FSP, Brasil, p. A10
03 de Nov de 2005
Após invasão, Vale afirma que índios exigem carros de luxo
Xicrin querem receber R$ 14 mi da empresa no próximo ano
Elvira Lobato
No domingo, cerca de 280 índios xicrin invadiram o núcleo residencial do projeto Carajás, no sul do Pará, para forçar a Companhia Vale do Rio Doce a aumentar a ajuda financeira à comunidade. A empresa repassou R$ 6 milhões aos índios neste ano, e eles querem R$ 14 milhões em 2006.
O clima é de tensão. Em nota, a Vale acusou as lideranças indígenas de promoverem sistematicamente invasões para forçá-la a aceitar "pleitos estranhos e que nada têm a ver com a busca de condições dignas de vida para a comunidade", como a compra de um avião bimotor, carros de luxo, pagamento de dívidas contraídas no comércio e contratação de empreiteiras para a construção de casas na aldeia, a preço acima do praticado no mercado.
Os xicrin entraram na vila armados com bordunas e só voltaram para suas aldeias depois que um dirigente da Funai em Marabá foi ao local e negociou a retirada, que aconteceu ontem. Segundo a Vale, os índios ameaçam invadir as instalações operacionais e paralisar a mina, caso não sejam atendidos. Em novembro acontece a negociação entre a empresa, lideranças indígenas e a Funai para definir o programa para 2006. A ajuda vem desde a construção da ferrovia Carajás, quando ela indenizou seis comunidades indígenas (no Pará e Maranhão) por determinação do Banco Mundial.
O presidente da Funai, Mércio Gomes, diz que as negociações entre a Vale e os xicrin são conflituosas desde os anos 80, e que, há dois anos, a Funai passou a intermediá-las a pedido da empresa.
Indigenistas ouvidos pela Folha avaliam que a relação se degenerou em parte porque os índios seriam induzidos por aproveitadores a fazer exigências descabidas, como a do avião bimotor, no ano passado, no que não foram atendidos. A nota publicada pela empresa, avaliam, piora a situação.
Na segunda-feira, a primeira reunião para a discussão do acordo do ano que vem foi frustrada, porque os índios querem negociar diretamente com Vale, sem a intermediação da Funai. A Vale, por sua vez, só admite discutir com a intermediação da Funai.
O vice-presidente da Associação Indígena Bep Noi de Defesa do Povo Xikrin do Cateté, cacique Itamakware, declarou à Folha, por telefone, que, se a Vale não concordar em aumentar o dinheiro no que vem, haverá conflito, mas só verbal. "Vamos brigar mesmo, mas só de boca", disse. Sobre os pedidos à Vale, ele diz: "A vida está cara. Precisamos de dinheiro para comprar comida".
No ano passado, os índios bloquearam a estrada de ferro e só saíram após ação da Polícia Federal. A Polícia Militar do Pará, depois do massacre de Eldorado do Carajás, teme uma nova tragédia.
Criatividade
Em entrevista à Folha , por telefone, o presidente da Funai, Mércio Gomes, disse que a Vale precisa ser "mais criativa", em vez de oferecer só dinheiro, e propor opções que permitam um horizonte melhor para os índios, como a oferta de postos de trabalho aos que preferem ficar nas cidades.
Segundo Gomes, os índios vão para Marabá, hospedam-se em hotéis e são estimulados a consumir por comerciantes que aceitam vender fiado para eles. Endividam-se e pressionam a Vale por mais dinheiro: "Por muitos anos, a Vale alimentou essa bola de neve". Para ele, a Vale e a Aracruz Celulose (que enfrenta problemas no Espírito Santo) concentram muito dinheiro em cidades pequenas e acabam por despertar a cobiça de vários segmentos. "Falta criatividade a elas para estabelecer um relacionamento mais produtivo com os índios e com os habitantes das cidades", analisou.
O assessor de imprensa da Vale, Fernando Thompson, disse que a empresa está investindo R$ 10,5 bilhões no país neste ano (sendo R$ 3,4 bilhões no Pará) e cumprindo seu papel de empresa. Disse que a empresa é a maior empregadora do Pará e que o plano de investimentos para o período 2005/2010 prevê gerar mais 13 mil empregos diretos no Estado. Disse ainda que a Fundação Vale do Rio Doce investiu US$ 15 milhões em programas sociais no Pará.
FSP, 03/11/2005, p. A10
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