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Arsenal escondido

CB, Brasil, p.12
13 de Jun de 2004

Arsenal escondido
Polícia Federal quer desarmar índios xakriabás. Estima-se que eles possuam cerca de 500 armas de fogo, o que tem contribuído, junto com a miséria, para o aumento da violência nas aldeias

Alessandra Mello
Do Estado de Minas

Na contramão da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, a maior etnia indígena de Minas Gerais está se armando. A Polícia Federal estima a existência de aproximadamente 500 armas de fogo na reserva dos índios xacriabás, localizada no município de São João das Missões, a 663 km de Belo Horizonte, no Norte de Minas. A PF deu um prazo até o fim deste mês para que os índios entreguem espontaneamente as armas. Caso isso não aconteça será realizada uma operação de desarmamento na reserva, segundo informou a delegada Josélia Braga da Cruz, chefe da Polícia Federal de Montes Claros. As armas que entram clandestinamente na reserva são adquiridas pelos índios que saem para trabalhar em lavouras em São Paulo e em garimpos no Mato Grosso do Sul.
A combinação de armas-usadas para defesa pessoal-e miséria é responsável pelo aumento da violência na reserva. A maioria das mortes registradas ano passado pela Polícia Militar na reserva foi causada por armas de fogo. Desde abril do ano passado, seis índios foram assassinados. Na cidade de Missões, o último homicídio aconteceu há três anos. A Polícia Militar também já registrou na reserva 18 ocorrências envolvendo ameaças de morte, tentativas de assassinato, lesão corporal, além de oito casos de roubo e furto.
Mas esses números podem ¡ ser maiores porque muitos crimes não chegam ao conhecimento das Polícia Militar, nem da Civil, porque as duas corporações não têm autoridade para entrar na reserva, uma área federal. Os xacriabás representam 70% da população de São João das Missões e ocupam 78,7% da área total do município.
A delegada Josélia Braga alega que só pode atuar em disputas entre etnias, conflitos envolvendo a posse de terras e ataques contra a reserva. "índio contra índio é competência estadual", alega a delegada. Segundo ela, o desarmamento na aldeia terá de ser feito com a participação e autorização do Ministério Público e da Justiça Federal. "Vencendo o prazo para entrega espontânea das armas vamos agir prontamente, pois os números de homicídios e os casos de violência na reserva são preocupantes."
Sem autorização
0 soldado Sancho Ferreira dos Santos, 30 anos, afirma que a PM não consegue nem mesmo cumprir alguns mandatos de busca e apreensão envolvendo índios, já que não pode entrar na reserva sem ser chamada pelos índios. "Não temos autoridade para entrar lá, e mesmo que tivéssemos não tinha jeito porque não temos viatura." De acordo com ele, a maioria absoluta das ocorrências graves e de destaque registradas pela PM envolvem a reserva. "Na cidade, nós praticamente só atendemos casos de arruaça e briga", afirma o soldado Sandro Ferreira dos santos, de 30 anos.
Na semana passada, um delegado da PF, Marcelo Freitas, e dois agentes federais estiveram na reserva para reprimir o porte de armas. A polícia foi chamada pelo chefe do posto da Fundação Nacional do índio (Funai) , João Batista Carvalho. Sozinho, ele toma conta de toda a reserva, que tem uma área total de 530 quilômetros quadrados e abriga 6.495 índios distribuídos em 27 aldeias.
Carvalho já pediu ajuda também à Polícia Civil de Manga, município vizinho, e ao 30o Batalhão da PM, em Januária, mas não obteve sucesso. Em Missões, não tem delegacia de Polícia. Só existe um destacamento da Polícia Militar, com três policiais, que não possui nem mesmo uma viatura para atender as ocorrências registradas na reserva, que fica a 22 quilômetros da cidade.
Há três meses, a viatura da PM está quebrada. Mesmo quando ainda rodava, ela não tinha condições de circular dentro da reserva, pois as estradas são de terra e em algumas só é possível transitar com veículos de tração nas quatro rodas. "A situação de segurança aqui está crítica, mas ninguém quer assumir a responsabilidade. Eu, sozinho, não tenho como resolver esse problema e vigiar quase sete mil índios", reclama João Batista, que roda na reserva com uma velha caminhonete. O veículo passa mais tempo na oficina do que na estrada. De acordo com ele, os agentes federais que estiveram lá não puderam ficar mais tempo, pois além do efetivo da delegacia regional em Montes Claros ser reduzido, são apenas 15 policiais e a Polícia Federal está sem recursos.
Mais policiamento
O líder das aldeias Riacho e Pedra Redonda, Emílio Lopes de Oliveira, 53 anos, disse que os índios querem a presença permanente da polícia dentro da reserva para coibir os casos de violência. Segundo ele, nos finais de semana e durante as festas, os índios andam ostensivamente portando suas armas tanto na reserva quanto na cidade. A presença recente da PF na reserva inibiu essa prática, mas ele acredita que se nenhuma providência for tomada a situação pode piorar.
A entrada clandestina de armas de fogo na reserva indígena é uma das maiores preocupações dos líderes dos xacriabás, que estão elaborando uma relação dos donos do material para ser entregue às autoridades. Esse foi um dos principais assuntos abordados durante uma audiência pública realizada recentemente na reserva. Além do desarmamento, os líderes das aldeias querem a instalação de um posto policial no local. Em outubro do ano passado, eles enviaram uma carta ao Ministério Público Federal relatando a questão da falta de segurança dentro da reserva.
0 secretário-geral da Prefeitura de Missões, José Carlos do Nascimento, disse que a prefeitura não pode fazer nada, pois a reserva é uma área federal, por isso a atuação das polícias Civil e Militar é limitada. "Qualquer tipo de ação dentro da reserva tem de ter uma autorização específica da justiça."
Para procurador do Ministério Público Federal em Minas Gerais, Adailton José Ramos do Nascimento, a situação de segurança dentro da aldeia é "grave e preocupante". Segundo ele, a miséria que toma conta da aldeia, agravada pela falta de água por causa da seca que atinge a região, aliada à falta de meios de sustentação, "vem transformando a reserva em palco de violência", com registro inclusive de casos de suicídio. (AM)

CB, 13/06/2004, Brasil, p. 12

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