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Avanço do fogo faz com que indígenas combatam queimadas sem equipamento e sem treinamento

O Globo - https://oglobo.globo.com/
11 de Out de 2024

Avanço do fogo faz com que indígenas combatam queimadas sem equipamento e sem treinamento
Secretaria de Saúde Indígena aponta um aumento nos atendimentos por síndrome respiratória, totalizando 6.043 atendimentos entre 6 de agosto e 24 de setembro

Alice Cravo

11/10/2024

Com um aumento de 78% nos incêndios florestais no país, indígenas têm se articulado para formar brigadas voluntárias para reforçar equipes que atuam na contenção das queimadas. Com as limitações enfrentadas de agentes da Funai e do Ibama, esses voluntários contam com doações de equipamentos usados para apagar o fogo - como sopradores e roupas adequadas - e, em algumas situações, acabam se ferindo.

Foi o que ocorreu na terra indígena Aruanã 1, em Goiás. A diretora do colégio indígena Maurehi, Valdirene Gomes, conta que um integrante da brigada voluntária ficou machucado ao tentar apagar um incêndio na região. A salvação foi correr para a beira do rio.

Valdirene também relata que diversos indígenas da região estão com bronquite, alergias, febre e tosse causadas pela fumaça. Segundo ela, a brigada voluntária atua lado a lado dos brigadistas, mas não consegue acesso aos equipamentos necessários para o combate.

- É muito fogo mesmo, a fumaça está tomando conta. Tem muito animal morto pelo caminho, é uma tristeza. E estamos por conta própria, não temos os equipamentos necessários. Temos um grupo para se mobilizar em caso de necessidade e estamos sempre em alerta. Qualquer sinal de perigo a comunidade se mobiliza. É muito triste, andamos e vemos os corpos queimados dos tatus, dos jacarés - relatou ela.

O vice-cacique Berê, que também atua de maneira voluntária, tentou combater um foco por mais de 20 horas seguidas na última semana, sem sucesso. Pela quantidade de focos, os voluntários precisam traçar estratégias para driblar os riscos e escolher os combates com mais chance de sucesso. Ao relatar o rastro de destruição causado pelo fogo, Berê afirma que a urgência de salvar as casas não deixa tempo para a tristeza.

- O fogo destrói tudo por onde passa. Está matando muitos pássaros, araras, tatus. Não temos tempo para pensar no sentimento quando vemos isso. A gente só quer salvar a nossa casa. Infelizmente a mata não tem condição de salvar, se tivesse a gente salvava porque é dela que a gente tira o sustento. Mas não tem como ir contra o fogo - contou Berê.

Atualmente, segundo dados do Inpe, as cinco terras indígenas com mais focos de incêndio são a Kayapó (PA), Parque do Araguaia (TO), Kadiwéu (MS), Inawebohona (TO) e Utiariti (MT). Ao todo, esses territórios concentram mais de nove mil focos de calor.

No Maranhão, a brigada comunitária da terra indígena Cana Brava conseguiu doações de equipamentos, como motoserra e sopra fogo, e verba para alugar uma caminhonete que permite o deslocamento para combates mais distantes e, muitas vezes, em mata fechada. O dinheiro para sustentar o automóvel, no entanto, acabou, e agora a brigada tenta conseguir apoio do governo do estado e de prefeituras da região.

- Em termos de equipamentos não podemos reclamar. Claro que precisamos de mais, os equipamentos precisam ser repostos. Muitos quebram, os filtros ficam logo danificados pela quantidade de fuligem e fumaça. Mas hoje a nossa maior dificuldade é o transporte, vamos perder o carro, não tem mais dinheiro para sustentar. Estamos correndo atrás da prefeitura, governo do estado para ver se conseguimos uma ajuda. Precisamos de combustível para o carro e para os equipamentos. Além de alimentação, que estamos conseguindo por doações. Contamos também com boa ação de parceiros da cidade, que quando chegar a conta sei lá como vamos apagar - contou Luiz de Castro Neto, coordenador da brigada comunitária.

