VOLTAR

Ashaninka ensina a trabalhar a floresta"

Kaxi.com.br
12 de Out de 2007

Um povo guardião da floresta que luta pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia e contra a invasão constante de madeireiras peruanas para não destruir os ecossistemas florestais de uma das regiões de maior biodiversidade do planeta.

Assim são os índios Ashaninka, que vivem na Terra Indígena Kampa, situada ao longo do rio Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo, no extremo oeste do Acre, fazendo fronteiras com o Peru, o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Extrativista do Juruá e um assentamento do Acre.

De passagem recente por Brasília, o índio Benki Piyãko, uma das lideranças Ashaninka advertiu mais uma vez às autoridades brasileiras que seu povo já não suporta mais conviver com as constantes invasões de madereiros e traficantes peruanos, que destroem a rica biodiversidade da região e roubam madeiras valiosas que depois são exportadas pela cidade peruana de Pucalpa para o mercado internacional. Piyâko prometeu mais uma vez que, diante da ausência do estado brasileiro naquela fronteira totalmente desguarnecida, os índios vão resolver eles mesmos a questão da invasão. Ou seja, o conflito armado entre os índios e os invasores continua iminente.

A Kaxiana publica, abaixo, um artigo do próprio Benki Piyãko falando da luta de seu povo para preservar a integridade e a biodiversidade da floresta e do recém criado Centro de Formação Yorenka Ãtame - Saber da Floresta. Situado numa área de 86 hectares em frente à cidade de Marechal Thaumaturgo, o centro Yorenka se destina à formação, educação, intercâmbio e difusão de práticas de manejo sustentável dos recursos naturais da região do Alto Juruá. Leia, a seguir, o artigo de Benki, publicado originalmente no blog do Ashaninka, editado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa).

A história do Yorenka Âtame

Por Benki Piyâko (*)

Através da Associação Apiwtxa viemos informar os parceiros e amigos da Rede a proposta criada por nós, líderes do povo Ashaninka, como vemos o mundo através de nossas experiências e, no mesmo instante, colocando nosso propósito de trabalho para complementar e difundir nossas experiências com outras regiões do planeta.

A grande degradação da biodiversidade responsável pelas mudanças climáticas que vem ocorrendo na Terra nos causa preocupação.

Somos responsáveis pela minimização desses problemas que vem ocorrendo na Terra e nós indígenas estamos dando a nossa contribuição em meio a essa situação.

A longa história, sobre a preservação da natureza, contada pelos mais velhos sobre as invasões ocorridas em nossa terra, causava grande impacto pra nossa comunidade Ashaninka, da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.

Nossa terra fica situada na faixa de fronteira Brasil/Peru, sendo a principal terra Ashaninka no Brasil, reunindo 500 pessoas residindo na Aldeia Apiwtxa, fazendo limite com: o Peru, com a Reserva Extrativista (RESEX) do Alto Juruá, um assentamento do INCRA e o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD).

Essa história fez com que as lideranças representativas dessa comunidade: Benki, Moisés, Isaac, Francisco e outras lideranças mais velhas, entre homens e mulheres da comunidade, se articulassem a um modelo de manejo para a reconstrução da natureza que foi e continua sendo devastada em nossa região e do entorno, criando assim um modelo de sustentabilidade social e ambiental.

Apesar do longo contato com a sociedade ocidental, o nosso povo preservou até os dias de hoje seus conhecimentos tradicionais, contados pelos mais velhos. Esses conhecimentos apresentam uma cultura milenar, sábia e rica que é repassada de geração a geração. Ao longo dos últimos quinze anos, nosso povo se tornou um exemplo de sustentabilidade social e ambiental para a região amazônica. As ações desenvolvidas por nós também serviram de fonte de inspiração para o governo do estado do Acre que, desde 1998, se denomina de "Governo da Floresta" e fez do desenvolvimento sustentável seu modelo estratégico de trabalho com a população indígena e não-indígena do Estado do Acre.

O nosso território, assim como toda região, passou e continua passando por grandes invasões predatórias, ocasionadas por madeireiros peruanos e caçadores de animais silvestres, que vêm de diversos lugares do entorno.

