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Assassinato de irmã Dorothy teria custado R$ 50 mil

OESP, Nacional, p. A9-A10
18 de Fev de 2005

Assassinato de irmã Dorothy teria custado R$ 50 mil
Pistoleiros contratados por fazendeiros de Altamira e Anapu já estariam no exterior

Os matadores da missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, assassinada no sábado por dois pistoleiros em Anapu, no sudoeste do Pará, receberam R$ 50 mil pelo "serviço", pagos em dinheiro logo após o crime, segundo revelou ao Estado uma fonte de Altamira. Os pistoleiros fugiram em um avião, que decolou de uma fazenda do município, com ordens para "sumir" do Brasil.
Os mandantes do crime, que seriam fazendeiros de Altamira e Anapu, alguns deles envolvidos em fraudes com financiamentos da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), conhecidos como "sudanzeiros", garante a fonte, andavam com irmã Dorothy "atravessada na garganta" e queriam se livrar dela de qualquer maneira.

LARANJAS

Tentativas isoladas para matar a religiosa já haviam fracassado porque numa delas um dos pistoleiros contratados contou em um bar de Anapu, embriagado, o que iria fazer. A missionária ficou sabendo e ligou para um jornalista de Belém, contando o fato, que foi publicado no jornal O Liberal.

Em outra ocasião, os pistoleiros acharam baixa a oferta para o crime de encomenda: apenas R$ 8 mil.

Em conversa que diz ter ouvido em uma danceteria de Altamira, ainda no domingo à noite, 36 horas após o crime, a fonte, que teme se identificar e também ser assassinada, garante que os pistoleiros autores da morte da freira não seriam os que estão sendo procurados - identificados como Eduardo e Fogoió - e cujo retrato falado foi divulgado anteontem pela Polícia Civil do Pará. "Esses foram 'laranjas' plantados para despistar as investigações. Os verdadeiros assassinos seriam outros, que a estas horas também estão muito longe do Pará", sustenta a fonte.

A ordem de fuga, ainda de acordo com a fonte, ocorreu porque os mandantes sabiam da grande repercussão que o crime iria alcançar, tanto no Brasil quanto no exterior.

Os dois carros encontrados próximos do local do crime também fariam parte do esquema de despistamento. Os veículos seriam roubados.

Os mínimos detalhes sobre os passos de irmã Dorothy também não foram esquecidos. Homens contratados se infiltraram entre os agricultores liderados pela freira, fingindo serem trabalhadores sem-terra. Um deles chegou a ser abençoado pela missionária, pedindo a ela um lote de terra.

O secretário de Defesa Social do Pará, Manoel Santino do Nascimento Júnior, ficou sabendo pelo Estado sobre o suposto preço para matar a missionária. "Desconheço a informação, mas vou investigar", prometeu Santino.

Greenpeace faz campanha de cobrança ao governo

A organização ambientalista Greenpeace iniciou uma campanha internacional para pressionar o governo a prender e punir os assassinos da irmã Dorothy Stang. No seu site internacional (www.greenpeace.org), a ONG propõe o envio de cartas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador Simão Jatene (PSDB) exigindo justiça. O modelo, em inglês, compara irmã Dorothy a Chico Mendes, ecologista morto nos anos 80, e, em tom de cobrança, diz que não são mais aceitáveis "mártires" na região.
"Irmã Dorothy viveu mais de 30 anos na Amazônia, e dedicou quase metade e da sua vida a dar voz às comunidades rurais, defendendo seu direito à terra e lutando por um modelo de desenvolvimento que não resultasse na destruição da floresta. Ela incansavelmente insistia que a presença governamental nas regiões remotas da Amazônia era necessária", diz a carta. "16 anos após a morte de Chico Mendes, a impunidade continua a caracterizar as regiões remotas da Amazônia. Não podemos mais aceitar mártires na Amazônia. Também não devemos aceitar mais um derramamento de sangue na floresta."

