não tomar os rumos da conservação, deixa de atender os interesses do país e da região.

O Globo, 05/09/2018, Sociedade, p. 27

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/brasil-palco-de-emb…

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