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Aumenta o desmatamento em Roraima

Valor Econômico, Agronegócios, p. B11
28 de Abr de 2015

Aumenta o desmatamento em Roraima

Bettina Barros

Distante milhares de quilômetros dos grandes centros consumidores do país e mais próxima de Caracas, a capital venezuelana, que de Brasília, Roraima vive um período de gradual crescimento do agronegócio. Nos últimos anos, produtores rurais de Mato Grosso aterrissaram no Estado em busca da expansão de suas atividades, seguindo notícias sobre as terras baratas e disponíveis para as lavouras. Com eles, Roraima teve acesso à expertise do Centro-Oeste no plantio de soja, que tanto colabora para a consagração do Brasil como "celeiro" agrícola mundial.

O que era para ser uma história só de sucesso, porém, também embute riscos. Um deles é que, em alguns casos, a lógica de semear a soja em áreas onde rebanhos de bois pastavam, mas que antes eram ocupadas por florestas, ganha o caráter perverso de servir de estímulo adicional às motosserras, pelo poder que tem de conferir maior liquidez à propriedade em questão. E, por conta disso, o Estado entrou no radar nacional do desmatamento da Amazônia.

Entre agosto de 2014 e fevereiro, a taxa de desmatamento acumulado em Roraima só perdeu do líder inconteste Mato Grosso do corte raso. Foram 12 Km 2, ou 28% do desmatamento total na Amazônia Legal neste intervalo. Os números são do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), mantido pelo Imazon, que produz um monitoramento mensal da Amazônia Legal.

Na medição oficial do governo, que é o Deter, produzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmate em Roraima subiu quase 40% entre um ano e outro - uma devastação de mais de 23 mil hectares de floresta.

Roraima também salta aos olhos na lista do Imazon de municípios que mais desmataram em fevereiro, último mês com visibilidade suficiente para capturar imagens de satélite. Quatro em dez municípios são de lá. Em março, as nuvens cobriam 86% do espaço aéreo de Roraima, inviabilizando a coleta de dados.

Ainda não é possível associar diretamente o quadro de degradação ambiental com o cultivo de soja. As áreas desmatadas estão mais ao sul de Roraima, enquanto a soja segue restrita ao chamado "lavrado", área de transição entre Amazônia e Cerrado. Mas o Ministério Público Federal e o Ibama temem que isso vá acontecer, dada a especulação de terras em curso. "A expansão da soja nos preocupa por causa da fragilidade fundiária no Estado", diz o procurador Fábio Brito Sanches. "Com a promessa do governo federal de passar para as mãos do Estado a gestão de parte do território, começou a corrida especulativa", afirma ele.

Criado com a Constituição de 1988, Roraima vive um limbo fundiário. Desde 2009, o governo federal está em vias de transferir 5,9 milhões de hectares da União para o Estado. Enquanto não finaliza o processo, quem chega primeiro vira dono da terra. É um processo histórico de grilagem - ocupação ilegal de áreas públicas - que acontece em toda a Amazônia.

A diferença, diz o MPF, é que nos demais Estados a fiscalização e o controle estão mais avançados. Ele cita como exemplo o Pará: a Secretaria de Meio Ambiente é mais estruturada e o número de propriedades com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é muito maior. Com o CAR é possível mapear áreas rurais e consequentes desmatamentos.

Outro problema é a corrupção. Não raramente, o desmatamento cresce com o consentimento das próprias autoridades estaduais. As madeireiras obtêm permissão para a derrubada de árvores, mas fraudam esses documentos de diversas formas. "É um ambiente de legalidade duvidosa", diz Ciro Campos, representante do Instituto Socioambiental em Boa Vista.

Duas investigações da Polícia Federal e do Ibama trouxeram luz à ilegalidade no Estado, até então mais conhecido pelos conflitos com indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol. Na maior delas, em 2012, foi deflagrada a "Operação Salmo 96:12" para desarticular uma complexa organização criminosa responsável pela guinada no desmatamento. Inúmeros servidores foram presos.

Com a terra "limpa", o primeiro movimento é a venda da madeira. Depois a área é destinada à pecuária. Só então vem a lavoura. Por isso a preocupação do MPF e Ibama. Fernando Sampaio, representante da Abiec, a associação de exportadores de carne bovina, defende seu segmento e lembra que Roraima representa somente 0,18% do abate do país. "É um Estado que não está inserido no comércio nacional de carnes. O rebanho é só a desculpa para ocupar a terra", diz.

Para a soja, o governo de Roraima tem fortes ambições. O Estado conta com a vantagem competitiva de cultivar e colher fora da janela tradicional da safra brasileira, já que segue o calendário americano por estar mais próxima do Hemisfério Norte. Quando chove no resto da Amazônia, lá é seca e é possível plantar.

Roraima semeou em 2014 somente 18 mil hectares com o grão - uma propriedade de tamanho médio em Mato Grosso. O governo estadual anterior previa que a área seria duplicada em 2015 e que depois cresceria cerca de 20 mil hectares por ano. A atual gestão preferiu não conceder entrevista.

Valor Econômico, 28/04/2015, Agronegócios, p. B11

http://www.valor.com.br/agro/4024024/aumenta-o-desmatamento-em-roraima

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