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Após situação de crise no início de 2002, a Fundação Nacional de Saúde renovou o seu convênio com a Urihi-Saúde Yanomami

Boletim Yanomami
19 de Mar de 2002

Até janeiro de 2003, serão aplicados R$ 7,1 milhões na assistência aos Yanomami, o que representa um aumento em torno de 10% em relação a 2001.
Projeto Agroflorestal Yanomami avança
Com o objetivo de oferecer alternativas à possibilidade de escassez alimentar resultante da sedentarização e do aumento populacional em certas regiões da Terra Indígena Yanomami, a Comissão Pró-Yanomami iniciou, em 2000, a implantação do Projeto Agroflorestal Yanomami (PAY) nas regiões do Demini e Toototobi, com a formação de pomares e implantação de projetos de apicultura.
Urihi e Funasa renovam convênio
A continuidade do trabalho de assistência à saúde dos Yanomami está garantida para o ano de 2002 (ver Boletim Yanomami 22). A renovação do convênio põe fim a uma crise ocorrida nos dois primeiros meses deste ano, quando as negociações entre a Urihi e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) chegaram a um impasse de tal ordem que quase levou ao encerramento das atividades de assistência de saúde junto aos Yanomami.
A Funasa e a Urihi-Saúde Yanomami assinaram a renovação do convênio, publicada no Diário Oficial da União no dia 15 de março, assegurando R$ 7,1 milhões para o atendimento aos Yanomami. Em todo o país, o orçamento para a assistência à saúde dos povos indígenas chega a R$ 190 milhões, que serão divididos entre as organizações não-governamentais, associações indígenas, prefeituras e outros organismos que atuam no setor.
Os novos recursos disponíveis para a Urihi representam um acréscimo em torno de 10%, se comparados a 2001. Do total de R$ 7,1 milhões, R$ 6,8 milhões serão destinados à atenção básica. A diferença será coberta pelo Vigisus (programa do governo federal com o Banco Mundial) para a compra de equipamentos, controle social (participação dos Yanomami no Conselho Distrital) e capacitação profissional.
A direção da Funasa, no entanto, insiste em fixar limites salariais para algumas funções técnicas existentes nas equipes de saúde, uma vez que os salários pagos desde 1999 foram estabelecidos acima da tabela proposta pela instituição. Mas, de imediato, foi afastada a exigência de demissão de todos os técnicos com salários acima da nova tabela e a subseqüente abertura de novas contratações. Essa exigência inicial esbarrava em problemas operacionais e até mesmo de ordem legal. Além do elevado custo financeiro decorrente das indenizações trabalhistas que teriam de ser pagas, a proposta defendida pela Funasa implicava perda de mão-de-obra qualificada e também de investimentos realizados em anos anteriores na capacitação dos agentes de saúde que atuam entre os Yanomami.
A Funasa entendeu as dificuldades criadas por sua política salarial para a estabilidade e qualidade do atendimento à saúde indígena e propôs a criação de um grupo de trabalho (GT), formado por técnicos das ONGs, para estudar uma tabela de salários que contemple as diferentes variáveis regionais implícitas na assistência à saúde dos povos indígenas. A decisão saiu de uma reunião com a participação do presidente da Funasa, Mauro Ricardo, o vice-presidente, George Tormin, e representantes da Urihi, Coaib (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro) e CIR (Conselho Indígena de Roraima).
O grupo terá 60 dias para concluir o estudo e formular uma proposta à Funasa. Na avaliação do administrador da Urihi, Luis Eustórgio Pinheiro Borges, será preciso levar em consideração os vários elementos que compõem o cenário em que ocorre a atividade de assistência à saúde indígena, tais como grau de dificuldade imposta aos profissionais, distância da área indígena ao centro urbano, condições de trabalho, entre outros fatores.
Para garantir uma contribuição mais efetiva à tarefa dada ao GT, a Urihi adiantou que pretende fazer um levantamento sócio-econômico nas áreas onde a Funasa mantém programas de saúde indígena, o que contribuirá para a formulação da proposta a ser encaminhada à direção da Funasa. Hoje, metade do pessoal de nível médio (auxiliares de enfermagem e microscopistas) da Urihi está enquadrada na tabela da Funasa, ou seja, ganha R$ 1 mil, o teto salarial fixado pela instituição.
A Funasa está avaliando ainda a possibilidade de estabelecer uma nova modalidade de contrato com as organizações que atendem às populações indígenas, com o objetivo de eliminar o intervalo que a cada ano separa o repasse de recursos de um convênio para outro. Atrasos nos repasses podem ter consequências desastrosas. Foi precisamente o que ocorreu no último mês de janeiro, quando por falta de recursos para pagar vôos de helicóptero, a Urihi não teve condições de atender a algumas comunidades. O resultado foi um óbito na região de Auaurís e quatro na região de Surucucus. A fundação já está mantendo contato com o Ministério da Justiça para obter mais informações sobre as parcerias existentes com as Organizações Sociais Coletivas de Interesse Público (Oscip). A finalidade é avaliar se as ONGs envolvidas no atendimento à saúde indígena podem ser enquadradas na condição de Oscips, permitindo um acordo de longo prazo - contrato de gestão -, o que atenderia ao interesse da Fundação de trabalhar rumo à formalização de um sistema de saúde para os povos indígenas. Embora os estudos estejam começando, na avaliação de Urihi, a medida seria bastante positiva para a consolidação de um sistema de saúde indígena.
