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Ayahuasca para todos

FSP, Opinião, p. A2
Autor: SCHWARTSMAN, Hélio
22 de Dez de 2018

Ayahuasca para todos
Parece-me complicado restringir a beberagem a situações litúrgicas

Hélio Schwartsman

O belo caderno sobre índios da Amazônia que a Folha publicou na edição do último domingo, com fotos de Sebastião Salgado e textos de Leão Serva, informa que legiões de turistas viajam todos os anos a Cruzeiro do Sul e pagam até US$ 5.000 para participar dos festivais religiosos em que índios yawanawás oferecem a ayahuasca -uma beberagem alucinógena cujo principal princípio ativo é a dimetiltriptamina (DMT). Fora das florestas, nos centros urbanos, o preparado também é consumido ritualisticamente com o nome de Daime.

Nem os índios, nem os turistas, nem os urbanitas estão fazendo nada de ilegal. Apesar de a DMT ser uma substância fortemente controlada no âmbito da legislação internacional de drogas e de fazer parte da lista da Anvisa de psicotrópicos proscritos no Brasil, uma série de resoluções do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) autoriza o uso religioso do alcaloide na forma de chá de ayahuasca.
Não tenho nada contra a licença.

A situação inversa, isto é, despachar a PF para o Acre para prender índios que vêm tomando a poção há mais de 5.000 anos, é que me pareceria absurda. Também considero positiva a possibilidade de pesquisas científicas com a beberagem, ampliada por uma das resoluções do Conad, já que a DMT é uma molécula de interesse para a medicina.

Ainda assim, parece-me complicado restringir a beberagem a situações litúrgicas, como fez o Conad. Não vejo como conciliar isso com o caput do artigo 5o da Constituição, que afirma a igualdade de todos diante da lei. Ora, se o fiel do Daime tem o direito de consumir o psicotrópico, não há, acredito, como deixar de estender a permissão para qualquer pessoa que pretenda fazê-lo, independentemente do contexto.

Afinal, vivemos num Estado laico, no qual o poder público deve preservar a liberdade religiosa de todos, mas sem criar distinções de direitos entre os cidadãos. O que se faz numa missa pode ser repetido em casa.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem...".

FSP, 22/12/2018, Opinião, p. A2

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2018/12/ayahuasc…

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