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Avanço verde

Isto É, p. 92-94
09 de Mar de 2005

Avanço verde
Com cuidado ambiental e social, os orgânicos abandonam o estilo hippie e se tornam produtos para exportação

Celso Fonseca - Nuremberg (Alemanha)

No Brasil, produtos orgânicos ainda são vistos por muitos como cardápio de naturebas xiitas, esportistas radicais ou hippies jurássicos, que choram com os acordes de Stairway to heaven e acreditam em duendes. O alimento começou a despir o figurino poncho-e-conga e de alternativo não tem mais nada. Tornou-se um negócio promissor, que envolve executivos engravatados e milhões de dólares.
Desde o início dos anos 90, os europeus se curvaram a uma alimentação saudável e estão de olho na crescente e variada produção brasileira. Há café, açúcar, carne, frango, camarão, óleo, tecido, vinho, soja, mel, fruta, legumes, chás, geléia, doces e até uma ótima cachaça. O Brasil foi alçado à condição de tema principal da BioFach 2005, maior feira do gênero, realizada anualmente em Nuremberg, na Alemanha.
O País compareceu com 87 empresas, metade das quais calouras no evento. Grandes e pequenos empresários tiveram a oportunidade de ingressar num mercado que movimentou no ano passado US$ 26,5 bilhões, dos quais só
US$ 100 milhões couberam ao Brasil. No domingo 27, último dia da feira, a Agência Brasileira de Promoção à Exportação (Apex) anunciou que os brasileiros comercializaram US$ 31,4 milhões, o dobro de 2004, fizeram 1.100 "contatos comerciais" e 57 rodadas efetivas de negociação.
De acordo com Juan Quirós, presidente da Apex-Brasil, a venda de orgânicos no País cresce 50% ao ano, mais que a Alemanha, pioneira no consumo, onde o crescimento é de 10% a 15% ao ano. Entre os mais excitados no evento estava o agrônomo Leontino Balbo Jr., diretor comercial da Native, sediada em Sertãozinho, interior de São Paulo. Com seus ternos de caimento impecável e uma notória eletricidade, era a imagem do moderno empreendedor.
Maior exportador de açúcar orgânico do planeta, com 35% do mercado mundial e 60% do japonês, Balbo vende 25 mil toneladas ao ano. Para manter a posição, gastou a sola do sapato. Quando chegou ao hotel, seus calcanhares sangravam. Ele gosta de vender, mas prefere apregoar sua correção ecológica. Aboliu insumos químicos, queimadas, criou em laboratório predadores naturais para brocas e pragas que atacam a cana. Em sua área de plantio, com oito mil hectares, fez reaparecer animais em extinção, como lobo-guará, tamanduá-bandeira, onça-parda e um tipo de lagarto sem patas. "Adotamos uma adubação verde, com a palha da cana, num processo holístico que faz surgir nutrientes até então desconhecidos do solo."
A Agropalma, maior produtor de óleo de dendê da América do Sul, também criou em 32 mil hectares em Tailândia, no Pará, seu oásis ecológico com 338 espécies de aves, seis delas em extinção, como a arara-de-barriga-amarela. Nem só as matas são preservadas. Em Tibau do Sul, a 60 quilômetros de Natal, Rio Grande do Norte, próximo à Praia do Amor, Alter Wainberg, da terceira geração de poloneses da região, combate o ciclo predatório da indústria do camarão, responsável pela destruição de manguezais. "São pessoas cegas pelo dinheiro", diz ele, que reproduziu nos viveiros um ambiente parecido com o do mar, onde os camarões se alimentam de microcrustáceos e algas e nadam livremente. Exercícios que refletem no sabor.
Preocupações como estas caem bem aos olhos estrangeiros. Segundo Quirós, da Apex, "o consumidor de orgânico compra no limite do emocional". O europeu sabe que contribui para brecar o desmatamento das florestas. Por isso, paga 15% a 30% mais caro, diferença similar à dos supermercados nacionais. Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, percorreu a feira com animação e anunciou que brigava pela quebra de barreiras alfandegárias na Alemanha, porta de entrada dos orgânicos brasileiros no mundo. "Os orgânicos têm um potencial ilimitado e precisam ocupar as gôndolas do supermercado", disse.
Numa partida de pebolim no estande brasileiro, Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, juntou-se a Furlan e à cientista e ativista indiana Vandana Shiva, que em 1993 recebeu o Prêmio Right Livelihood, com o status de Nobel. Furlan foi o mais efetivo nos gols, mas Rodrigues falou o que os produtores queriam ouvir: vai acelerar a ansiada regulamentação do setor, que, segundo ele, é estratégico para cinco milhões de pequenos agricultores.
Para cobrar o governo, os orgânicos se organizam. Há um ano existe a Associação dos Produtores e Processadores de Orgânicos no Brasil (Brasil Bio), com 300 associados - quer chegar a três mil este ano -, e em maio realizam uma feira em São Paulo. Joaquim Silva, seu presidente, atesta: "Com a regulamentação, vamos tornar o setor adulto, com caráter de agronegócio." O próximo passo é o reconhecimento das lojas e dos supermercados. "Não vendemos algodão por veludo, nem passamos cera para a laranja brilhar. O orgânico não é um produto feio, nem torto, nem furado", diz. Um dos maiores problemas dos produtores é conseguir certificados de qualidade no Brasil e no Exterior. "Temos que pagar aos certificadores para dizer que somos limpos."
Sem bafo nem pé inchado - Sem a certificação, não há comércio. "A base da produção orgânica envolve preservação ambiental, cuidado com água, solo, ar, sustentabilidade ambiental e até manutenção da saúde do agricultor", define Rogério Pereira Dias, do Ministério da Agricultura. "No orgânico, tudo é trabalhoso e mais lento", reforça Jamil Simão, de Jacuí, Minas Gerais, que produz 60 mil toneladas ao ano de três marcas de cachaça orgânica, Purajacuhy, Brasiliana e Jacuhy. "Uso uma minhoca californiana que não foge e trabalha mais do que as outras produzindo humus", diz Simão.
Além das minhocas especiais, ele evita pulverização química e, na hora do corte, o trator fica distante da colheita para o combustível não contaminar a cana. "Minha cachaça não tem metanol, que deixa o pé inchado, não deixa bafo, língua pegajosa nem tem o aldeído, que provoca a ressaca", avisa. Quando Simão oferecia a cachaça mais fraca às alemãs, elas se ofendiam, queriam a forte. Era ele o fornecedor preferencial do point brasileiro mantido pela chef Flávia Quaresma, dona do Carême Bistrô, no Rio de Janeiro. Num só dia, ela serviu três mil caipirinhas de graça - custavam oito euros em bares alemães. Fez ainda batida de coco e vários pratos, da feijoada ao arroz-de-carreteiro e a sopa de caju.
Flávia só trabalha com orgânicos: "É o resgate do sabor, da cenoura com gosto de cenoura." No segundo semestre, a empresária Silvia Stickel, ex-proprietária do restaurante Cheiro Verde, marco da cozinha natural de São Paulo, vai abrir um empório orgânico na cidade, de 400 metros quadrados. Para reforçar a idéia de que ser orgânico não é ser hippie, ela vai revestir a construção de vidros e detalhes high tech.

Isto É, 09/03/2005, p. 92-94

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