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Aziz: Rizicultores devem repartir renda com índios

Terra Magazine - terramagazine.terra.com.br
Autor: Claudio Leal e Thais Bilenky
10 de Nov de 2008

No calor dos debates sobre a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em agosto, o geógrafo Aziz Ab'Saber enviou ao Supremo Tribunal Federal um projeto para a vasta região. O julgamento deve ser retomado ainda este ano. Lido e comentado pelo ministro do STF, Eros Grau, o texto confronta um deserto de idéias nos gramados oficiais.

Ab'Saber, professor-emérito da USP, propõe um planejamento que prevê a criação de núcleos administrativos e educacionais indígenas. Nas áreas ocupadas pelos arrozeiros - cerne da polêmica a respeito da reserva -, Aziz defende que parte do rendimento deve ser revertido aos índios. Os recursos seriam aplicados nos núcleos para o fortalecimento cultural e econômico das populações locais.

A área da Raposa/Serra do Sol, situada no estado de Roraima, supera em 12 vezes a da cidade de São Paulo, o que corresponde a 1,7 milhões de hectares. Lá vivem 19 mil índios, de cinco etnias distintas. O conflito na região se acentuou na década de 1990, quando rizicultores se recusaram a deixar a reserva, interrompendo o processo de retirada dos não-índios iniciado há 20 anos. Em 2005, o presidente Lula homologou sua demarcação contínua.

Ab'Saber advoga a favor da "revisão do conceito de 'Buffer Zone', ou seja, a 'zona tampão'". "Em vez de se chamar 'zona tampão', que dá idéia de que vai encarcerar as pessoas que estão dentro, deve se usar o termo como faixas de atendimento e contato entre as populações de modo mais racional e mais antropológico", avalia.

O geógrafo argumenta que o desconhecimento sobre áreas como a Raposa/Serra do Sol mina a possibilidade de desenvolvimento sustentável e resolução de conflitos. Sobre a passagem pela reserva indígena, em 2000, Ab'Saber relata:

- Fui até a fronteira (da reserva) com a República Comunitária da Guiana, numa cidadezinha chamada Bonfim. Lá assisti a coisas dramáticas. Do lado brasileiro, as pessoas estavam jogando basquete com revólveres na cintura.

"A parte leste da reserva, voltada à fronteira com a Guiana, deveria ter uma série de fatos importantes para os índios brasileiros e até para os que estão do outro lado (da fronteira). É necessário um posto de saúde, mais adiante um pequeno parque para as crianças", diz e completa:

- As crianças indígenas têm enorme prazer em brincar nos mesmo tipos de brinquedos que os filhos de ricos. Porque eles gostam do brinquedo que houver. Por isso mesmo que, em cada região, eles brincam de um modo diferente.

O "portal indígena" idealizado por Ab'Saber abrangeria ainda "uma espécie de núcleo administrativo, um auditório para palestras e contatos bilíngües e uma escola bilíngüe". Preocupa-se com o convívio já estabelecido entre produtores e índios. Para tanto, recomenda:

- Mais adiante (haveria) um núcleo agronômico para ensinar os índios a poder competir com o mundo ocidentalizado. Um pouquinho de agronomia, (cultivo de) produtos de lugares diferentes.

A fronteira oeste, com a Venezuela, segundo o pesquisador, é mais problemática do ponto de vista da demarcação. "Deste lado teria uma administração mais complicada da Funai e outras coisas mais. De 5 em 5 quilômetros, ou 10 em 10, teria um hospital e uma escola bilíngüe, um núcleo agronômico", como a porção leste, projeta Aziz.

Geograficamente, o professor descreve a região:

Chamamos de lavrados (análogo ao cerrado), em Roraima, onde tem a serra florestada ao norte - Paracaima - e a serra floresta a oeste - Parima. As duas na fronteira com a Venezuela. Mas tudo que é baixo e raso é arenoso e pobre. São regiões lindíssimas e paupérrimas do ponto de vista de atividades agrícolas. Lindíssimas por causa das florestas de galerias cheias de buritizais. Acima do nível das arvorezinhos próximas à beira do rio tem aqueles buritis alongados, é uma das paisagens mais bonitas do Brasil. Tão bonitas quanto inúteis do ponto de vista de ocupação do solo.

A porção norte ficaria mais isolada: "É totalmete florestada, como se fosse uma Serra do Mar. Lá seria transformado em parque que deveria ser conservado do ponto de vista ecológico do nosso contato. Os solos, a vegetação, as aguadas que abastecem as regiões mais baixas, as lavradas." Ab'Saber é professor-honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, recebeu do Ministério da Ciência e Tecnologia em 1999 o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia de 1999, conquistou o Prêmio Jabuti de ciências humanas 2005 e é Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Seus títulos resultam de décadas dedicadas à pesquisa científica. Ab'Saber elaborou a Teoria dos Redutos, que relaciona mudanças climáticas com a evolução das espécies em regiões florestais no estado de São Paulo.

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