A brigada também realiza um trabalho de reflorestamento para tentar recuperar parte das áreas degradadas, seja pelo fogo ou pelo desmatamento. Neste ano, foram mais de 3 mil mudas plantadas no viveiro de plantas nativas.

Em Cana Brava, o fogo é tanto que até os indígenas que não estão na brigada precisam entrar em campo de última hora para salvar suas casas. Foi o caso de Joaquim Manoel Guajajara, de 64 anos, que correu em direção ao fogo para salvar sua roça. No final da noite, o indígena passou mal por efeito da fumaça.

- Quando vi o fogo, tentei apagar. Quando terminou de queimar, me senti fraco e de noite eu quase morri. A comunidade estava orando por mim - disse o indígena ao GLOBO em conversa mediada por um intérprete.

Moisés Pereira Guajajara Filho, de 31 anos, relatou as dificuldades na linha de frente, que vão desde a falta dos equipamentos até a falta de alimentação.

- Já morreram muitos animais e precisamos de equipamento, alimento, como vamos comer no meio do mato, do sol quente? A reserva é muito grande, e tem muito fogo ainda. Estamos no sol quente, com uma distância muito grande para combate sem viatura.

Servidor da Funai com atuação no combate ao fogo nas terras indígenas nos estados de Tocantins, Pará e Goiás, Conceição Costa relata que a situação mais crítica é a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo, com 2 milhões de hectares. A ilha abriga dois parques nacionais, sendo um indígena e outro uma reserva ecológica. Além do fogo, a região precisa lidar com uma população de 12 mil invasores.

Conceição afirmou que a alta demanda pelo combate aos incêndios limitou também a atuação do Ibama. O número de brigadistas, em razão do volume de fogo, ficou pouco frente à realidade.

- Todas as terras indígenas estão com brigadistas, mas com o volume de fogo, apesar de ter número de brigadistas, todos estão atuando e ficamos sem condição de combater tudo em tempo hábil. As brigadas voluntárias ajudam no combate em algumas regiões, mas também são limitados pela falta de treinamento e equipamento.

Em algumas situações, a Funai consegue um auxílio financeiro para indígenas que estão com atuação voluntária, visto que muitos precisam abandonar empregos para atuar na proteção do território. Na Ilha do Bananal, atuam sete brigadas, deixando a Funai com poucas condições de prestar auxílio.

A ilha teve mais da metade do seu território destruído pelo fogo, com uma redução considerável da mata nativa. O impacto se estende para a vida animal. Os que conseguem fugir do fogo, pedem os locais de refúgio e as fontes de alimentação e água. A alta dos incêndios coincide com o período de reprodução das espécies.

- O impacto é enorme, vamos perder gerações de animais como o jabuti, o tatu. O cenário pós fogo, quando a gente medir tudo isso, vai ser meio que catastrófico a quantidade de área que queimou e que vai ter que ser recuperada ou regenerada de alguma forma - contou Conceição.

Ações de ajuda
O convívio intenso com a fumaça trouxe ainda impactos na saúde. Dados da Secretaria de Saúde Indígena apontam um aumento nos atendimentos por síndrome respiratória, totalizando 6.043 atendimentos entre 6 de agosto e 24 de setembro. Também foram registrados mais de 3 mil atendimentos por problemas intestinais.

A crise na saúde, a Sesai passou a enviar cota extra de combustível para os distritos sanitários indígenas que estejam em área de risco, além da ampliação das operações para levar abastecimento de água, além de sanitaristas para integrar as equipes e fazer alertas sobre exposição à fumaça.

A Sesai também começou a enviar medicamentos de forma antecipada, além de estabelecer fluxos mais rápidos com as equipes de saúde que estão nos territórios e com as lideranças e ampliou a capacidade de assistência à população indígena.

Por outra via de atuação, o Ministério dos Povos Indígenas e a Funai começaram uma campanha nacional para orientar populações a lidarem com as queimadas.

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/10/11/indigenas-formam-bri…

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