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A assembléia do atraso

OESP, Notas e Informações, p. A3
28 de Out de 2006

A assembléia do atraso

F alta nomear o Capitão Marvel, o arquiinimigo do Dr. Silvana, o cientista do mal, para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Assim estaria completo o cerco a todos os malvados que tentam examinar inovações tecnológicas potencialmente úteis à agropecuária brasileira - ainda competitiva, mas não por muito tempo, se o cenário não mudar com rapidez. Note-se que não se trata meramente de autorizar a adoção de inovações, mas de analisar suas características e avaliar a conveniência de seu uso. Foi esse o objetivo original da CTNBio, que deveria ser formada por um grupo de técnicos familiarizados com o setor. Mas esse trabalho não vem sendo realizado, porque uma parte da comissão simplesmente entrava as atividades, impedindo qualquer discussão racional, e muitos de seus membros nem sequer aparecem nas sessões. Por causa disso, os processos estão emperrados e, até o fim do ano, ocorrerá no máximo a avaliação de uma vacina transgênica para uso veterinário, segundo o presidente da comissão, o cientista Walter Colli.

Reformulada com base na Lei de Biossegurança, a CTNBio foi ampliada e passou a funcionar não mais como um organismo técnico e científico, mas como um foro político dominado, na prática, por um bando de caçadores de bruxas fantasiados de inimigos do Dr. Silvana.

A dominação exercida por esse grupo é muito fácil, pois depende, em geral, de dois expedientes. Um deles consiste em evitar o tratamento racional das questões propostas. O outro, em faltar a reuniões para impedir os trabalhos.

Os dois expedientes foram descritos em reportagem publicada pelo Estado no domingo. Um exemplo do primeiro tipo foi a longa discussão de um processo de importação de milho argentino para o Nordeste. A questão de abastecimento de milho para a região não tem nenhuma novidade. Em muitas circunstâncias, é mais prático importar, porque há dificuldades logísticas para deslocar o produto de armazéns do Centro-Oeste para lá. Mas o grupo dos 'ambientalistas', depois de formular a pergunta inútil - por que não milho brasileiro?-, dedicou-se a um falatório sobre a necessidade de investimentos em estradas. Que seja preciso investir em estradas ninguém contesta. Mas o abastecimento requer muitas vezes soluções urgentes e não é crime importar.

O absenteísmo, o outro recurso de que se valem os emperradores do trabalho, foi citado pelo próprio Walter Colli. Com a reformulação, a CTNBio passou a ter nada menos que 54 membros, sendo 27 titulares e 27 suplentes. São necessários dois terços dos votos para se aprovar a liberação de uso de uma inovação.

'Sem a presença de um grupo razoável', disse o presidente, 'não tenho como colocar em votação assuntos tão importantes.' Segundo ele, a nova lei criou não uma comissão, mas uma assembléia geral. A descrição é muito boa em dois sentidos. Primeiro, porque aponta as dificuldades de trabalhar com um número tão grande de pessoas. Segundo, porque acentua o caráter ideológico das discussões e das manobras e o deslocamento do trabalho técnico para um plano inferior.

Com base numa lei que saiu desfigurada, os 'ambientalistas' do governo, conhecidos por sua incompetência e por sua incapacidade de tratar com objetividade qualquer assunto, conseguiram impor sua influência a vários setores de enorme importância para o desenvolvimento do País.

A inoperância desses 'ambientalistas' é visível em todos os seus campos de atividade. O desmatamento continuou em ritmo acelerado no governo petista. A análise do impacto ambiental de projetos é lenta e desestimula os investimentos em infra-estrutura (o principal problema é a lentidão do processo burocrático). Sua participação nos debates sobre tecnologia para a agropecuária é um persistente combate à modernização produtiva, sem a qual nunca teria sido possível aumentar a oferta de alimentos, a preços baixos, para milhões de brasileiros pobres.

Essas distorções são possibilitadas, em primeiro lugar, pela incapacidade do governo de escolher com clareza uma política realista de tecnologia. Nesse assunto, como em muitos outros, o presidente da República não teve coragem de se opor às alas mais obscurantistas de seu partido e dos grupos aliados. O resto é conseqüência.

OESP, 28/10/2006, Notas e Informações, p. A3

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