Cópias da carta serão mandadas aos ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Miguel Rossetto (Reforma Agrária), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Celso Amorim (Relações Exteriores) e Nilmário Miranda (Secretaria Especial de Direitos Humanos). "Senhor presidente e senhor governador, as autoridades de seus governos já tinham sido alertadas sobre os conflitos na região e os riscos que irmã Dorothy corria. No entanto, ninguém agiu para providenciar segurança para ela e outros líderes", acusa o texto.

"Exijo que o governo providencie uma rigorosa investigação, punição para os responsáveis e total suspensão da matança que marca a Amazônia com a lei da violência e da intimidação, em lugar da lei do Estado", prossegue. "Confio que o governo brasileiro assumirá total responsabilidade por fazer Justiça a este crime e implementará medidas concretas para estancar as causas dessa violência, como a grilagem de terras e a ocupação ilegal, e garantir um futuro sustentável para a Amazônia e seus habitantes."

Para mandar a carta, o internauta precisa preencher um formulário, acessado a partir de um link no artigo sobre a irmã Doroty. Um texto explica que o modelo de carta é uma sugestão e o remetente pode fazer as modificações que desejar. Também recomenda que o autor da mensagem seja "polido".

Quanto cobram os pistoleiros no Pará

R$ 20 mil - padres, líderes de grupos sem-terra, políticos

R$ 15 mil - Vereador

R$ 10 mil - Sindicalistas

R$ 8 mil - Pistoleiro morto em "queima de arquivo"

R$ 5 mil - Líder de assentamento

R$ 100 mil - Caso especial: o frei Henri des Rosiers, da CPT de Xinguara, condecorado pelos governos da França e do Brasil por sua luta pelos sem terra e por direitos humanos, chega a valer R$ 100 mil.

Em várias cidades, missas e atos pela freira assassinada
Em São Paulo, arcebispo d. Cláudio Hummes rezará missa em homenagem a irmã Dorothy na Catedral da Sé

O sétimo dia do assassinato da irmã Dorothy Stang será lembrado em todo o País com celebrações religiosas e atos de protesto hoje. Em Belo Horizonte, às 17 horas haverá manifestação diante do Palácio da Justiça. Em Salvador, ato ecumênico às 13 horas, na Praça da Piedade. Em São Paulo, grupos de religiosas e leigos se reunirão no Pátio do Colégio às 16 horas. No sábado, o arcebispo d. Cláudio Hummes celebrará missa na Catedral da Sé em homenagem à irmã. "Vamos celebrar a ressurreição de nossa irmã e gritar bem alto que nossa opção é pela paz, pela não violência", diz o convite para o ato em São Paulo. "Queremos manifestar nosso sentimento de indignação diante das ações dos latifundiários e pistoleiros que seguem impunemente fazendo novas vítimas", afirma o texto da convocação de Belo Horizonte. Um dos principais organizadores é a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), que reúne as congregações religiosas de padres e freiras do País - entre elas a das Irmãs de Nossa Senhora de Notre Dame, à qual pertencia irmã Dorothy. A presidente da CRB, irmã Maris Bolzan, convidou em nota as religiosas a se manifestarem no sétimo dia contra a violência e em defesa da Justiça. As 20 regionais da CRB atenderam ao convite. "Vamos pedir justiça e rezar pelo descanso de Dorothy e todas as vítimas da violência, como as que foram massacradas em Goiânia", disse a irmã Claricia Gramarin, canadense da congregação Irmãs de Caridade Ottawa. A congregação Nossa Senhora de Notre Dame fará celebrações religiosas em Dayton, onde Dorothy nasceu, Washington e outras cidades. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Sem-Terra (MST) farão manifestações. Em Macapá, agentes pastorais organizaram uma celebração religiosa para às 19 horas na Catedral de São José. Em Ribeirão Preto, sem-terra do Acampamento Mario Lago farão ato de protesto sábado.

