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Atraso pernicioso

OESP, Economia, p. B2
Autor: SALZANO, Francisco M.
05 de Nov de 2005

Atraso pernicioso

Francisco M. Salzano

O que estamos esperando? Após demorada tramitação, em que foram ouvidos todos os elementos interessados, a Lei de Biossegurança foi aprovada em março do presente ano. Entretanto, para sua implementação, é necessário que ela seja regulamentada, e o processo de regulamentação já se arrasta por quase um ano. Qual é a causa dessa lentidão? Ela só pode ser atribuída a pressões sofridas pelo governo federal por grupos equivocados de conservacionistas extremos, que temem que a eventual legalidade da produção e comercialização de organismos geneticamente modificados (transgênicos) cause danos ao meio ambiente; bem como de outros agrupamentos de místicos e religiosos que se opõem à utilização de embriões armazenados em clínicas de fertilidade e que cedo ou tarde seriam descartados para sua utilização na terapia de células-tronco, um processo que vem revolucionando a medicina regenerativa. Há razões para essa resistência? É claro que não. A transgenia não causa danos ao meio ambiente; ao contrário, a sua utilização vem trazendo benefícios no que se refere à redução do uso de agrotóxicos e outros procedimentos agronômicos agressivos. E a terapia de células-tronco, que pode eventualmente se estender para a chamada clonagem terapêutica ou transferência nuclear, vem sendo realizada levando em consideração todas as regras e procedimentos preconizados por organizações nacionais e internacionais, bem como pelas comissões de ética institucionais que, hoje, existem em qualquer órgão de pesquisa do País ou estrangeiro. O atraso é incompreensível porque, num movimento de resistência passiva sem paralelo na História do País, o Brasil já figura em quarto lugar na lista de nações que mais plantam transgênicos no mundo, só sendo ultrapassado pelos Estados Unidos, pela Argentina e pelo Canadá. E esta técnica foi responsável em grande parte pelo crescimento da safra de soja no País, que passou de 15 milhões de toneladas de grãos na safra 2000/2001 para mais de 20 milhões na safra 2003/2004. Mas o importante não são só os ganhos econômicos. O maior bem que um país pode produzir são cérebros, isto é, uma comunidade de pesquisadores que esteja na vanguarda do desenvolvimento científico e tecnológico. Os investimentos financeiros do Brasil nesta área são razoáveis, mas o mesmo grupo ultraconservacionista e ultraconservador que se opõe à implantação generalizada da transgenia, sob a alegação de que se deve combater a biopirataria, montou uma regulamentação asfixiante para os estudos científicos de nossa flora e fauna. Isto exatamente no momento em que uma nova técnica, a dos códigos de barra ('bar codes') de DNA, promete revolucionar o levantamento da biodiversidade do planeta. Estamos, como país, numa encruzilhada. Ou se apóia firmemente a investigação científica, pois só com ela é possível no mundo atual o progresso social; ou permanecemos na retaguarda, retornando à Idade Média, ao fundamentalismo místico-religioso, e à miséria generalizada. Uma medida simples, na direção adequada, é a de regulamentar a Lei de Biossegurança. Por favor, senhores(as) do contra, se não é possível auxiliar, pelo menos não prejudiquem o desenvolvimento científico nacional.

Francisco M. Salzano é professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e presidente da Sociedade Brasileira de Genética

OESP, 05/11/2005, Economia, p. B2

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