Diante desse constante fato, o nosso povo se organizou internamente para defesa do nosso território, no sentido de fortalecer a identidade cultural e étnica do nosso povo, com objetivo de mostrar uma nova forma de equilíbrio sustentável em relação aos nossos recursos naturais, ampliando tais conhecimentos para outras etnias e servindo de modelo a nível nacional e internacional.

Desde 1989, nós, Ashaninka, criamos o primeiro Sistema de Recuperação de nosso território, utilizando as práticas de manejo sustentável.

Em 1992, ano da demarcação de nossa terra, criamos um projeto de pesquisa onde analisamos a riqueza de nosso território com o objetivo de criar alternativas de sustentabilidade econômica e ambiental visando a autonomia do povo Ashaninka e da região.

No âmbito do Centro de Pesquisa Indígena, com a centralização de um pequeno espaço isolado, começamos efetivamente o reflorestamento de nossa região, na qual foram plantadas mais de 80 mil mudas com uma diversidade de 146 espécies de árvores frutíferas e madeiras de leis, onde se pode em um ano tirar mais de 50 toneladas de alimentos para a comunidade.

Dentro desse trabalho de Sistemas Agroflorestais foi consorciada uma diversidade de espécies tais como apicultura, manejo de peixes em rios e lagos, além do manejo da fauna e flora.

Nossa luta em defesa do nosso território trouxe hoje uma nova reflexão para ampliar o conhecimento desse equilíbrio sustentável, mobilizando seminários e encontros nacionais e internacionais com outros parentes indígenas para defender o nosso território de onde tiramos nosso alimento e toda nossa sustentabilidade.

A necessidade de difundir este conhecimento acumulado pela comunidade Apiwtxa para a população da região, que inclui uma Reserva Extrativista, um Parque Nacional e outras terras indígenas, levou à criação de um projeto idealizado por Benki Piyanko, a partir de sua experiência como Secretário do Meio Ambiente do Município de Marechal Taumaturgo.

Esse projeto foi elaborado pelas lideranças da comunidade e chamado Centro de Formação Yorenka Ãtame - Saber da Floresta.

Com o apoio financeiro de alguns parceiros a comunidade Apiwtxa adquiriu uma área de 86 hectares em frente à sede do município de Marechal Thaumaturgo, onde está montada a estrutura física do Centro de Formação.

O projeto "Centro de Formação Yorenka Ãtame (Saber da Floresta)" foi inaugurado em julho de 2007. Ele é a continuação, fortalecimento e ampliação da longa luta do nosso povo para a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da região do Alto Juruá, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta.

Fruto da rica experiência do nosso povo com a sustentabilidade, o Yorenka Ãtame (Saber da Floresta) funciona como um centro de formação, educação, intercâmbio e difusão de práticas de manejo sustentável dos recursos naturais da região do Alto Juruá.

Estamos apresentando um projeto do espaço Yorenka Ãtame, como uma oportunidade para a população do rio Juruá poder ver os modelos de uso dos recursos naturais de forma mais prática e técnica.

Esse projeto também é para fortalecer os conhecimentos tradicionais, para que a população tenha uma nova visão sobre a floresta. Esta visão é saber como usar os recursos naturais sem agredir o meio ambiente e a natureza, de forma que esse saber possa ser reconhecido como ciência de conhecimentos práticos, recuperando terras, florestas e animais, cuidando da biodiversidade em geral.

Para isso, vamos disseminar novos conhecimentos na área da sustentabilidade e formar jovens e adultos para trabalharem uma nova forma de manejo da floresta, manejo dos recursos naturais.

Vamos fazer manejo de fauna, de quelônio para repovoação, manejo de rios e lagos com espécies de peixes que vivem na região, manejo de abelhas nativas. manejo de sementes e também recuperação da floresta com plantios de frutíferas, restaurando áreas degradadas, manejo de espécies de madeira, sobretudo protegendo as águas de nossos rios e igarapés e diversos outros trabalhos, assim como estudar as leis ambientais.

Com isso visamos o nosso futuro e o futuro de novas gerações.

O Centro Yorenka Ãtame também está aberto para pessoas de outras instituições para seminários, intercâmbios, oficinas com projetos de educação, cultura, meio ambiente.

(*) Benki Piyãko, Vice-Presidente da Associação Apiwtxa e Coordenador do Centro Yorenka Ãtame - Saber da Floresta

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.