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Após denúncia, água contaminada por urânio é vetada

OESP, Metrópole, p. A22
23 de Ago de 2015

Após denúncia, água contaminada por urânio é vetada
Ministra do Meio Ambiente mandou suspender consumo; presença de metal em poço na Bahia foi revelada por reportagem do 'Estado'

André Borges - CAETITÉ E LAGOA REAL (BA)

O Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) determinaram a suspensão imediata do consumo da água dos poços da região onde foi constatada contaminação por alto teor de urânio na Bahia. A decisão de apuração imediata da situação foi ordenada diretamente pela ministra Izabella Teixeira, assim que ela soube da denúncia em reportagem publicada neste sábado no Estado.
Além da medida tomada para assegurar a segurança da população, o Ibama informou que a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) poderá ser multada por omitir informações. Em nota assinada pelo diretor de Licenciamento Ambiental Thomaz Miazak de Toledo, o instituto declarou que "não recebeu da INB os laudos de qualidade da água que, segundo reportagem do Estado, apontam presença de urânio em níveis superiores aos estabelecidos pela Resolução 396 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em poço localizado na região de Caetité".
"Imediatamente após ser informado pela reportagem, o Ibama notificou a INB, a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e as autoridades de saúde competentes para que adotem as medidas necessárias de maneira que não haja risco para a população local", informou o órgão ambiental. "A eventual omissão da INB caracteriza descumprimento da condicionante 1.4 da licença de operação da mina de Caetité, fato que, se confirmado, implicará a aplicação de multa prevista no art. 66 do Decreto 6514/2008."
A reportagem teve acesso a laudos técnicos e despachos que comprovam que a INB, responsável pela extração e produção de urânio, realizou duas inspeções em poço na região e encontrou água contaminada com índices do metal pesado mais de quatro vezes superiores ao limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conama. Apesar de ter feito coleta de água em outubro e em março, a INB só comunicou a prefeitura de Lagoa Real no fim de maio. No período, não houve comunicação da estatal sobre o caso para o ministério ou o Ibama, órgão responsável por licenciar e fiscalizar qualquer tipo de empreendimento ou denúncia envolvendo material radioativo.
"Como órgão licenciador da mina, o Ibama exige que a INB encaminhe relatórios periódicos de implementação dos programas ambientais e, em caso de evento não usual que possa resultar em dano ao meio ambiente e risco à população, comunique imediatamente a ocorrência ao Ibama, à Cnen e ao Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia)", diz o instituto oficialmente.
Sem irregularidades. A INB nega irregularidades no caso, sob justificativa de que a área do poço contaminado, uma região conhecida como Varginha, está a 20 km de distância de sua mineração e não faz parte da área que deve fiscalizar. No entanto, como revelado pela reportagem, a própria estatal afirma, em documento disponível na internet, que inspeciona a qualidade da água na região de Varginha, comunidade de Lagoa Real.
Em nota, a Cnen repetiu o argumento da INB, de que o poço não estaria em sua área de responsabilidade. "A INB tem obrigação de nos informar sobre os resultados das medidas nos poços de controle ambiental, que são justamente os que refletem os efeitos das atividades de mineração e beneficiamento de urânio. Esta obrigação tem sido cumprida", disse a comissão. "Se o alto teor de urânio da água encontrada no referido poço fosse proveniente das atividades da INB, a Cnen tomaria as devidas medidas. Neste caso específico, nos cabe apenas ratificar a recomendação da própria INB de que a água do poço não seja usada para consumo humano", informou, acrescentando que não cabe à comissão avaliar a potabilidade de água fora da área de influência dos empreendimentos que licencia. "Trata-se de responsabilidade mais afeita à vigilância sanitária."

