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Ao trabalhar com públicos "invisíveis", ONGs têm dificuldade em escalar impacto

Valor Econômico - https://valor.globo.com/brasil/esg/noticia/2023/07/14/
14 de Jul de 2023

Ao trabalhar com públicos "invisíveis", ONGs têm dificuldade em escalar impacto
Falta de conhecimento completo por parte de políticos, empresas e sociedade sobre os desafios enfrentados por catadores de resíduos, ribeirinhos e quilombolas da Amazônia, pequenos vendedores informais e pequenas comunidades agrícolas do sertão nordestino, destacam organizações, organizações do terceiro setor ao Prática ESG

Por Naiara Bertão, Prática ESG - Antigua Guatemala, Guatemala 14/07/2023 07h30

Catadores de resíduos, ribeirinhos e quilombolas da Amazônia, pequenos vendedores informais e pequenas comunidades agrícolas do sertão nordestino têm algo em comum: a invisibilidade. É o que destacam organizações não governamentais (ONGs) que trabalham com esses públicos em entrevista ao Prática ESG, ao relatar as dificuldades que têm de enfrentar para escalar os projetos. Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), Associação Nacional dos Catadores (Ancat) e Aliança Empreendedora, durante evento da Coca-Cola América Latina na Guatemala, ocasião em que a empresa lançou o programa Aliados, para incentivar conexões entre as organizações parceiras.
Por invisibilidade, eles entendem a falta de conhecimento completo por parte de políticos, empresas e sociedade sobre os desafios enfrentados por essas pessoas para conseguirem trabalhar e melhorar sua qualidade de vida. Essa situação acaba levando à dificuldade de conseguir recursos dos setores privado e público.
No caso dos ribeirinhos e quilombolas da Amazônia, por exemplo, as longas distâncias entre suas comunidades até as cidades maiores, somado ao isolamento tecnológico pela falta de energia elétrica e, consequentemente, internet, atrapalha o desenvolvimento local.
"As pessoas precisam ir embora para estudar e trabalhar e, com isso, perdem, muitas vezes, o vínculo com sua região", diz Valcleia Soledad, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS). Ela conta que ela mesma teve que se separar de seus familiares e amigos quando jovem porque não havia oportunidades na comunidade quilombola que nasceu e cresceu. Está desde o início na FAZ, organização que nasceu para manter a floresta em pé, mas pensando em ações com as comunidades tradicionais, como educação voltada para valorização do território e empreendedorismo por meio da bioeconomia.
"A gente quer ver a mudança, isso é possível. Mas só é possível quando temos parceiros, aliados que têm o mesmo propósito", diz, se referindo a empresas que patrocinam as iniciativas pagando por serviços ambientais.
Ao ano, impacta cerca de 9 mil famílias, de 27 municípios. Parte do trabalho da FAS é levar água potável para as famílias isoladas da Amazônia, aliado a educação ambiental para conservação da água doce e gestão correta de resíduos. Também promove a limpeza de igarapés na região de Manaus (AM). Apesar de muitas estarem próximas a algum rio, nem sempre é água limpa e própria para consumo. Um problema apontado por Soledad, por exemplo, é a contaminação por mercúrio.
Uma pesquisa recente feita por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil identificou que peixes consumidos pela população em seis estados da Amazônia brasileira têm contaminação por mercúrio com concentração do metal 21,3% acima do permitido. O mercúrio pode causar problemas de saúde graves em seres humanos. A hipótese é que a contaminação se deve a garimpo ilegal de ouro na região.
"A água é energia dignificam as pessoas", diz Soledad, se referindo a questões de higiene pessoal, melhora da saúde e ainda a possibilidade de agregar valor às mercadorias produzidas ou coletadas nas comunidades. Mas, como o foco da FAS é desenvolvimento econômico e social da região, o trabalho precisa ser 360o.
"Ajudamos mulheres a se organizarem para empreender, oferecemos educação para terceira infância, ajudamos a construir escolas, igrejas e canais para escoar produtos, entre outros", conta a executiva. Para manter os 164 colaboradores, as doações de empresas são fundamentais, assim como incentivos e benefícios públicos. "O que queremos e esperamos de empresas parceiras é nos ajudar no processo de construção de projetos e, principalmente, que mantenham o relacionamento com o terceiro setor", disse Soledad.
Outra instituição que trabalha fora dos holofotes e com um público pouco atrativo para grandes empresas e políticos é a Sisar. Marcondes Ribeiro, presidente e fundador da organização há 30 anos, explica que o atendimento de empresas de saneamento e água potável a famílias da zona rural no Nordeste era praticamente inexistente em muitas localidades quando ele iniciou o projeto no Ceará. "São áreas extensas com poucas pessoas para serem atendidas, muitas vezes com logística complicada; para as empresas, não compensa o investimento", conta.
Sua ideia foi facilitar a implementação de pequenas centrais de água e esgoto para grupos de produtores rurais. Mas seu diferencial é que cada localidade tem um grupo de moradores responsáveis pelo. "A gestão comunitária faz com que eles mesmos deem valor ao serviço, cuidem dos equipamentos e discutam entre si quanto deve ser cobrado por ele. Nós só facilitamos a chegada do serviço; sua continuidade depende deles", explica Ribeiro. Por dia, são atendidas 900 mil pessoas hoje.
