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Área pioneira em biodiesel vai para reforma agrária

FSP, Agrofolha, p. B12
10 de Nov de 2009

Área pioneira em biodiesel vai para reforma agrária
Após fracasso do projeto de produzir biocombustível a partir da mamona, fazenda no interior do Piauí deve ser repassada ao Incra

Eduardo Scolese
Eduardo Rodrigues
Da sucursal de Brasília

Há quatro anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propagandeou como modelo do futuro dos biocombustíveis um projeto encravado no semiárido piauiense. Hoje, com o fracasso do plano de produção de biodiesel a partir da mamona, em parte pela produtividade baixa, o governo vai usar as terras para a reforma agrária.
No local, no município de Canto do Buriti (470 km de Teresina), trabalhadores estão à míngua, sem renda e trabalho, e agora o governo do Estado corre para que a empresa lhe devolva a área e essa possa ser repassada em definitivo ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A área tem 17 mil hectares, o equivalente a 110 vezes o parque Ibirapuera, em São Paulo. Foi visitada por Lula em agosto de 2005. Na ocasião, o presidente discursou para agricultores familiares da Fazenda Santa Clara, da empresa Brasil Ecodiesel, responsável pelo projeto. Até chorou quando citou a mãe como exemplo de persistência dos nordestinos.
Mas, apesar do sucesso da primeira safra, comemorada pelo presidente, a queda da produção nos anos seguintes praticamente paralisou a operação da usina de biodiesel da companhia, na também piauiense Floriano. Atolada em dívidas, a empresa deixou de investir na mamona e liberou os agricultores para plantarem somente feijão em 2009.
Para não abandonar por completo a fábrica, a solução foi usar a soja da região para a fabricação do combustível, em apenas alguns meses do ano. "A usina foi fabricada prevendo o uso da mamona, mas hoje é inviável porque o óleo da mamona chega a ser mais caro que o próprio biodiesel", afirma o diretor de Relação com Investidores da Brasil Ecodiesel, Charles Mann de Toledo.
Enquanto o faturamento da usina em Floriano chegou a R$ 13,376 milhões no terceiro trimestre de 2008, nos últimos seis meses as vendas não passaram de R$ 605 mil. Com a reestruturação financeira da empresa, com dois aumentos de capital neste ano e a posse de uma nova diretoria, a fábrica corre o risco de ser definitivamente fechada até o fim do ano.
"Estamos concluindo o planejamento estratégico e, se for o caso, optaremos pelo fechamento", diz o diretor presidente da empresa, Mauro Cerchiari. Apesar de argumentar que o fim da usina não necessariamente significa inviabilizar de vez a Santa Clara, ele confirma que os gastos com educação, saúde e transporte dos agricultores do núcleo pesam no orçamento da empresa, que ainda paga R$ 160 mensais a cada família mais uma cesta básica.
"Existe um problema e o governo se mostrou disposto a ajudar. Pode ser por reforma agrária ou podemos chegar a um acordo para a liberação antecipada das terras, que dentro de mais cinco anos já passariam aos moradores", diz Cerchiari.
Mas a Folha apurou que, diante do fracasso do projeto, a empresa aceitou devolver a área ao Estado. Agora o Instituto de Terra do Piauí prepara a transferência da área em definitivo à União. O texto será encaminhado pelo governador Wellington Dias (PT) à Assembleia Legislativa para que tramite em regime de urgência.
A Petrobras também entrou na jogada para amenizar o estrago. Quem está à frente dessa operação panos quentes é o ex-ministro da reforma agrária Miguel Rossetto, hoje presidente do braço da estatal para biocombustíveis.
A ideia é usar a mamona não mais como fonte de energia renovável e sim para a produção de cosméticos, por exemplo. Já o Incra planeja a produção de frutas na Santa Clara, como manga, caju e melancia.
Todos têm pressa: a Brasil Ecodiesel se livra de um problema, o governo do Piauí repassa ao Incra a responsabilidade por essas 600 famílias, a Petrobras evita a criação de um novo bolsão de miséria e o Incra aproveita uma área com infraestrutura básica montada (água, luz, energia e moradia).
Assim que a Assembleia do Piauí autorizar a entrega da área ao governo federal, o Incra fará a seleção das famílias e um plano de assentamento. Uma estimativa do órgão é que de 6% a 8% das famílias não possuem aptidão para o trabalho rural, ou seja, podem não ser incluídas na divisão dos lotes.
"Temos pressa porque o objetivo inicial [com o biodiesel] era melhorar a renda dessas famílias", diz Luís Ribeiro, diretor-geral do Interpi (Instituto de Terras do Piauí).

Agronegócio domina a produção

Da sucursal de Brasília

Desde o início do programa, o agronegócio domina o biodiesel. Plantadores de soja e frigoríficos são os fornecedores de 95% da matéria-prima.
Na média dos últimos 11 meses, de acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), a soja ficou com 79% e o sebo, com 16%.
Em terceiro lugar, com menos de 3%, aparece o óleo de girassol. A mamona, carro-chefe da publicidade oficial, não aparece.
Ricardo Dornelles, Diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, diz que alguns fatores contribuíram para que a mamona não tivesse o desempenho esperado, como baixa produtividade e falta de cultura de associativismo no Nordeste.
Para Fábio Trigueirinho, diretor-executivo da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), a liderança da soja aconteceu porque o produto já tinha um patamar alto de produtividade, por conta de pesquisas feitas há vários anos.

FSP, 10/11/2009, Agrofolha, p. B12

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