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Autodeclaração não pode ser o único critério

CB, Brasil, p. 12
Autor: GOMES, Mércio Pereira
06 de Ago de 2008

Autodeclaração não pode ser o único critério

Entrevista - Mércio Pereira Gomes

Em entrevista ao Correio, o ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Pereira Gomes critica o critério exclusivo de autodeclaração para a seleção dos estudantes indígenas a serem contemplados com bolsas do ProUni. "Alguém sempre pode alegar, de boa-fé ou de má-fé, que tem uma bisavó indígena. Mas esse não é o entendimento que se tem no Brasil do que é o indígena. Indígena é alguém que pertence a uma comunidade", afirma o antropólogo, que presidia a Funai em 2005, ano em que o programa foi lançado.

O ministro da Educação afirmou hoje que não recebeu uma denúncia concreta. A Funai chegou a fazer uma denúncia concreta ao MEC?

Na época em que eu era presidente da Funai, logo que saiu o ProUni e foram anunciadas as primeiras bolsas para povos indígenas, eu pedi à Coordenação Geral de Educação da Funai para checar quem eram as pessoas (beneficiadas), porque muitos índios disseram que não haviam conseguido entrar. No início, eram poucas bolsas, cerca de 190. Era o que tinha sobrado. Nós descobrimos que muitas dessas pessoas não eram indígenas. Então, fui lá no ministério e falei com a Secretaria de Educação Superior e também com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Pedi para que esse sistema de autodeclaração fosse avalizado pela Funai - porque qualquer pessoa pode chegar e dizer que é indígena e, de fato, tomar possíveis vagas dos nossos índios. Quando a Funai verificou que essas pessoas não eram indígenas, ficou mais evidente.

Quantas pessoas estavam com essa irregularidade?

Nós checamos cerca de 100, cento e poucas pessoas.

E, dessas, quantas não eram indígenas?

A maior parte não era de indígenas. Eram pessoas que haviam se declarado dessa forma. Alguém sempre pode alegar, de boa-fé ou de má-fé, que tem uma bisavó indígena, como 30% da população brasileira efetivamente tem. Mas esse não é o entendimento que se tem no Brasil do que é o indígena. Indígena é alguém que pertence a uma comunidade. Como já dizia Darcy Ribeiro, não existe índio genérico no Brasil. O índio genérico, que não tem um povo, não tem uma cultura, é um brasileiro comum. (Índio) é aquele que nasceu do processo histórico e tem sangue indígena.

Como essa informação foi encaminhada ao MEC?

Eu fui pessoalmente e falei o que estava ocorrendo. O pessoal dessas secretarias pediu uma listagem das pessoas que foram checadas pela Funai. Houve um certo diálogo, e prometeram que, no ano seguinte, os beneficiados seriam avalizados, que haveria uma forma de conceituar melhor aqueles que são verdadeiramente indígenas.

E, para trás, haveria investigação?

Não interessava à Funai punir quem havia feito isso. Nós não estávamos aí para perseguir ninguém… Isso está baseado em um interpretação equivocada da declaração da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que diz que a autodeclaração de ser indígena é fundamental. Como se fundamental significasse único critério. No Brasil, esse critério é pertencer a um povo que tem uma cultura que se relaciona com um passado pré-cabralino. Mesmo que essa cultura tenha mudado. Você pode não ter mais uma língua indígena, mas tem características indígenas e (faz parte de) um povo coeso.

Você comunicou ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, sobre isso na época?

Nós conversamos sobre isso e comuniquei que eu tinha falado sobre esse assunto com o MEC e estava vendo como a Funai poderia ajudar. Mas foi uma conversa muito mais rápida do que a que eu tive com o Ministério da Educação.

CB, 06/08/2008, Brasil, p. 12

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