Casos de câncer são vistos como 'rotina' em Lagoa Real
Segundo secretário, maior parte dos recursos de saúde vai para essa área, mas ligação com radioatividade é incerta

André Borges - O Estado de S. Paulo

Ao longo da estrada de terra que deixa a praça central de Lagoa Real e avança para a zona rural do município, onde vivem 80% de seus 15 mil habitantes, a caatinga é cortada por uma série de casas de taipa, erguidas com barro e madeira. Muitas delas, conforme pôde ser verificado pela reportagem, foram abandonadas por famílias que enfrentaram casos fatais de câncer.
Estudos realizados até agora não apontam vínculo entre a exploração da mina de urânio pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e os casos de câncer na região. O crescimento de tratamentos relacionados à doença, no entanto, já é claramente sentido pela prefeitura de Lagoa Real.
O secretário municipal de Meio Ambiente do município, Willike Fernandes Moreira, relata que os casos de câncer passaram a ser tão frequentes no município que atualmente absorvem a maior parte dos recursos que a prefeitura dispõe para a área de saúde. Como são complexos, o dinheiro é gasto com as duas ambulâncias da cidade, que levam pacientes para serem tratados em Salvador, a 620 quilômetros de distância, ou até mesmo em São Paulo, a 1.420 quilômetros. "É uma situação grave. Nós não temos dados oficiais de câncer na região, mas sabemos que está matando muito", diz Moreira.
"Já são uma rotina de assistência para a prefeitura, infelizmente. Às vezes, conversamos com os motoristas das ambulâncias. Eles ficam abismados com o número de biópsias", diz o secretário. "Há mais de 15 anos, não se ouvia falar nisso. Agora é o tempo todo, mas a causa disso a gente não sabe qual é. Não podemos culpar ninguém, nem mesmo o urânio. Mas que é algo muito preocupante, isso é."
Em Caetité, na comunidade conhecida como Riacho da Vaca, ao lado da mina de urânio da INB, mora Elenilde Alves Cardoso, que há 19 anos é agente da Secretaria Municipal de Saúde. Seu trabalho é visitar a população local, identificar problemas de saúde e dar encaminhamento. "Temos só 50 famílias nessa vila, 180 pessoas. Dessas, 27 passaram a ter problemas de hipertensão", disse. "Tem acontecido de crianças nascerem com anomalias. Também é muito comum animais nascerem com problemas de formação. No último ano, tivemos dois casos de óbito por causa de câncer."
Morador de Lagoa Real, Sebastião José Gerino conta que, dois meses atrás, sua filha, que está grávida de 7 meses, perdeu o marido, de 33 anos. Entre a descoberta do câncer e a morte, foram 45 dias. "As pessoas falam muita coisa sobre as causas da doença, mas é difícil saber o que aconteceu", disse.
Fiocruz. Um relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em abril de 2014 se propôs a fazer um levantamento de casos de câncer na região, mas enfrentou limitações, por causa das dificuldades em coletar dados oficiais. O estudo, que teve participação da organização francesa Commission de Recherche et d'Information Indépendantes sur la Radioactivité (Criirad), registrou oficialmente 21 casos de câncer na região da mina de urânio entre 2005 e 2014. Outros 113 casos foram levantados desde o início da exploração da mina, em 2000, mas não puderam ser confirmados, por causa de restrições, como falta de documentação fornecida pela família.
Segundo os especialistas, é comum a situação em que óbitos e tratamentos de câncer são registrados em outros locais, como Salvador e São Paulo, para onde segue a maioria dos pacientes. Moradora a poucos metros da cerca que delimita a área restrita da INB, Vidália Maria de Jesus, de 62 anos, diz que apoia a presença da INB. "As pessoas falam da água daqui, mas a gente ouve da INB que não tem problema. Então, eu acho que não tem mesmo. Doença é coisa que anda no mundo, seu menino. Não fica parada assim não", afirma ela, que também tem um filho empregado nas instalações da estatal federal.
"Eles ajudam a gente, trazem uma cesta básica de vez em quando, dão um pão pra gente, então não pode reclamar, não está certo", diz Vidália. "Eu vou construir uma casinha bem ali, do lado da mina."

OESP, 23/08/2015, Metrópole, p. A22

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