VOLTAR

Área indígena contínua é um desrespeito às diferenças

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
Autor: Anísio Pedrosa Filho
12 de Dez de 2002

A constituição de 1998 abriu uma possibilidade clara no sentido de apoiar a demarcação de áreas tradicionalmente ocupadas pelos índios. Esperava-se assim frear o processo de ocupação do espaço indígenas e resgatar aqueles espaços necessários à continuidade da vida nas malocas segundo seus costumes. Tudo perfeito segundo as etnias que estavam sem áreas físicas para ocupar e para as que ainda, isoladas, demandavam ações emergentes para evitar possíveis invasões. Em Roraima a constituição apontava para uma demarcação tranqüila garantindo o espaço e o resgate da cultura e da dignidade dos índios.

Esperava-se que a demarcação considerasse o respeito à realidade dos índios dos lavrados de Roraima, que em sua maioria mantêm relações seculares com não índios, que foram os responsáveis pela conquista desse território para o Brasil. Essa realidade faz com que a música preferida destes índios seja o forró nordestino, com pitadas de jiquitaia, o esporte seja o futebol, com a garra indígena.

Desta forma, as vilas, as estradas do lavrado, os municípios do Uiramutã, Pacaraima, Amajari, Normandia e Bonfim tornam-se parte da forma de viver dos índios que habitam, votam, estudam, comercializam, transitam e possuem residências nas áreas urbanas e entorno dessas cidades. Boa Vista é a maior maloca de Roraima.
É inquestionável que essas constatações fossem consideradas nos laudos antropológicos que iniciam o processo de criação ou ampliação de áreas indígenas no lavrado de Roraima. Mas não é assim, antropólogos alheios a essa realidade, aqui aportam e incluem vilas, sedes de municípios, estradas parques nacionais, fazendas produtivas e etnias indígenas no mesmo balaio chamado de área única, ou área contínua.

As áreas contínuas são um desrespeito ao interesse dos índios dos lavrados. Elas pressupõem que os índios são todos iguais, que não há diferenças entre as regiões, que não há relações amigáveis com os não índios e ainda que a idéia de uma federação que divide o país politicamente em áreas municipais não tem validade alguma.

Na chamada terra indígena São Marcos que abrange os municípios de Boa Vista e Pacaraima, principalmente, a inclusão da então Vila de Pacaraima e de três etnias diferentes numa mesma terra indígena é fonte de conflitos os mais diversos. O reconhecimento desses conflitos já é visto com a separação informal da área em baixo e médio São Marcos e região da Serra, em Pacaraima. O próprio nome de um santo dos não índios não seria uma incoerência para uma Terra Indígena?

A chamada Terra indígena Yanomami é outra ficção. Não tem só yanomami lá dentro. Tem também outras etnias que precisam ser respeitadas. Mas, aos criadores dessa ficção não interessa respeitar os interesses dos índios. Os índios não fazem idéia do que motiva essa criação de grandes áreas em seu nome.

A área Raposa- Serra do Sol também traz a mesma contradição. É necessário respeito à diferentes etnias, regiões e relações que existem dentro de tão imenso território. Os Ingaricó da Serra do Sol não são iguais aos macuxi e wapixanas da Raposa, ou do Uiramutã, que também são diferentes em seus costumes, anseios e relações sociais.

A demarcação da área Raposa- Serra do Sol em forma de blocos, considerando as diferenças e os interesses existentes em área tão imensa, seria a forma mais adequada de se chegar a um termo que satisfizesse índios, não índios no Estado. Isso demandaria uma reforma do laudo antropológico que aponta para uma área única, como também o exercício do diálogo essencial entre índios, não índios e Estado, promovendo-se uma forma consensual de agir.

Dessa forma se desarmaria uma bomba- relógio que é criada sob o manto das chamadas áreas contínuas, que geram conflitos intermináveis entre os próprios índios e também destes com os não índios.

A homologação da área Raposa- Serra do Sol em área contínua só interessa aos que querem manter os índios em permanente conflito e em um Estado de isolamento que os remete à um futuro sombrio quanto ao usufruto dos avanços sociais e econômicos da humanidade.

Anísio Pedrosa Filho é presidente da ALIDCIR- Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima e índio Macuxi.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.