Avança a implantação do Projeto Agroflorestal Yanomami (PAY)
O contato interétnico mais intenso, a partir da década de 70, provocou uma série de impactos negativos sobre os Yanomami, entre os quais, destacam-se a proliferação de doenças, que acarretaram altas taxas de mortalidade, a dependência do grupo da medicina ocidental e a crescente sedentarização. A permanência mais prolongada nas proximidades de missões e postos de saúde vem provocando a exaustão dos recursos ambientais, sobretudo, das fontes de alimentos. Para evitar a escassez de produtos alimentares, a Comissão Pró-Yanomami iniciou, em 2000, a implantação do Projeto Agroflorestal Yanomami nas regiões de Demini e Toototobi, beneficiando cerca de 450 índios. O projeto tem por objetivo incentivar o plantio de frutíferas que integram a dieta dos Yanomami e cultivar novas espécies. Pretende também introduzir novas tecnologias de produção, a promoção de intercâmbio entre os Yanomami e outras etnias com experiências agroflorestais, ou dentro do seu próprio território, além da elaboração de um manual agroflorestal ao final do projeto. Trata-se de um projeto piloto para futura aplicação em outras regiões da Terra Indígena Yanomami.
Em fevereiro último, o coordenador técnico do PAY, Ednelson Pereira Macuxi, visitou a região do Toototobi, quando se reuniu com várias comunidades, identificando dificuldades e avanços na implantação do PAY e do projeto de apicultura. Este último, como já foi relatado no nosso boletim n. 22, de 26.11.01, tem a preocupação de tornar esse conhecimento tradicional yanomami uma alternativa econômica viável. Ele destaca a participação de vários Yanomami nas discussões e na escolha de futuros agentes florestais que ajudarão na implantação dos pomares e das colméias. "As reuniões em todas as comunidades visitadas foram extremamente positivas, sobretudo, porque sempre havia pessoas de duas ou mais comunidades envolvidas", conta Ednelson.
Dentre as dificuldades apontadas pelo coordenador do PAY está o problema do suprimento de água, principalmente nas comunidades de Piau e Kokoiu, na região do Toototobi, onde os igarapés secam durante os meses de estiagem. A alternativa, no entendimento de Ednelson Macuxi, é a perfuração de poços não só como fonte de água potável, mas também para a manutenção desses projetos. Segundo Ednelson, para a abertura desses poços, os Yanomami contam com a promessa de apoio da ONG inglesa, Survival International, que esteve representada na reunião do Toototobi por Fiona Watson.
Outra dificuldade tem sido a ausência de assessoria técnica que assista os Yanomami no processo de transplante de mudas. "De um modo geral, as mudas são plantadas muito próximas umas das outras, independentemente do seu tamanho adulto, o que, com certeza, dificultará o desenvolvimento de várias delas", afirma Ednelson Macuxi. Para solucionar esse problema, propõe-se treinar os próprios Yanomami, treinamento esse que já começou com a realização de oficinas das quais participaram 13 índios da região. O objetivo é transmitir-lhes as técnicas de manejo de sementes e mudas e de organização de viveiros de árvores frutíferas.
Quanto à apicultura, Ednelson enfatiza o enorme potencial para a produção de mel tanto no Toototobi quanto no Demini, pois aí estão cerca de 10% das 300 espécies de abelhas das Américas. É importante ressaltar que o mel tem papel de destaque na dieta tradicional dos Yanomami, não se tratando, portanto, de produto estranho a seu modo de vida. Para incrementar a produção de mel, o projeto prevê a capacitação de agentes florestais yanomami por especialistas do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Casa da Cultura do Urubuí, em Presidente Figueiredo (AM). Aliás, como já foi noticiado no nosso boletim 22, em outubro de 2001, a Casa da Cultura do Urubuí promoveu um curso de apicultura do qual participaram dois Yanomami do Demini. Ambas as instituições são parceiras na formação de meliponicultores e apicultores. "A Casa da Cultura do Urubuí e o Inpa são, sem sombra de dúvidas, os melhores times de especialistas em abelhas nativas do Brasil", afirma Ednelson, acrescentando que ainda este mês serão discutidas com as duas instituições as propostas de outros cursos para os Yanomami.
A idéia de organizar a produção de mel foi muito discutida entre os índios nas reuniões oficiais e nas conversas informais. Na avaliação do coordenador, essa prática cultural poderá colaborar muito para a difusão da proposta e conquistar o interesse de um número cada vez maior de Yanomami.

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