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Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira: avanços e desafios

OECO - http://www.oecoamazonia.com
Autor: Mariana Vedoveto
26 de Mai de 2011

A ocupação da floresta amazônica, região que abriga biodiversidade estimada em milhões de espécies vegetais e animais, muitas delas endêmicas, tem sido pautada no desmatamento, degradação dos recursos naturais e conflitos sociais. A implementação de um modelo de desenvolvimento que congregue crescimento econômico, qualidade de vida e conservação dos recursos naturais é urgente. Nesse contexto, as Áreas Protegidas desempenham importante papel. Além de garantirem o ordenamento territorial, asseguram a integridade dos ecossistemas e serviços ambientais e garantem o direito de permanência e a cultura de populações tradicionais e povos indígenas.

O tema Áreas Protegidas, entretanto, é geralmente controverso. Alguns ainda acreditam que essas áreas emperram o desenvolvimento e inutilizam inúmeros hectares. Contudo, sua função é indiscutível e tem ganhado espaço. Nos últimos sete anos (2003 a 2010), foram criados 47,3% das Unidades de Conservação (UCs) existentes na região. Atualmente, as áreas protegidas abrigam 43,9% do território amazônico, ou seja, 25,8% do Brasil.

Em razão da sua irrefutável importância, as áreas protegidas são tema da mais recente publicação organizada pelos parceiros Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e ISA (Instituto Socioambiental): Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira: avanços e desafios. A ideia nasceu em 2010 com o objetivo de divulgar a importância dessas áreas para a Amazônia legal e sua situação segundo alguns importantes aspectos: criação, área ocupada, gestão e ameaças.

Histórico de criação

Até 1985, apenas 10% das UCs hoje existentes haviam sido criadas. Entre 1990 e 1994, houve um aumento expressivo na criação de Unidades estaduais, especialmente em Rondônia. De 1999 a 2002, a criação de Unidades de Conservação federais é retomada por uma estratégia do Governo Federal interessada em ampliar as Áreas Protegidas na Amazônia. Tal estratégia objetivou atender às metas de conservação assumidas pelo Brasil no âmbito da Convenção de Diversidade Biológica (CDB). Ao final desse período, as UCs somavam 646 mil km².

Em termos de área, a maior quantidade de UCs - tanto federais quanto estaduais - foi criada entre 2003 e 2006. Nesses anos foram estabelecidos 40% das UCs verificadas em 2010. O governo federal protegeu mais de 200 mil km² em UCs, enquanto os governos estaduais somaram aproximadamente 287 mil km². Esse boom na criação de UCs teve três principais razões: ordenamento do território e combate ao desmatamento ilegal; proteção de regiões com alto valor biológico; e atendimento às demandas das populações tradicionais (especialmente Resex e RDS) e de produção florestal sustentável (Flonas e Flotas). O apoio de programas como o Arpa e de organizações ambientalistas e sociais com atuação na região foi fundamental. Nos anos seguintes, a criação de UCs diminuiu o ritmo e somou modestos 91 mil km².

Durante a era Sarney, de 1985 a 1990, foram homologadas 53 Terras Indígenas (TIs). Os anos 1988, 89 e 1990 foram marcados por muitos retrocessos que geraram grande insegurança com relação à efetividade dos direitos indígenas. O governo Fernando Collor de Mello marca o início de aplicação da Constituição Federal de 1988 no Brasil. Collor homologou 75 TIs na Amazônia Legal. Fernando Henrique Cardoso promoveu a maior expansão de TIs na Amazônia Legal. Foram homologadas 103 TIs, que somam 410.430 km². Tal resultado deve-se principalmente ao Projeto Integrado de Proteção das Terras Indígenas na Amazônia Legal (PPTAL). O governo Lula, em seus 8 anos de mandato, homologou 63 TIs e foi marcado por uma redução acentuada no reconhecimento dessas terras na Amazônia.

