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Aprovada, Lei de Biossegurança recebe críticas

OESP, Geral, p. A10
06 de Fev de 2004

Aprovada, Lei de Biossegurança recebe críticas
Alterações no projeto foram costuradas em reuniões durante a madrugada

ROSA COSTA

Um acordo fechado na madrugada de ontem garantiu a aprovação no plenário da Câmara, em votação simbólica, do substitutivo ao projeto de lei do governo que, entre outros, atenua substancialmente as exigências para pesquisas com organismos geneticamente modificados (OGMs) e cria normas de fiscalização e comercialização desses produtos.
O texto terá ainda se ser votado no Senado e só deve entrar em vigor no fim de março. Entre as inovações acatadas pelo relator Renildo Calheiros (PCdoB-PE), está a que opõe Ministério do Meio Ambiente (MMA) e produtores rurais. É a que torna obrigatório o aval de órgãos de fiscalização, como o Ibama e a Anvisa, para a comercialização de transgênicos.
O substitutivo feito pelo ex-relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que assumiu o recém-criado cargo de ministro-chefe da Articulação Política, dava autonomia à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para decidir não apenas sobre as pesquisas, mas sobre a venda de transgênicos. Ao sair da rodada final de negociação, o ministro Rebelo disse que o governo concorda com a medida.
Paciência - Horas após votação da Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de elogiar a "paciência" da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, "nem sempre compreendida", nas negociações da Lei de Biossegurança. Durante cerimônia no Planalto, o presidente disse que a "companheira" Marina, neste caso, cumpriu a promessa de "passar para a História como a ministra que, ao invés de dizer não, discutisse como fazer o melhor possível para que a gente pudesse lidar com os ecossistemas, com a biodiversidade, sem que isso pudesse causar prejuízo às futuras gerações". Para o presidente, "valeu a pena" não se precipitar na discussão do projeto dos transgênicos.
A ministra ficou satisfeita com o resultado. "Chegou-se a um substitutivo adequado, no entendimento do governo, da maioria dos parlamentares e de boa parte de diversos setores da sociedade e da comunidade científica", afirmou.
Temores - Mas o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), ligado aos produtores, disse temer que a "sistemática oposição do Ibama" aos transgênicos acabe por impedir a venda desses produtos. Pelo substitutivo, a CTNBio dá seu parecer técnico e se os órgãos de fiscalização tiverem opinião contrária, caberá ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 15 ministros, dar a palavra final.
Calheiros procurou tranqüilizar os insatisfeitos. Ele disse que se limitou a cumprir um dispositivo previsto na Constituição, cuja inobservância tem gerado uma série de ações na Justiça contra a venda de transgênicos.
A votação atraiu à Câmara cientistas, ambientalistas e integrantes do Movimento dos Sem-Terra. Parte do acordo, porém, foi acertado longe deles, na madrugada de terça-feira, na casa do presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), com a presença da ministra Marina e de representantes de Rebelo. Na quarta-feira à noite, as conversas recomeçaram, no gabinete do parlamentar. Relator da medida provisória que liberou o plantio da soja este ano, foi o deputado Paulo Pimentel (PT-RS) quem apresentou a emenda esticando a autorização por mais um ano. No fim das contas, ele acredita que, apesar dos protestos, o substitutivo "ficou excelente para todo mundo".
(Colaborou Tânia Monteiro)
Poucos deputados sabiam o que estavam decidindo no plenário
A votação do projeto de biossegurança atraiu à Câmara dos Deputados cientistas, ambientalistas e integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST). Parte do acordo, porém, foi acertado longe deles, na madrugada de terça-feira, na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), com a presença da ministra Marina Silva e de representantes do exrelator do projeto, hoje ministro- chefe da Articulação Política, Aldo Rebelo (PC do B-SP).
Na quarta-feira à noite, as conversas recomeçaram, no gabinete de Rebelo. O deputado Paulo Pimentel (PT-RS), que atuou como relator da medida provisória que liberou o plantio de soja transgênica para este ano, apresentou também a emenda que esticou a autorização por mais um ano. No fim das contas, ele acredita que, apesar dos protestos, o substitutivo "ficou excelente para todo mundo".
Na hora de votar o projeto, por volta das 2 horas de quintafeira, entretanto, poucos deputados tinham plena consciência do que estavam decidindo. Segundo fontes ligadas aos parlamentares, muitos só receberam umacópia do substitutivo do relator Renildo Calheiros (PC do B-PE) quando a votação já estava iniciada. Tanto que o texto final permaneceu um mistério durante todo o dia de ontem. Nenhuma cópia oficial foi apresentada, abrindo espaço para umasérie de interpretações conflitantes. (H.E. e R.C.)

