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Bairros-cota começam a sumir da Serra do Mar

OESP, Metrópole, p. C4-C5
21 de Ago de 2011

Bairros-cota começam a sumir da Serra do Mar
Ao custo de R$ 1 bilhão, programa de revitalização avança; semanalmente, famílias deixam ocupações e vão para CDHU

Diego Zanchetta

Após 60 anos e ao custo de R$ 1 bilhão, o governo do Estado começou a demolir os bairros-cota encravados na Serra do Mar. Ao longo da Rodovia Anchieta, já é possível observar mudanças na paisagem da maior reserva de Mata Atlântica do País. No lugar das favelas, o motorista que passa pela estrada agora vê "clarões" de terra no meio da mata e destroços de barracos espalhados no alto das ocupações.
Dos 5.350 imóveis demarcados em áreas de preservação da serra, 1.579 foram derrubados em quatro meses. Quase semanalmente, as vans e os caminhões de mudança da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) estacionam às margens da Anchieta e levam dezenas de moradores das cotas 400 e 200 para conjuntos habitacionais na Baixada Santista. É a segunda fase do maior programa de revitalização ambiental em curso na América Latina, lançado há quatro anos pelo Estado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Até 2016, o objetivo é reflorestar com espécies nativas e transformar em um jardim botânico toda a área da serra que estava ocupada desde 1952. Só quatro anos depois de as casas serem demarcadas pelo governo é que as famílias estão deixando suas moradias. Os imóveis são demolidos no mesmo dia da mudança, para evitar novas construções irregulares.
Cidade fantasma. As ocupações em áreas de risco são as primeiras que estão sendo esvaziadas e demolidas. Bem diferente da reação negativa que tiveram em junho de 2009, quando começaram a receber os primeiros avisos de remoção, a maior parte dos moradores agora quer deixar a serra e até reclama do atraso nas remoções. A pressão do governo e os ares de cidade fantasma que os bairros começam a ganhar ajudaram nessa mudança de opinião. "Eu não queria sair, mas também não quero "apagar as luzes". É muita pressão do governo. Falam que os últimos vão acabar tendo de ir para os conjuntos de Peruíbe", reclama a dona de casa Sandra Cristina Oliveira, de 48 anos, moradora há três décadas na Cota 200.
Mais acima, na Cota 400, Francielle dos Santos, de 27 anos, diz que a única saudade que vai sentir é da simplicidade das pessoas. Ela foi removida na quinta para um conjunto em Cubatão. "A gente sente um pouco, mas estou feliz, vou ter uma casa no meu nome. E esse monte de entulho dos barracos demolidos dá uma tristeza geral, ninguém quer sobrar aqui por último", afirma a jovem, nascida e criada na ocupação.
Famílias também estão deixando a Cota 95/100 e as ocupações Pinhal do Miranda e Pilões, as mais próximas do nível do mar. "O programa atrasou, mas depois da parceria com o BID em 2010 demos um salto. Com os conjuntos habitacionais prontos, existe uma resistência bem menor. E as pessoas escolhem para onde vão", afirma Fernando Chucre, coordenador do Programa de Revitalização da Serra do Mar.
Apenas 700 famílias devem ficar em uma área da Cota 200 que está sendo reurbanizada. "Será um bairro regularizado, com posto de saúde e escola. E vamos usar nas obras os entulhos das casas derrubadas", acrescenta Chucre.
Atraso. O coordenador admite, porém, que houve atraso nas remoções. Nos três primeiros anos, a Polícia Militar montou uma operação com 300 homens para congelar as favelas que escalavam a serra. Por meio de fotografias aéreas, foi mapeada uma área de 200 quilômetros quadrados de invasões dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Em seguida, as casas foram demarcadas e, com a inauguração dos conjuntos habitacionais na Baixada Santista, no início do ano, tiveram início as remoções. Com a derrubada das favelas na serra, o governo também tem como objetivo evitar a poluição das nascentes de rios - usados atualmente no abastecimento da Baixada Santista.

Até o ex-presidente Lula chegou a morar em invasão
Com 7 anos e recém-chegado ao litoral paulista depois de 13 dias de viagem de Garanhuns, no interior pernambucano, até Santos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a morar com a mãe na Cota 200. Eles ficaram os primeiros dias com o pai de Lula em uma casa em Vicente de Carvalho, no Guarujá, mas logo mudaram para a ocupação às margens da Via Anchieta.
Quando Lula e a mãe, Eurídice, chegaram ao Guarujá, o pai do ex-presidente já tinha outra mulher. Eurídice então decidiu sair da casa do marido e ficou morando de favor, cerca de um mês, na casa de amigos nordestinos na Cota 200. Em seguida, eles mudaram para a Vila Carioca, em São Bernardo do Campo.
Os relatos estão em recentes biografias do ex-presidente, que ajudou a fechar a Via Anchieta diversas vezes quando liderava greves de metalúrgicos na região do ABC paulista. "Na época do sindicato, o Lula conhecia todo mundo nas cotas. Ele pedia ajuda para a gente fazer os bloqueios na Anchieta durante as greves. Os caminhões ficavam parados dias na estrada sem chegar ao Porto de Santos", recorda José Roberto de Oliveira, de 68 anos, comerciante e morador na Cota 400.
Oliveira diz que as ocupações na Serra do Mar tiveram início após a inauguração da segunda pista da Via Anchieta, em 1952. Dezenas de operários que haviam sido contratados pelo governo estadual e viviam em alojamentos construídos ao lado da serra, a maior parte moradores do Nordeste, acabaram não voltando para casa.
Foco de resistência. Severino Pereira Dutra, de 57 anos, lembra dessa época. Ele tem um mercado na Cota 200 desde os anos 1970 e é aposentado da Cosipa. Criou os filhos e netos na ocupação e é um dos líderes comunitários que pregam a resistência contra as remoções. "Minha vida toda está aqui, minha história. Nenhuma indenização vai pagar a vida que eu construí aqui", afirma. "Não quero morar em conjuntos separados dos meus filhos."
Segundo a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), todos os parentes que vivem nas ocupações vão poder morar nos mesmos conjuntos habitacionais.
"Temos dado prioridade para deixar filhos e pais sempre nos mesmos conjuntos", disse Fernando Chucre, coordenador do Programa de Revitalização da Serra do Mar.

Área de risco
Entre 2000 e 2010, 19 pessoas morreram em deslizamentos de terra ocorridos nos bairros-cota da Serra do Mar.

Retirada histórica
1.579 famílias deixaram as áreas de risco da Serra do Mar. Dessas, 1.011 foram para novas moradias da CDHU - 548 em Cubatão e 463 em outros municípios da Baixada Santista e para São Bernardo do Campo.
R$ 96 milhões foram enviados pelo governo federal para ajudar na revitalização da Serra do Mar.

OESP, 21/08/2011, Metrópole, p. C4-C5

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