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Áreas degradadas têm novos anfíbios

FSP, Ciência, p. C11
25 de Dez de 2010

Áreas degradadas têm novos anfíbios
Cientistas encontraram novas espécies em "ilhas" que concentram o que sobrou de vegetação da mata atlântica
Bichos têm papel ecológico importante no controle de insetos; também representam promessa nos fármacos

Reinaldo José Lopes

Antonio de Pádua Almeida, do Projeto Tamar, nem tenta ser diplomático ao falar da região onde ele e seus colegas identificaram duas novas espécies de anfíbios.
"Chamar a área de degradada é pouco. Os cenários são desoladores. Quilômetros de pastagem sem uma única árvore", afirma ele, referindo-se a um trecho da zona rural de Mucurici (ES).
Mesmo assim, Almeida e dois outros pesquisadores conseguiram identificar o Sphaenorhynchus botocudo e o Sphaenorhynchus mirim, ambos cantando na vegetação de uma lagoa.
Especialistas em anfíbios andam mostrando que o município capixaba não é exceção. Embora a mata atlântica tenha sido reduzida a apenas 7% de sua área original, sendo oficialmente o bioma mais sofrido do país, as descobertas de novas espécies continuam acontecendo nos lugares mais improváveis e até têm se intensificado.
Um dos levantamentos mais recentes, divulgado em março deste ano pela Sociedade Brasileira de Herpetologia (que reúne especialistas em anfíbios e répteis), mostra que o país pulou de 751 espécies de anfíbios para 875 espécies de 2004 para cá.
O Brasil já é o campeão mundial de diversidade do grupo. Centenas desses bichos são endêmicos da mata atlântica. Isso significa que eles só existem ali, e em nenhum outro lugar do mundo.

NO LIMITE

Os sapinhos do gênero Brachycephalus talvez sejam um dos exemplos mais emblemáticos do endemismo que ainda caracteriza a mata.
Uma equipe integrada pelo biólogo Célio Haddad, do Departamento de Zoologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, descreveu recentemente o Brachycephalus pitanga, de pouco mais de um centímetro e caracterizado pela cor vermelho-alaranjada da fruta de mesmo nome.
Haddad e colegas, aliás, já estão com outra espécie nova do gênero na manga.
O especialista explica por que a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) está financiando o estudo dos bichinhos: eles ajudam a entender como surgem as espécies de anfíbios em ambientes de altitude elevada.
"Várias espécies de Brachycephalus vêm sofrendo perdas de habitat por desmatamento e deverão enfrentar sérios problemas com as mudanças climáticas", explica ele. É comum que eles estejam restritos a áreas com elevação entre 900 m e 1.100 m, associadas a matas nebulares nas quais nuvens baixas e bruma recobrem a floresta com sequência.
Para esses bichos, é como se cada pico fosse uma ilha, que isolou as populações deles no passado (já que, em ambientes mais baixos e sem nuvens, eles não sobreviveriam) e levou ao surgimento de novas espécies.
"O aumento de temperatura, previsto para as próximas décadas, deverá empurrar as nuvens para cima. Em diversos locais, particularmente na região Sul do Brasil, a previsão é que as matas nebulares desapareçam, e com elas desaparecerão as espécies endêmicas de Brachycephalus", diz Haddad.
Se o sumiço se confirmar, perdem-se, entre outras coisas, alguns dos poucos anfíbios que trocam a noite pelo dia. Mais de 90% das espécies desses bichos são noturnas, porque precisam conservar a umidade da pele, que os ajuda na respiração debaixo da luz solar, a pele resseca mais fácil.
Mas, como os sapinhos Brachycephalus vivem num ambiente super-úmido, podem se dar ao luxo de ter hábitos diurnos, em meio a folhas caídas no chão da floresta ou na beira de riachos.
Ninguém sabe muito bem para que servem as estranhas ossificações na pele dos sapinhos. "Alguns falam em proteção, mas isso não foi demonstrado. Elas são comuns em espécies miniaturizadas, mas também ocorrem no sapo-intanha, que chega a 20 cm. Ou seja, essas estruturas ósseas na pele estão aparecendo nos extremos de tamanho", diz Haddad.
O declínio de anfíbios, um fenômeno mundial, tem causas múltiplas. Além da perda de habitat e das mudanças climáticas, os bichos são particularmente vulneráveis a doenças infecciosas e também à poluição excessiva.
Esses bichos desempenham papel ecológico importante, controlando a população de insetos. E representam uma promessa biomédica também, explica Haddad.

Perda de habitat deixa anfíbios mais vulneráveis a doenças

O aquecimento global, em especial em sua faceta elevadora do nível do mar, também seria um problema para outra espécie descoberta pelo biólogo da Unesp e seus colegas. Isso se não fosse pelo fato de que só a perda de habitat já a deixou com a corda no pescoço antes de os oceanos avançarem.
Trata-se do Aparasphenodon arapapa, da Bahia, bicho de uns 6 cm típico de restingas árboreas. A vegetação, formada por bromélias e palmeiras que crescem em terreno arenoso, é a vítima número um da especulação imobiliária praiana em várias partes do país.
"As restingas, ou o que sobrou delas, necessitam de melhor amostragem. Estão muito degradadas, mas são ricas em diversidade e apresentam várias espécies endêmicas. Recentemente foi descoberta uma espécie nova da família Bufonidae, a dos sapos, de uma restinga no Espírito Santo, que parece não pertencer a nenhum gênero conhecido", diz Haddad.
A associação da nova espécie com bromélias é típica de outros bichos do gênero, a julgar por sua anatomia. "Espécies de Aparasphenodon são conhecidas por usarem um escudo ósseo rijo que possuem na parte superior da cabeça para fechar a entrada de tocas, que geralmente são os miolos de bromélias. A maioria dos predadores tem dificuldade em acessar as partes moles e vulneráveis do corpo do anfíbio, que fica protegido", explica.
Outras áreas muito degradadas da grande região da mata atlântica, como a floresta de araucárias dos Estados da região Sul, também têm revelado novas espécies.
Os pesquisadores usam uma combinação de dados da morfologia dos bichos, de diferenças em seus cantos (cruciais para o acasalamento e, por isso, diferentes de espécie para espécie) e até de seu DNA para concluir que um animal coletado é de um tipo antes desconhecido.
Em alguns casos, descobre-se que exemplares coletados há décadas e estocados em museus são, na verdade, de espécies diferentes.
"Essas espécies possuem princípios bioativos na pele, que não foram bem estudados e que poderão ter aplicação no desenvolvimento de fármacos", diz o biólogo.
"Assim, na perda dessa biodiversidade, poderemos estar perdendo também uma série de medicamentos para doenças hoje incuráveis", conclui. (RJL)

FSP, 25/12/2010, Ciência, p. C11

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2512201001.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2512201002.htm

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