Projeto amplia prazo para plantio de soja
Uma das surpresas do projeto de lei aprovado na Câmara foi a prorrogação do prazo para plantio de soja transgênica por maisum ano, até a safra de 2005. O produto já é plantado há mais de seis anos, principalmente no Rio Grande do Sul, com sementes contrabandeadas da Argentina e reproduzidas clandestinamente pelos próprios agricultores. Desde 2003, entretanto, o cultivo e a comercialização da produção têm sido autorizados pelo governo, por meio de medidas provisórias, até que a Lei de Biossegurança seja definitivamente aprovada.
A última MP, editada em setembro e depois convertida em lei, liberou o plantio para a safra 2003/2004, apenas para agricultores que assinaram um termo de compromisso e ajuste de conduta com o governo. Agora, pelas normas do projeto de lei, esse mesmo direito seria estendido para a safra 2004/2005.
Finaciamento - Outra novidade, aplaudida pelos cientistas, foi a criação do Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento da Biossegurança e da Biotecnologia para Agricultores Familiares (FIDBio), que cria uma contribuição (alíquota de 1,05%) sobre a comercialização e importação de sementes e mudas transgênicas. A intenção é reverter os recursos para o financiamento de pesquisas com OGMs para a agricultura familiar e para a realização de estudos sobre a segurança dos transgênicos no ambiente e na alimentação.
O dinheiro só poderá ser usados por universidades e entidades públicas de pesquisa, em projetos previamente aprovados por um conselho gestor do fundo. Seria uma forma de incentivar a biotecnologia nacional, com recursos obtidos do comércio de produtos das multinacionais. (H.E.)

Composição da CTNBio é maior problema
HERTON ESCOBAR
O texto aprovado ontem para o projeto da Lei de Biossegurança não agradou de todo aos cientistas, apesar de atender a uma de suas maiores reivindicações: a centralização do controle sobre pesquisas com transgênicos na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). "Retrocedemos dez anos em relação ao substitutivo do Aldo Rebelo", disse a pesquisadora Maria José Sampaio, da Secretaria de Propriedade Intelectual e Regulamentação da Embrapa. "Liberaram a pesquisa, mas desfiguraram completamente a CTNBio. É tudo maquiagem."
Na nova composição da comissão, os cientistas passam a ser minoria, dentro de um processo decisório que exige maioria absoluta dos membros - ou seja, no mínimo, 14 votos. "Mesmo que todos os cientistas votem a favor, isso ainda não será suficiente para autorizar uma pesquisa", aponta o cientista Marcelo Menossi, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Dentro de uma comissão técnica, é um total contrasenso." Para ele, decisões científicas devem ser tomadas por especialistas que atuem na área.
No total, a CTNBio passará a ter 27 membros titulares, em vez dos atuais 18. O número de cientistas subiu de 8 para 12, e os da sociedade civil, de 3 para 6, com nomes indicados pelos ministérios nas áreas de defesa do consumidor, saúde, meio ambiente, agricultura familiar, saúde do trabalhador e setor empresarial de biotecnologia. Além disso, oito ministérios manterão representantes na comissão. A novidade é que todos terão de ter, no mínimo, grau de doutor.
Cientistas também criticaram o processo para liberação comercial de transgênicos, pelo qual os pareceres da CTNBio terão de passar pelos ministérios. Para Menossi, trata-se de uma burocracia desnecessária, criada para atravancar o avanço da biotecnologia no País. "É mais uma oportunidade para que o Ministério do Meio Ambiente mantenha sua moratória branca aos transgênicos", acusou o pesquisador, que trabalha com variedades de cana, milho e café geneticamente modificados. "Vão acabar jogando todo mundo na clandestinidade, como já fizeram com os agricultores. Se continuarem com o bloqueio, vamos ter de procurar empresas no exterior, para que o conhecimento gerado aqui não seja desperdiçado."
"Ninguém aqui está fazendo terapia ocupacional. Estamos desenvolvendo produtos com a expectativa de que um dia serão colocados no mercado", disse o pesquisador Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. "Está claro que o governo não confia na CTNBio. Para pesquisa sim, mas para comercializar, não."
Um ponto positivo do texto, segundo os cientistas, é que as pesquisas com plantas transgênicas resistentes a insetos e doenças não serão mais sujeitas à Lei de Agrotóxicos, o que reduz em muito a burocracia. Por causa disso, várias pesquisas da Embrapa estão paralisadas há anos, aguardando licenciamento do Ibama. Uma delas é a do feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, que se não for plantado este mês, precisará esperar até 2005 - o quarto ano de atraso. "Avançamosumpouco, mas falta muito para ficar bom", resumiu Aragão.

OESP, 06/02/2004, Geral, p. A10

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