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Aprender com a água

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
12 de Nov de 2004

Aprender com a água

Washington Novaes

Ainda há poucos dias, toda a comunicação deu muita ênfase a mais um relatório (este do WWF) que mostra estarmos consumindo, na Terra, mais de 20% além da capacidade de reposição da biosfera - fazendo retornar à memória as advertências reiteradas do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, de que não é o terrorismo a maior ameaça à espécie humana, e sim os padrões de produção e consumo insustentáveis, juntamente com mudanças climáticas. Nessa mesma hora, noticiam os jornais que a Sabesp está suspendendo o desconto de 20% sobre as contas de água na cidade de São Paulo para quem economizasse pelo menos um quinto de seu consumo (e mais de metade dos consumidores o fizeram, ajudando a afastar a possibilidade de racionamento).
Mesmo que já estivessem de todo superadas as ameaças de escassez no fornecimento - e não estão -, ainda assim seria injustificável a suspensão. Ela demonstra - como assinalou editorial deste jornal (1.o/11, A3) - ausência de uma política efetiva de conservação do recurso escasso, para favorecer o fluxo de caixa. Significa imediatismo, em lugar de uma política necessária de valorização de um recurso natural a cada dia mais disputado no mundo.
Pode ser grave, já que, segundo a Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, o fornecimento de água a São Paulo continuará "crítico" nos próximos dois anos, quando deverão estar prontas duas novas barragens para captação, mas a custos por metro cúbico (com o transporte à distância) quase 100% mais altos que os atuais.
Pode ser ainda mais preocupante, pode significar atribuir prioridade a novas obras físicas para aumentar a oferta de água, seja com outras captações à distância, seja com poços artesianos. Já se fala até em reforçar a oferta utilizando as águas subterrâneas do Aqüífero Guarani. "Seria uma temeridade sem um estudo mais profundo", diz uma das pessoas que mais entende do assunto, Gerôncio Rocha (Estado, 4/11). Porque não se sabe quanto pode ser extraído sem comprometer o aqüífero, não se conhecem o nível de reposição nem as conseqüências da retirada (que já ocorre em 12 mil poços na cidade de São Paulo, centenas em outros lugares).
Mas não é só a capital do Estado que sofre. Nos últimos dias voltou ao noticiário a Represa de Itupararanga, que abastece seis cidades e indústrias da região de Sorocaba e já foi tema de comentário neste espaço (9/1), quando se informou que o fluxo de água para o reservatório caíra para pouco mais de metade, sem que houvesse explicação para tanto. Comentou-se, na ocasião, ser assustador que não se disponha de um sistema de informações capaz de dizer o que acontece com um reservatório que abastece 600 mil pessoas. Uso irracional pela agricultura? Maior retenção de água nos lençóis para reposição, diante da escassez anterior de chuvas? Ocupação de áreas de mananciais? O Ministério Público está até hoje tentando saber, num inquérito que abriu. E agora já se diz que, além da escassez, a Cetesb identificou a presença de resíduos de nitrogênio amoniacado na água de um dos rios formadores do reservatório - isto é, resíduos de agrotóxicos.
Não se pode mais seguir pelos velhos caminhos na questão da água. Os tempos mudaram, a população urbana cresceu desmesuradamente no País (mais 107 milhões em 40 anos), a demanda multiplicou-se, os custos de captação dispararam, proporcionalmente (ou mais) à distância cada vez maior de captação, à extensão das redes de distribuição. É preciso repensar tudo.
Isso exige começar por uma política rigorosa de conservação do recurso, que não admite seguir com as perdas médias de 40% nas redes de distribuição no País. Porque não há investimentos em conservação da rede - já que não há financiamentos no sistema bancário público (e isso depende de decisão política dos governantes); só há para novas captações, aduções e estações de tratamento. Da mesma forma, é inadmissível seguir financiando com crédito público equipamentos de irrigação como pivôs centrais, que desperdiçam pelo menos 50% da água que retiram. Já existem sistemas alternativos (gotejamento, microaspersão). É preciso ter vontade política.
Por outro ângulo, é preciso seguir com os estímulos tarifários à conservação (como os que estão sendo cancelados em São Paulo). E é preciso implantar sistemas de financiamento para troca de equipamentos domésticos e industriais por outros que utilizem menos água. É um caminho já seguido com êxito por muitos países, entre eles os EUA e o México. Pode-se pensar na obrigatoriedade de instalação de equipamentos para retenção de águas de chuva e utilização posterior para outras atividades que não o consumo humano. Pode-se estimular o reúso da água nas indústrias e nos domicílios (água de banho e cozinha para descarga sanitária). São muitas as possibilidades.
Ao mesmo tempo, é fundamental que se ensine nas escolas o quanto as pessoas consomem de água. É ilusório afirmar que o consumo médio é de 180 litros numa cidade como São Paulo. Na alimentação, o consumo é enorme: um quilo de carne bovina precisa de 15 mil litros para ser produzido; se uma pessoa consumir 150 gramas por dia, estará consumindo só aí 2.250 litros diários. Um quilo de cereais exige pelo menos mil litros e um consumo de 200 gramas significará mais 200 litros. Em todas as atividades que desenvolvem fora de casa, em todos os produtos que utilizam, em todos os lugares por onde passam, as pessoas estão consumindo água de alguma forma. Não será exagero dizer que, no todo, o consumo diário per capita estará acima de 3 mil litros - e não apenas nos 180 que chegam pela rede de distribuição.
É preciso tratar da questão desde os aspectos globais - a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo (que exigem água), a "crise da água" - até os fatores locais, em cada um dos seus ângulos. E aprender desde logo a caminhar em busca de novas formas de viver. Sustentáveis.

Washington Novaes é jornalista.

OESP, 12/11/2004, Espaço Aberto, p. A2

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