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Ashaninkas criam escolas para ensinar brancos em Marechal Thaumaturgo, no Acre

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Autor: Flamínio Araripe
01 de Dez de 2006

Logo após a realização da Reunião Anual da SBPC para discutir em Cruzeiro do Sul a Universidade da Floresta, no município de Marechal Thaumaturgo, também no Acre, foram entregues os prédios do projeto Saber da Floresta, do povo Ashaninka.

A unidade tem como centro uma escola, além de 11 casas de hospedaria e outros prédios para capacitar 80 crianças e jovens por ano.

Numa área de 87 hectares de pasto comprada pelos Ashaninkas em frente à cidade que fica do outro lado do rio Amônia, está sendo implantado o conjunto que visa a preservação dos conhecimentos tradicionais de modo harmonioso com a floresta em pé.

"Estamos no final da construção, e agora vamos equipar a estrutura para começar no ano que vem a fazer os seminários", diz o gerente do empreendimento, Benke, 32 anos, que recebeu formação de pagé.

Como temas dos cursos, Benke cita apicultura, agrofloresta, reciclagem e manejo florestal. A unidade irá receber índios e também filhos da comunidade ribeirinha, de seringueiros e agricultores brancos, além de alunos de outras escolas indígenas.

Índios da Colômbia, Peru, Venezuela, EUA e de outras etnias do Brasil virão à escola Saber da Floresta, disse Benke, coordenador do projeto. Serão dados dois cursos por ano, cada um com 40 alunos.

"A gente pensa construir um espaço que seja, não uma Universidade, mas um conhecimento de como desenvolver algo que possa trazer autonomia e desenvolvimento" , afirma.

O coordenador assinala que a escola da comunidade apiucha dos Ashaninka foi criada "pensando no desenvolvimento sustentável e agregação de valores dos recursos naturais de uma forma que possa trabalhar todos os conhecimentos da população e transformá-los em uma alta ciência de desenvolvimento" .

Segundo ele, há hoje grandes dificuldades das famílias dos ribeirinhos de desenvolverem alguns programas de sustentabilidade.

O índio concebeu o projeto de uma escola para ensinar o branco. Depois de percorrer diversos gabinetes governamentais desde 1999 com o projeto, Benke o apresenta ao Instituto Montenegro, que, solidário, está investindo R$ 790 mil no projeto.

Mais R$ 200 mil serão investidos em equipamentos para tornar a unidade pronta para iniciar os seminários.

"Às vezes, o termo político vai sacrificar as comunidades. Hoje politicamente as pessoas acham que só política partidária faz as comunidades se beneficiarem. A gente quer fazer o contrário. As comunidades se fortalecendo fazem a política se direcionar a uma ação", afirma o gerente.

Benke conta que nesta semana um técnico irá à escola agilizar a instalação dos equipamentos.

"Estamos fazendo o levantamento de todos os materiais para equipar, desde computador, antenas, tudo o que é preciso para as escolas. Espero muito ter sucesso e parceria com muitas pessoas do mundo", disse ele, que é bolsista da Fundação Ashoka dedicado ao trabalho de educação.

Francisco Pianco, também Ashaninka, irmão de Benke, titular da Secretaria dos Povos Indígenas do Estado do Acre, diz que a escola é uma iniciativa da própria comunidade.

"A escola foi feita a partir de uma necessidade que a comunidade pôde ver como um instrumento para ajudar a estar ampliando mais os seus projetos, discutindo com outras comunidades de índio e não índio na região do Juruá".

O secretário observa que a comunidade Ashaninka conseguiu fazer um grande trabalho dentro do seu território.

"Mas chegou um momento em que não é só o território que precisa ser cuidado. O entorno dessas comunidades precisa estar bem orientado, precisa estar de acordo com esse projeto, com essa visão, com essa preocupação com o meio ambiente e a sociedade".

Segundo Francisco Pianco, o Estado deu apoio técnico para ajudar na elaboração com o projeto arquitetônico da casa a partir da idéia da comunidade. Benke informa que a arquiteta é Dolores Viana, mulher do governador do Acre, Jorge Viana. O modelo é o da arquitetura Ashaninka, e Benke o decorador.

"A escola é uma coisa bem independente. Não é iniciativa do Estado", disse o secretário dos Povos Indígenas. "O conteúdo curricular está voltado a formar uma nova consciência e não só na sala de aula".

O conteúdo visa às práticas existentes adotadas pela comunidade apiucha, o que mais garante o presente e o futuro. Tem como foco dar uma qualidade de vida à comunidade do entorno sem perder a sua identidade e também respeitando essa diversidade, explicou.

Pianco assinala que esse "é um grande exemplo para a região por conta do processo como a comunidade apiucha vem se desenvolvendo. A idéia é tentar trabalhar isso, pegar não apenas jovens mas pessoas que conhecem um pouco o processo histórico da região e que têm uma experiência a oferecer nesses passos".

Para o secretário, o projeto visa a transferência de conhecimento para fortalecer uma população ribeirinha. "O projeto da comunidade é muito interessante do ponto de vista social da manutenção da cultura. Ele é um projeto que aponta na melhoria da qualidade de vida da população das famílias que vivem na floresta", avalia.

"Coordenar esse projeto é como uma mensagem do povo Ashaninka para o povo da região do Juruá, sobre como viver na floresta", disse Francisco Pianco. A iniciativa foi tomada também devido à procura de muitas pessoas querendo conhecer a experiência dos Ashaninka.

"Esse fluxo de entrada de pessoas para dentro da aldeia podia alterar a vida da comunidade, que resolveu criar um espaço na sede em um local estratégico e trabalhar toda a região com orientações".

No Acre temos quase 2,5 milhões de hectares divididos em 35 terras indígenas, informa Pianco.

"Os povos indígenas estão juntos tentando como garantir a sua sustentabilidade. Ninguém está pensando ainda como comercializar os recursos. Estamos pensando em enriquecer essas terras para que elas dêem as condições para a gente viver”.

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