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Antônia, uma vida pelo Xingu

O Globo, Razão Social, p. 14
22 de Mai de 2012

Antônia, uma vida pelo Xingu

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

Foi em busca de terra que Antônia Melo acompanhou a primeira batalha na vida, aos 4 anos, no colo da mãe. O ano era 1953 e a viagem era longa. A família saíra da cidade de Piripiri, no interior do Piauí, onde todos trabalhavam como meeiros, direto para o Norte do país, em busca de lugar para plantar. O destino era a cidade de Altamira, no Xingu, onde a família viveu bem, até a terra se tornar problema novamente. O salto foi para a década de 1970, quando Antônia não só já andava com as próprias pernas como havia se tornado defensora do território. Como mulher, ela cresceu junto com a luta contra a devastação do Xingu.
Tinhosa e forte, como é descrita por companheiros do movimento, Antônia é um dos ícones do Xingu Vivo para Sempre, que articula lideranças indígenas e outros povos atingidos pelas barragens da hidrelétrica de Belo Monte, um dos principais empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo brasileiro. Oficialmente, a luta tem 23 anos, contados desde o dia em que a índia Tuíra encostou o facão no rosto do diretor da Eletronorte por conta das obras. Em vez de perder a força com o tempo, Antônia desabrochou como liderança junto com o projeto de Belo Monte. Está no auge da luta agora, após o início da construção da hidrelétrica:
- Belo Monte é inviável, está trazendo muitos impactos. A zona urbana de Altamira está superlotada. Chegaram cerca de 30 mil pessoas a mais, e não há infraestrutura. Não tem saneamento básico, água encanada. Falta moradia, a especulação imobiliária está chegando. Famílias estão indo embora. Sem falar nos índios e ribeirinhos que foram desalojados e estão sem destino. É por isso tudo que luto todos os dias.
Segundo Antônia, os problemas que têm paralisado as obras, desde licenças ambientais a greves de trabalhadores, dão gás ao movimento. A esperança das lideranças locais é que os obstáculos façam com que o governo desista de Belo Monte, mesmo depois de tanto dinheiro investido. É para esse motivo que a cearense adotada pelo Xingu se articula todos os dias com movimentos no Brasil inteiro.
Não é a toa que ela foi a única escolhida entre os 13 filhos da família para sair da zona rural, onde eles plantavam arroz e feijão, além de criar gado. Ela foi enviada pelo pai, na adolescência, para estudar em regime de internato. Depois de nove anos, formou-se no magistério e voltou à comunidade rural de onde saiu para dar aulas. Era o momento de efervescência das comunidades eclesiais de base, onde ela começou a luta política, primeiramente ligada à defesa das mulheres.
- Matavam muitas mulheres aqui, em nome da honra.
Era um machismo absurdo e culturamente aceito. Se achassem que, de alguma forma, a mulher estava traindo, matavam. E as autoridades não se importavam. No bojo disso tudo, surge a Transamazônica, que só piora a situação, trazendo mais crimes. Aí a luta se intensificou.
Já casada, Antônia voltou para a zona urbana de Altamira, onde teve dois filhos. Belo Monte ainda não tinha saído do papel, mas voltou à pauta em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso. O empreendimento continuou no papel, quando, em 2008, com a discussão em alta, os povos indígenas se encontram em Altamira para programar a resistência. É nesse evento que surge o nome Xingu Vivo Para Sempre, mantido até hoje.
Às vésperas da Rio+20, o grupo pretende chamar atenção para o início das obras no empreendimento, e fará uma reunião preparatória para a participação na Cúpula dos Povos, evento paralelo à conferência das Nações Unidas, que se chamará Xingu+23. É essa luta que faz hoje Antônia bater a porta de cada morador da cidade de Altamira e dos governantes, para falar sobre Belo Monte. E a esperança não morre, porque, para ela, terra é assunto sério.

SITE xinguvivo.org.br

Enquanto a Rio é +20, o movimento Xingu é +23

Embora não tenham representantes dentro da conferência oficial das Nações Unidas, a Rio+20, os povos do Xingu já estão preparando as malas para desembarcar no Rio de Janeiro. Lideranças do movimento Xingu Vivo Para Sempre vão participar da programação da Cúpula dos Povos, evento que acontecerá em paralelo à Rio+20, no Aterro do Flamengo. Uma atividade já programada vai levar ao público uma discussão sobre a implantação e os impactos da hidrelétrica em si, no dia 21 de junho. O documentário"Belo Monte: o anúncio de uma guerra" será lançado no evento e, além disso, haverá uma manifestação contra as obras no Xingu. Segundo a coordenadora de comunicação do movimento, Verena Glase, a Cúpula será um momento essencial para que a sociedade civil veja Belo Monte sob a perspectiva dos povos afetados:
- Temos aliança de povos dos quatro rios afetados por hidrelétricas: Madeira, Três Pires, Tapajós e Xingu. Estarão todos juntos no Rio de Janeiro.

O Globo, 22/05/2012, Razão Social, p. 14

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