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Aquecimento global levado a sério

CB, Opinião, p. 17
Autor: SARNEY FILHO, José
14 de Mar de 2007

Aquecimento global levado a sério

José Sarney Filho
Deputado federal (PV-MA), ex-ministro do Meio Ambiente e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista

Há uma "verdade inconveniente" a ser enfrentada: o Brasil é o 4o maior emissor de carbono e 75% das emissões vêm do desmatamento. Além de alimentarmos um quadro global já muito preocupante, temos efeitos domésticos graves a administrar. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) construiu cenários para o Brasil. O otimista (com medidas necessárias tomadas) já é de grande dificuldade, com secas, enchentes, perdas agrícolas, epidemias. No pessimista (com medidas não tomadas), as dificuldades agravam-se e fazem-nos pensar em inviabilidade produtiva e paralisia do Estado.

Comprova-se que a Amazônia é nosso "calcanhar de Aquiles" e que cheias e secas repentinas dificultarão o planejamento de atividades dependentes do regime de chuvas como a agricultura e a hidroeletricidade. O estudo é suficiente para orientar novas políticas públicas e sujeitar novos investimentos ao crivo de sua viabilidade sob o aquecimento global. É preciso tornar o Estado presente na Amazônia e alcançar o desmatamento zero. Somente empreendimentos sustentáveis devem ser permitidos. A infra-estrutura planejada requer revisão, desde a malha viária que atende à ocupação desordenada até as hidrelétricas. A imprevisível oscilação de vazões fragiliza nossa estratégia energética baseada em grandes represas. Se a Petrobras investe no etanol, antevendo a substituição do petróleo por biocombustível, as empresas de energia devem pensar numa matriz não só renovável, mas adaptada aos desatinos do aquecimento global. No semi-árido, a escassez hídrica prevista polemiza ainda mais a transposição do São Francisco.

Ao passar os olhos pelo estudo do Inpe e, em seguida, no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), onde estão previstas as obras, é fácil imaginar, num futuro próximo, cenários dantescos de destruição ambiental e de desperdício de recursos públicos na Amazônia e no Nordeste. Chegamos aqui ao ponto nevrálgico da questão: como combater o aquecimento global e desejar, ao mesmo tempo, um crescimento econômico chinês? Somos todos capazes de compreender que meio ambiente é matriz e não segmento. Geração de energia ininterrupta, produção estratégica de biocombustível, políticas de inclusão social, melhores chances de evitar desastres, tudo depende da gestão inteligente da matriz ambiental. Logo, deixemos de tagarelar o crescimento a qualquer custo, pois seu custo será bem alto, visto estar ainda baseado na emissão excessiva de carbono, cuja maquiagem de "sustentável" não convence mais.

Quando se está à beira do descontrole, a coisa torna-se mais pragmática e não permite evasivas. Resta ao setor produtivo e ao poder público a pergunta: seu empreendimento emite a menor quantidade possível de carbono, diante das alternativas disponíveis? Esse é o imperativo moral, na concepção kantiana, colocado com o aquecimento global. Se a sociedade se dispõe a diminuir ou compensar suas emissões, não ficará passiva diante de emissões irresponsáveis do setor produtivo e do poder público. No contexto global, temos já vantagens: não precisamos alterar tanto nossa matriz energética, o que muito vai custar aos países dependentes de petróleo, e dispomos de bem mais recursos ambientais que a média das nações. É necessário, no entanto, redirecionar projetos e metas, de forma a alcançar, no mais breve tempo, uma "economia de baixo carbono", que se desenha como condição, não só de competitividade, mas de viabilidade econômica. Ela não será repentina, mas depende de políticas públicas que lhe preparem o terreno.

Fiquei feliz com a resposta do presidente aos imediatistas de plantão, após o anúncio do crescimento do PIB. Lula disse que o Brasil já cresceu até 14%, mas não distribuiu renda, que o país vem de décadas de irresponsabilidade e que não custa ter uma década responsável. Que "pior é pensar que se está dando um salto, enquanto, na verdade, se cai num buraco". Espero que o presidente reflita ainda mais sobre bases realmente sólidas para nosso desenvolvimento e sobre os projetos aos quais quer vincular-se para ser lembrado no futuro.

Redirecionar o projeto Brasil é fundamental para, como ele disse, "não dar um salto e cair no buraco". Nosso 4o lugar no ranking de emissão resulta de negligência própria de países bem menos desenvolvidos. Ao promover a Amazônia sustentável, metas de redução serão naturalmente alcançadas, não havendo motivo para resistir a um compromisso internacional. Enfrentar com coragem "uma verdade inconveniente" pode levar a "uma realidade até mesmo oportuna" diante do quadro global. Não fazê-lo, legará aos filhos do Brasil a amarga lembrança da omissão histórica de nossa geração.

CB, 14/03/2007, Opinião, p. 17

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