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Após ocupação, governo recebe povos e comunidades tradicionais e diz que PEC 215 está "politicamente suspensa"

Cimi- http://www.cimi.org.br
Autor: Tiago Miotto e Renato Santana
23 de Nov de 2016

A ocupação realizada pela Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais no Palácio do Planalto na manhã desta terça-feira, 22, fez o governo federal se mexer. No final da tarde, representantes do Poder Executivo se reuniram com lideranças indígenas, quilombolas, pescadoras e quebradeiras de coco. A ocupação só foi desfeita porque a segurança do Palácio do Planalto impediu a entrada de água e comida aos manifestantes e, em negociação, os povos e comunidades tradicionais conseguiram arrancar do governo uma agenda pela parte da tarde.

No encontro, do qual - depois de serem "recebidas" pela Tropa de Choque da Polícia Militar, no lado oposto da rua - 30 lideranças participaram, o ministro da Justiça Alexandre Moraes afirmou aos povos e comunidades tradicionais que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aquela que transfere do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas e quilombolas utilizando o marco temporal, está "politicamente suspensa", pelo menos até o fim de novembro.

Moraes explicou que o governo fez um acordo com lideranças ruralistas do Congresso Nacional para que a PEC 215 não tenha nenhuma movimentação até que a Fundação Nacional do Índio (Funai) realize "um mapeamento de todos os procedimentos relacionados a terras indígenas" em andamento ou judicializados, o que deve ser concluído até 30 de novembro. Depois, a pauta pode voltar à discussão.

Os representantes do governo não trataram de forma mais definitiva de nenhum outro ponto da pauta apresentada pela nota pública da ocupação ao Palácio do Planalto. Além da posição do governo sobre a PEC 215, não houve nenhuma manifestação sobre a possibilidade de alteração no procedimento de demarcação das terras indígenas por parte do governo federal, como tem sido ventilado recentemente entre indígenas e indigenistas.

Na reunião estavam presentes o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Alexandre de Moraes (da Justiça), o ministro da Saúde, Ricardo Barros, e representantes da Secretaria de Segurança Institucional e da Secretaria Nacional de Articulação Social.

Frente aos questionamentos de indígenas e quilombolas acerca da falta de recursos para o funcionamento básico da Funai e do Incra, Padilha ressaltou que o orçamento é atribuição do Congresso Nacional, e não do Executivo. "No ano que vem não vai ter mais dinheiro do que está lá [no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2017, entre pelo governo à Câmara dos Deputados em agosto]. Agora, se vai botar mais para as estradas, se vai botar mais na demarcação, vai ser o Congresso que vai escolher as prioridades", afirmou o ministro.

"Com o Congresso dominado pelos interesses privados de bancadas como a ruralista, nós sabemos quais serão as prioridades dos deputados e senadores", afirma Kum'Tum Gamela, do Maranhão, ressaltando que as consequências da PEC 241-55, a PEC da Morte, que pretende congelar os gastos primários do governo federal pelos próximos 20 anos, podem ser desastrosas.

Recado dado

Kum'Tum Gamela mandou um recado direto aos ministros: "O marco temporal, para a gente, é o fim de qualquer procedimento de demarcação, é uma violação da Constituição e a negação de toda a história de violência contra os povos indígenas. O esbulho das terras indígenas e quilombolas foi violento, a saída de comunidades e povos de seus territórios tradicionais não se deu por vontade de conhecer outros lugares, se deu por uma violência imposta pelo Estado".

Os Gamela são um dos povos que seriam afetados por esta interpretação restritiva da Constituição Federal: com sua identidade negada por décadas e declarados oficialmente "extintos", os Gamela passaram a reafirmar publicamente sua identidade indígena a partir de 2014 e lutar pela recuperação de seu território tradicional.

Justamente por conta de interpretações limitadas de direitos constitucionais, Elionice Sacramento, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia, ressaltou: "Esta é uma incidência com o Estado brasileiro, não se trata de um diálogo amistoso com este ou aquele governo".

Para a pescadora, os Decretos 8424 e 8425 seguirão sendo combatidos: "Esses decretos atacam a nossa identidade. Algumas e alguns de nós dormimos pescadores e pescadoras e acordamos trabalhadores de apoio à pesca artesanal. Isso é uma afronta para nós, e esse decreto aconteceu sem processo de consulta". O ministro Padilha afirmou que "acha justa" a participação dos pescadores e pescadoras numa revisão dos decretos.

Indígenas também se manifestaram contra a militarização da Funai e exigiram que generais e coronéis não sejam nomeados para ocupar a Presidência tampouco as coordenações do órgão. Este pleito foi defendido pelos povos Tumbalalá, Krikati, Guajajara, Pataxó, Guarani, Kanela, Kreepyn, Krenyê, Gamela, Awá-Guajá, Kaingang, Gavião e Tenetehar/Guajajara.

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