Área ocupada e distribuição
Em dezembro de 2010, as Áreas Protegidas na Amazônia Legal somavam 2.197.485 km2, ou 43,9% da região, ou ainda 25,8% do território brasileiro. Desse total, as Unidades de Conservação (federais e estaduais) correspondiam a 22,2% do território amazônico enquanto as Terras Indígenas homologadas, declaradas e identificadas abrangiam 21,7%.

Na Amazônia brasileira há 414 TIs. Seu objetivo é proteger a imensa diversidade sociocultural da região e o conhecimento tradicional acumulado pelos povos indígenas. Aproximadamente 15% delas estão em processo de identificação. As terras homologadas correspondem a 74% (308 TIs). Ainda vale destacar que há retrocessos no procedimento de reconhecimento. Em área, a soma das TIs homologadas abrange pouco mais de 1.023.215 km², ou seja, 94% da área atualmente ocupada pelas TIs na Amazônia Legal.

As UCs somam 307 territórios, 196 de Uso Sustentável e 111 de Proteção Integral. As Unidades Federais contabilizam 610 mil km², sendo 314 mil km² de Proteção Integral e 296 mil km² de Uso Sustentável. As Unidades Estaduais somam 564 mil km²: 130 mil km² de Proteção Integral e 434 mil km² de Uso Sustentável.

O Estado do Amazonas possui a maior extensão de Áreas Protegidas na Amazônia, (799 mil km²), seguido pelo Pará (686 mil km²). Em termos relativos, o Amapá possui a maior proporção de Áreas Protegidas (70,4% do seu território), seguido por Roraima (58,2%) e Pará (55%). Por outro lado, o estado do Mato Grosso (19,8 %) e Tocantins (21,4%) abrigam as menores proporções.

Gestão das Unidades de Conservação e Terras Indígenas: vivas no papel?

O principal instrumento de gestão para todas as categorias de UCs é o plano de manejo. Para que os objetivos de conservação sejam alcançados, todos os planos de manejo devem considerar um enfoque ecossistêmico, viabilizar a participação social e ser contínuos e adaptativos. Os processos participativos promovem um ambiente de confiança e legitimidade, sobretudo pela criação e atuação do conselho gestor da UC. Os conselhos gestores, consultivos ou deliberativos, além de uma exigência no SNUC, viabilizam a participação e controle social legítimo e articulado.

Do total UCs, apenas 24% possuem planos de manejo aprovados; 1% tem planos em fase de revisão; 20% estão em fase de elaboração, e 50% sequer iniciaram seu planejamento e elaboração. Os 5% restantes referem-se a instrumentos de gestão com propósito específico, como, por exemplo, planos de ação emergencial ou planos de utilização em UCs de Uso Sustentável. Com relação aos conselhos gestores, 147 (48%) UCs possuem conselhos estabelecidos; outras 21 (7%) apresentam conselho em formação; e o restante (45%) ainda não possui conselho gestor.

Embora não haja consenso sobre o número ideal de funcionários para cada UC, pois as demandas de gestão e as pressões externas variam com o tamanho da área, localização, categoria, entre outros fatores, a média verificada (2 funcionários por UC) ainda é muito baixa. Na Amazônia Legal, cada funcionário é responsável por, em média, 1.871 km², o que difere conforme o estado e o grupo da Unidade.

Com o objetivo de efetivar a participação indígena nas políticas de gestão, manejo e proteção de seus territórios, diversas reformas e programas vêm sendo implantados na esfera ministerial, no exercício de cooperação internacional e entre organizações parceiras. Em 2006, criou-se a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), com a tarefa de articular as ações estatais em defesa dos direitos indígenas e superar definitivamente o seu papel tutelar. Em 2008, no âmbito do MMA, aprovou- se a Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), orientada à implantação de ações de apoio aos povos indígenas na gestão e manejo sustentável dos recursos naturais de suas terras legalmente reconhecidas.

No final de 2009, o governo Lula anunciou um amplo plano de reestruturação da Funai, que promete oferecer maior capacidade de atuação nas áreas habitadas pelos povos indígenas. Diversos outros programas de fomento e apoio à gestão e proteção territorial, como, por exemplo, o GEF Indígena e a Carteira Indígena, também foram criados nos últimos anos. De todas as maneiras, as políticas de gestão, manejo e proteção de TIs devem partir do protagonismo dos povos indígenas e garantir a posse e o usufruto sustentável das terras demarcadas, o que ainda ocorre de modo incipiente.