A invisibilidade, segundo o presidente da Sisar, acaba dificultando o crescimento do negócio, uma vez que a organização tem dificuldade, por exemplo, em conseguir crédito para compra de equipamentos, ainda que tenha muito tempo de atuação e já provou sua tese. "Só conseguimos financiar maquinários recentemente com outra instituição financeira que não é a nossa, e a juros mais altos", conta. Mesmo com os obstáculos, o Sisar, com apoio de organizações como o banco de desenvolvimento alemão KfW e empresas, está expandindo sua atuação para outros Estados do Nordeste e também planeja alcançar países da América do Sul.
A limitação de crédito na praça é algo que empreendedores enfrentam diariamente no Brasil, assim como o pouco reconhecimento como geradores de emprego e força motriz da economia local. A estimativa do Sebrae é que mais de 93 milhões de brasileiros estão envolvidos com o empreendedorismo. Gestão financeira e apoio com formalização dos negócios, para empreendedores usufruírem do setor financeiro e outros benefícios é uma das frentes que a Aliança Empreendedora trabalha.
"Apoiamos microempreendedores a gerarem renda. Fazemos isso via capacitação, mentoria, aceleração para ajudar as pessoas a prosperarem e transformarem suas realidades", diz Lina Useche, diretora-executiva e cofundadora da organização. Os projetos são, geralmente, feitos em parcerias com empresas, governos e outras organizações da sociedade civil. Ao. Todo, são mais de 150 parceiros.
Outra parte do trabalho da Aliança é advocacy, por entender o papel do setor público em construir políticas de estímulo ao empreendedorismo. "Muitas políticas públicas são construídas sem a participação de seu público-alvo e isso gera distorções. Para gerar inclusão produtiva, por exemplo, é preciso chegar aos 19 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade hoje", diz. Ela acrescenta que o formato atual da Microempresa Individual (MEI) acaba afastando muita gente, principalmente quem não quer perder benefícios de renda, como Bolsa Família e seguro-desemprego, entre outros. "O empreendedor tem dificuldade de ver na prática os benefícios de se formalizar. É um desencorajamento para a formalização", diz.
A informalidade é uma grande questão para o público atendido pela Ancat, o de catadores de materiais recicláveis. A invisibilidade começa pelos números: não há dados precisos sobre quantos são (estima-se que mais de 800 mil em todo o país) e nem suas condições de vida. As poucas pesquisas existentes mais qualitativas são pontuais e com pequenos grupos. Uma parte desses profissionais está associada à cooperativas, o que facilita na hora de capacitar e informá-los sobre os direitos e benefícios da formalização. Mas uma parte relevante não está ligada a um grupo, trabalhando de forma independente.
A Ancat é a administradora de um programa de logística reversa Reciclar Pelo Brasil, no qual participam 20 empresas de diversos setores para coletar e direcionar resíduos para a reciclagem, no âmbito das obrigações da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Hoje são 280 cooperativas parceiras, que mobilizam cerca de 10 mil catadores associados. Mas, durante seus anos, a iniciativa impactou mais de 19 mil coletores e 512 associações e cooperativas especializadas no segmento. Foram R$ 346 milhões em vendas de materiais recuperados entre 2017 e 2020, de acordo com informações extraídas do site da organização.
"Nosso desafio é fortalecer, fomentar e equipar o ecossistema desses profissionais", conta Roberto Rocha, presidente da Ancat. Ele conta ao Prática ESG que a associação está em fase de conversas com outras organizações para a criação de uma espécie de "hub da cidadania", espaço para que esses trabalhadores possam regularizar documentos, aprender técnicas para se organizar melhor financeiramente, ter noções de empreendedorismo e cooperativismo, se tornar uma MEI e profissionalize seu negócio. A ideia é chegar ao Brasil, mas o primeiro hub, piloto, deve ser sediado em São Paulo.
"Eventos como o que participamos na Guatemala são importantes para gerar conexões que podem resultar em parcerias futuras. Também consigo agora perceber como os temas se conectam, água, resíduos e empoderamento econômico", conta, se referindo ao encontro de mais de 60 organizações parceiras da Coca-Cola em projetos socioambientais nos pilares água, empoderamento econômico e gestão de resíduos.
Valcleia Soledad, superintendente da FAS, também achou uma boa ideia a conexão com outras organizações: "Estamos falando não só do impacto, mas como várias instituições juntas podem contribuir para o impacto."
Segundo estudo feito pela consultoria Steward Redqueen para a empresa, durante 2021 na América Latina, o sistema Coca-Cola investiu US$ 112 milhões em programas que beneficiam o meio ambiente e geram inclusão social, por meio de programas para promover a economia circular sustentável, fortalecer a capacidade de usinas de reciclagem e cadeias de coleta; programas comunitários focados em negócios de mulheres comerciantes com dificulade de acessar crédito; e programas de água limpa e enfrentamento a mudança climática. Pelo cálculo do grupo, o fortalecimento de toda a cadeia de valor gerou um valor econômico agregado de US$ 36 bilhões ao final de 2021
A jornalista viajou a convite da Coca-Cola.

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