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Aquecimento produzirá novos Katrinas

FSP, Ciência, p. A20
Autor: ANGELO, Claudio
16 de Set de 2005

Aquecimento produzirá novos Katrinas
Dados globais de satélite mostram tendência ao aumento no número de furacões mais intensos devido ao efeito estufa

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

Se por um lado não é possível culpar o aquecimento global pela devastação de Nova Orleans, por outro os cientistas avisam: o mundo inteiro pode esperar mais furacões como o Katrina de agora em diante, por causa da mudança climática. O alerta é feito hoje por um estudo americano.
Seus autores realizaram o primeiro levantamento de furacões em todas as bacias oceânicas do planeta nos últimos 35 anos, quando esses fenômenos começaram a ser detectados por satélite. Sua conclusão é que, embora o número total de eventos esteja estável ou até diminuindo, a quantidade de furacões nas categorias 4 e 5 -os mais intensos, como o Katrina e o Jeanne, que atingiu o Haiti em 2004- vem mostrando uma tendência ao aumento.
"Eu acredito que a tendência seja induzida pelo aquecimento global", disse à Folha o meteorologista Peter Webster, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA). Ele é co-autor do estudo, publicado hoje no periódico "Science" (www.sciencemag.org).
Até bem pouco tempo atrás, a declaração de Webster seria considerada blasfêmia por qualquer climatologista sério -embora um aumento no número de eventos climáticos extremos até 2100 fosse um dos efeitos previstos pelos cientistas como conseqüência do aquecimento global. Afinal, as interações entre oceano e atmosfera, que dão origem a fenômenos meteorológicos extremos como os furacões, dependem de uma série de fatores complexos. Não é fácil entender como o simples aumento da temperatura média global influencia esse jogo. E não existia uma série histórica de registros que pudesse incriminar o aquecimento global: o que parece ser uma "tendência" em dez anos pode muito bem não se verificar na década posterior.
O cientista da Geórgia e seus colegas ressaltam que ainda há muita incerteza na pesquisa. Mas observam que, pelo menos nas últimas três décadas, o número de furacões nas categorias 4 e 5 praticamente dobrou -e no mundo todo. "Não há dúvida de que há um aumento substancial", disse a jornalistas Greg Holland, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA, co-autor do estudo.
A tendência, ressaltam, foi verificada numa série de dados de satélite que é confiável ao longo desses 35 anos. E confirma um estudo publicado há dois meses na revista "Nature" (www.nature.com) pelo climatologista Kerry Emanuel, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que previa um aumento na intensidade dos furacões no Atlântico Norte devido ao efeito estufa.
"Isso é preocupante e mostra que em razão do aquecimento global das águas do mar a humanidade precisa estar preparada para enfrentar fenômenos climáticos cada vez mais severos, como já vem acontecendo", disse à Folha o climatologista brasileiro Alexandre Pezza, da Universidade de Melbourne (Austrália).
Pezza publicou no mês passado, com o colega Ian Simmonds, na revista científica "Geophysical Research Letters", um estudo sugerindo que o aquecimento global também tornará mais comuns fenômenos como o Catarina, o primeiro furacão registrado no Brasil, que se abateu sobre o litoral catarinense em março de 2004.
Ciclos
Furacões são eventos caóticos, mas com uma coisa em comum: eles dependem de temperaturas altas na superfície do oceano para acontecer. É o calor que fornece "combustível" para as tempestades. Entre 1970 e 2004, a temperatura média da superfície do mar aumentou 0,5C no globo.
Esses eventos extremos também respondem a ciclos naturais. No caso do Atlântico Norte, esses ciclos são influenciados por fenômenos como o El Niño. A cada 25 anos, em média, há um pico no número de furacões.
Globalmente, no entanto, não há evidência desses ciclos, diz Emanuel. E o registro obtido pelo grupo de Webster compreende um intervalo maior que qualquer oscilação natural. "Por favor, repare que a temperatura da superfície do oceano está aumentando em toda parte, não só no Atlântico", disse o pesquisador, segundo o qual, quanto mais as temperaturas continuarem subindo, mais fenômenos como o Katrina ocorrerão. "Furacões levam calor embora dos oceanos. Talvez você precise de furacões cada vez mais fortes para compensar o aquecimento, mas nós não sabemos."

Brasil é vulnerável, diz pesquisa

O Brasil pode entrar no circuito mundial dos furacões, também devido ao aquecimento global. A sugestão é de uma dupla de pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, que analisou o fenômeno Catarina, primeiro ciclone tropical registrado no país, em 2004.
O climatologista brasileiro Alexandre Pezza e seu colega australiano Ian Simmonds publicaram na edição do mês passado da revista "Geophysical Research Letters" (www.agu.org/journals/gl) um estudo detalhando como o Catarina se transformou de ciclone extratropical -tipo de tempestade comum no Brasil- em um ciclone tropical ou furacão.
O estudo afirma que a conversão do Catarina numa tempestade "malvada" não ocorreu devido a temperaturas especialmente altas no mar de São Paulo, onde o fenômeno se originou antes de migrar para Santa Catarina.
Segundo os pesquisadores, o que ocorreu foi uma combinação atípica de ventos fracos nas camadas mais altas da atmosfera e do chamado bloqueio atmosférico, que atrapalha a circulação normal dos ventos e, no caso de Santa Catarina, impediu a frente fria que, em situações normais, deteria a transição para ciclone tropical.
Pezza diz que a dupla não encontrou nenhuma relação direta do Catarina com o aquecimento global. No entanto, afirma que o efeito estufa pode alterar o padrão geral da circulação atmosférica no Hemisfério Sul, com o potencial de produzir no futuro condições similares às responsáveis pelo Catarina. "O aquecimento global está relacionado a propriedades mais complexas do que simplesmente um aumento da temperatura do ar ou da água", disse o pesquisador.
Em bom português, não seria preciso um aumento efetivo na temperatura da água ou um aumento na área de formação de furacões -limitada aos mares equatoriais e tropicais- para que mais Catarinas acontecessem.
O climatologista José Marengo, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) concorda, mas pede calma. "O trabalho de Pezza e Simmonds é diagnóstico -[trata do] tempo presente, e eles projetam para o futuro. Ou seja, ainda há muita incerteza sobre o assunto." (CA)

Degelo no Ártico alcança novo ponto máximo

DO "INDEPENDENT"

Cientistas que estudam a proporção de gelo no Ártico dizem temer que a região tenha chegado a um ponto de não-retorno, no qual não será mais possível reverter o derretimento causado pelo aquecimento global."Parece que o Ártico atingiu suas temperaturas mais altas nos últimos 400 anos", disse Mark Serreze, da Universidade do Colorado (EUA). "Este é certamente o volume mínimo de gelo desde que começamos a monitorá-lo", afirmou Peter Wadhams, da Universidade de Cambridge, Reino Unido."Talvez fosse preciso voltar até antes da última Era do Gelo para verificar o mesmo nível de derretimento", disse o cientista. A tendência atual pode levar ao derretimento das geleiras da Groenlândia e a mudanças no clima de todo o hemisfério Norte.

FSP, 16/09/2005, Ciência, p. A20

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