Alguns avanços e mudanças estruturais do SNUC

Em 2010, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) completou 10 anos. Instituído pela Lei no 9.985/2000, o SNUC definiu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das UCs. Os principais avanços normativos e estruturais ocorridos entre 2007 e 2010 ocorreram principalmente com relação à gestão, regularização fundiária e manejo de recursos na esfera federal.

Entre os principais avanços e atos de regulamentação estão: criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); autorização de estudos do potencial de aproveitamento de energia hidráulica no interior de UCs; aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas e instituição do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) na estrutura do MMA; medidas de fomento ao turismo nas UCs; 19 CDRU (concessão de direito real de uso) celebrados entre CMBio e comunidades e entre Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e MMA/ICMBio ou Incra/ ICMBio; entre outros.

Ameaças iminentes: avançar ou retroceder?

A região amazônica tem riquezas superlativas com valor crescente na economia. Suas riquezas incluem os produtos da biodiversidade, o extenso potencial hidrelétrico dos seus rios e os ricos depósitos minerais. Essa condição atrai os mais variados interesses e põe em risco a integridade dos seus ecossistemas e diversidade socioambiental.

Nesse sentido, as Áreas Protegidas, apesar de instituídas por lei, ainda sofrem constantes ameaças à sua consolidação. A criação de UCs e o reconhecimento de TIs nem sempre são acompanhados por ações necessárias à sua consolidação territorial, o que explica parte do desmatamento pós-criação. Do total de áreas florestadas no interior das Áreas Protegidas, foi registrado o corte de 25.739 km², ou seja, 3,5% de todo desmatamento ocorrido na região até dezembro de 2010. Metade de todo desmatamento ocorrido em Áreas Protegidas (12,2 mil km²) se concentrou na última década, ou seja, entre 1998 e 2009. Além disso, uma vasta rede de estradas ilegais avança sobre essas áreas, especialmente sobre as UCs de Uso Sustentável, onde há 17,7 km de estradas a cada 1.000 km² sob proteção. Boa parte dessas vias está associada à exploração madeireira ilegal, principalmente no Pará e Mato Grosso.

Além disso, entre agosto de 2007 e julho de 2008, aproximadamente 521 km2 (14% do total) da área afetada pela exploração madeireira ilegal do estado do Pará ocorreu em Áreas Protegidas. No ano seguinte, essa área caiu para 61 km2 (6% do total afetado). No Mato Grosso, essa área aumentou de 2% (24,59 km2) em 2008 para 7% (80,65 km2) em 2009. Ainda vale lembrar que 1.338 títulos minerários foram outorgados sobre Áreas Protegidas, enquanto outros 10.348 aguardam autorização.

As ameaças formais também são evidentes. Em 2010, foram listadas 37 propostas formais para alterar 48 Áreas Protegidas da Amazônia: 25 UCs esta- duais, 16 UCs federais e 7 TIs. A maioria (68%) das iniciativas ocorreu entre 2005 e 2010. Dos casos concluídos, 7% resultaram na manutenção do tamanho original das Áreas Protegidas (114 mil km²), enquanto 93% resultaram em sua supressão (perda da proteção legal), num total de 49,5 mil km².

Assim, apesar dos avanços na criação, os indicadores de gestão e pressão apontam que o grande desafio é investir na implementação e consolidação das Áreas Protegidas. A publicação aponta as seguintes recomendações prioritárias: coibir usos e ocupações irregulares; ampliar as fontes de financiamento e assegurar mecanismos para a transferência efetiva dos recursos às Áreas Protegidas; garantir a proteção legal, evitando medidas de desafetação indevidas; aprimorar a gestão pública, alocando mais gestores qualificados para atuação direta em campo; ampliar e fortalecer os conselhos gestores nas UCs e garantir a participação da população nas TIs; e concluir o processo de reconhecimento das TIs.

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