Líder rural do Pará diz que sem-terra está acima da lei

Terras invadidas, estradas bloqueadas, minério parado, fazendeiros e sem-terra fortemente armados, seqüestros, emboscadas e execuções. São cenas de Parauapebas, ao sul do Pará. "A coisa aqui é muito tensa, os sem-terra acham que estão cheios de razão, aqui os sem-terra são inimputáveis, igual a índio", protesta Lázaro de Deus Vieira Neto, o Lazinho, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade.
Proprietário da Fazenda Nova Vida - 7,5 mil cabeças de gado em 3,3 mil hectares -, Lazinho cobrou ontem à tarde "ação enérgica das autoridades constituídas". Antes de participar de uma reunião com delegados das polícias Civil e Federal, militares e representantes da ouvidoria agrária e do Incra, ele reclamou que dezenas de mandados judiciais para reintegração de posse não são cumpridos pelo governo paraense.

"Muita gente pensa que o fazendeiro é quem manda na região, mas são os sem-terra que mandam", afirma. "Estamos sofrendo demais, geramos emprego, produzimos, trabalhamos e não temos sossego." O fazendeiro fez o seguinte relato: "Agora (eram 16h15), na Fazenda Rio Verde, uma família foi feita refém de invasores e duas estradas que ligam Marabá a Redenção e Parauapebas a Canaã estão obstruídas. O minério produzido na Serra do Sossego ficou sem saída".

Na região existem 4 mil propriedades pequenas e médias com 1,1 milhão de cabeças de gado cadastradas e cinco laticínios que produzem 400 mil litros de leite por dia. "Aqui não tem área improdutiva, são propriedades regularizadas", afirma o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais. Ele disse que os fazendeiros não têm envolvimento no assassinato do líder do Assentamento Carajás, Soares da Costa Filho, emboscado em uma estrada secundária a 8 quilômetros de Parauapebas. "Essa morte não tem nada com fazendeiro", declarou Lazinho. "Repudiamos o crime, mas não podemos pagar pelo ato de quem fez isso."

INÚTIL

Na Fazenda Santa Fé, 90 alqueires e 800 cabeças de gado, cerca de 300 invasores ocupam um terço da área desde junho de 2004. Em janeiro, dois funcionários foram seqüestrados. Ricardo Couto e Sebastião Gomes ficaram quatro dias em cativeiro. Outro tratorista, José Silva, ficou preso um dia.

"Conseguimos liminar para reintegração de posse logo depois da invasão, mas de lá para cá a gente tem recorrido inutilmente a todas as autoridades para fazer cumprir a decisão judicial", conta Célio Carneiro, irmão do proprietário da Santa Fé, Leonardo Carneiro.

As questões agrárias, principalmente os mandados de reintegração de posse, passam obrigatoriamente pelo secretário de Defesa Social do Estado, Manoel Santino, e pelo comandante-geral da Polícia Militar, coronel João Paulo Vieira da Silva. Sem autorização de ambos, a desocupação de uma propriedade não pode ser realizada.

Sem-terra invadem 4 sedes do Incra

PRESSÃO: As sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Altamira e Itaituba, no sudoeste do Pará, e em Parauapebas, no sul do Estado, foram invadidas e ocupadas por sem-terra que exigem a regularização fundiária das áreas que ocupam e agilidade no processo de reforma agrária. Os invasores foram mobilizados nos municípios de Medicilândia, Uruará, Brasil Novo, Anapu, Pacajá, região do Xingu e Novo Progresso. Eles querem que o governo cumpra as promessas que vêm sendo feitas desde que a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada no sábado. "Queremos saber se toda esta mobilização do governo federal depois da morte da freira é para valer ou mais uma farsa igual a tantas outras", disse o sindicalista Antonio Pedro Barbosa. O ouvidor Agrário Nacional, Gersino Silva Filho, disse que os chefes das unidades do Incra nos locais ocupados pelos sem-terra estão encarregados de promover as negociações para que as sedes do órgão sejam desocupadas. No sul do Estado, quatro rodovias foram interditadas por sem-terra ontem pela manhã em protesto contra a violência: as rodovias PA-160, à altura do município de Canaã dos Carajás; a PA-150, em Parauapebas; a BR 222, entre Marabá e Rondon do Pará, além da Transamazônica, em frente ao acampamento 1.o de Março, do MST, em Marabá.

OESP, 18/02/2005, Nacional, p. A9-A10

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