VOLTAR

Antes que falte água

CB, Cidades, p.26-28
06 de Dez de 2003

Antes que falte água
Condomínios serão incluídos no plano da Caesb para ampliar a oferta de recursos hídricos. Obras estão previstas para começar em 2004 , com possibilidade de moradores dividirem os custos com o governo

Samanta Sallum

A contagem regressiva começou. Num prazo de no máximo cinco anos, o Distrito Federal terá de buscar alternativas para garantir água aos brasilienses. A projeção é de que, dentro de 25 anos, a capital tenha 3,4 milhões de habitantes, o que obrigará a Companhia de Saneamento de Brasília (Caesb) a dobrar a atual oferta de água para a população. E em 2008 terá de captar recursos hídricos de novos pontos para não correr risco de racionamento no futuro próximo.
Estudo da Caesb já alerta para o grande aumento da demanda por água e, principalmente, aponta que existe hoje uma considerável parcela de população que precisa ser logo atendida. São os 400 mil moradores dos condomínios irregulares espalhados por toda a capital que estão à margem do sistema oficial de abastecimento.
0 Governo do Distrito Federal não tem mais como ignorar a necessidade dessas regiões que captam água de córregos e nascentes de forma clandestina, abusam dos poços artesianos e dependem de caminhão-pipa. Para resolver o problema, a Caesb incluiu os condomínios no Plano Diretor de Água do DF, que será concluído até o final deste mês.
Os projetos para o sistema de abastecimento dos condomínios estão prontos. Batizado pela Caesb de projeto Sanear, o plano vai exigir R$ 250 milhões para tornar-se realidade. A expectativa da empresa é iniciar as obras no próximo ano. Os 18 condomínios da região do Jardim Botânico, nas redondezas da Escola Fazendária, seriam os primeiros loteamentos contemplados de acordo com o planejamento da Caesb. A empresa pretende propor uma parceria com os moradores para dividir os custos das obras.
Plano diretor
Dois obstáculos dificultam o início do plano: a escassez de verbas e também das fontes de fornecimento de água. Os condomínios representam uma expansão de mercado de 25% para a Caesb. Para atender a essa demanda, é necessário traçar um planejamento de oferta de água que não coloque em risco o meio ambiente. A solução para garantir o abastecimento, não somente dos condomínios como da futura população do DF, está no Plano Diretor de Água.
0 estudo, que está em fase final, faz uma projeção de consumo até 2030. Hoje, para abastecer cerca de 1,8 milhão de pessoas, a Caesb tem de produzir 8,3 m3 de água por segundo. Em 2030, serão necessários 16,5 m3, ou seja, o dobro de água. A população prevista é de 3,4 milhões de habitantes.
A demanda mais urgente é a dos condomínios. 0 estudo da Caesb identificou que a maior concentração de loteamentos está em Sobradinho, com 102 parcelamentos. Planaltina vem em segundo lugar, com 86 conjuntos habitacionais. Também se concluiu que a maioria dos moradores de condomínios é de classe média.
"Já existe decreto do governador de 1999 e lei distrital que autorizam a Caesb a fazer as obras nos condomínios", aponta Fernando Leite, presidente da companhia. De acordo com o decreto, a prioridade é atender regiões onde há risco à saúde pública e dano ao meio ambiente por causa da captação de água com perfurações de poços.
Fernando Leite esclarece ainda que as obras não significam regularização. "0 fato de a Caesb levar água a essas regiões não pode caracterizar posse dos lotes pelos ocupantes. A Caesb não tem poder sobre a questão fundiária."
Recursos limitados
"Brasília tem a peculiaridade de estar numa região alta, que é de nascentes. Isso significa que temos água de boa qualidade, porém não em fartura. Aqui não existem grandes rios. Por isso, é necessário fazer represas como a Barragem do Descoberto", explica Sotto Maior.
Os projetos da Caesb são ambiciosos. 0 presidente da empresa, Fernando Leite, garante que em 2004 o Distrito Federal terá saneamento básico em 100% das casas atendidas com água pela Caesb. Hoje esse índice é de 95%. O tratamento do esgoto passará de 66% hoje para atingir 75% dos domicílios. Já está confirmada o início das obras do sistema de esgoto do Lago Sul e Norte.
"Também acabamos de fechar dois convênios importantes. Um com empresa alemã de saneamento que será nossa parceira em obras no Entorno e com a UnB. A universidade será uma fiscalizadora da qualidade de nossa água', adianta Fernando Leite, presidente da Caesb.
Entre as ações para ampliar a oferta de recursos hídricos, a Caesb já levou água a ocupações irregulares com perfil de baixa renda como Estrutural e condomínio Arapoanga. Na próxima quinta-feira, será inaugurado o sistema de abastecimento da invasão do Itapuã, que tem 40 mil habitantes em terras do governo federal. (S.S.)

Plano para São Bartolomeu

0 Plano Diretor de Água do Distrito Federal, que será concluído até o final do mês, vai apresentar 25 alternativas de captação de água. Os projetos têm custo de R$ 500 milhões a R$ 700 milhões. Na avaliação preliminar da área técnica da Caesb, a solução mais viável é de número 11, ou seja, a que conjuga quatro mananciais: o Rio São Bartolomeu, o Rio da Palma da Bacia Maranhão, Rio do Sal e o Rio Areias, no ponto em que se. tornará um braço do futuro Lago do Corumbá IV (leia" mapa ao lado).
Para evitar risco da falta' de água, em 2008 já será necessário explorar o Rio São Bartolomeu, que até agora não sofria captação pela Caesb. "0 Plano Diretor de" Água é a base de qualquer, plano de expansão habitacional e de desenvolvimento econômico do DF", reforça Rubem Sotto Maior, gerente de Planejamento da Diretoria Técnica da Caesb. 0 projeto foi encomendado em 2000 e resultou na análise de 390 loteamentos.
0 plano prevê a construção de uma rede de captação direta até o Rio São Bartolomeu, que poderá fornecer a maior parte necessária de água até 2030, cerca de 3 m3 por segundo. A obra de Corumbá IV, que o Governo do Distrito Federal está realizando no estado de Goiás,' é também fundamental. Com a conclusão da barragem, um grande lago será formado, onde vai desaguar, o rio Areias. E nesse ponto a Caesb poderá puxar mais 3 m3 de água por segundo.

Moradores racionam consumo
Dificuldade em captar água e o alto consumo da população têm levado condomínios a revezar o fornecimento entre as quadras. Loteamentos retiram do solo 14 % do volume que a Caesb usa em todo o DF

Marcelo Rocha

Os condomínios retiram.m hoje do subsolo do Distrito Federal pelo menos 1,7 bilhão de litros.' de água por, mês para abastecer 400 mil moradores. Isso representa 14% do volume que a Companhia de Abastecimento (Caesb) usa pára garantir o consumo de 1,9 milhão de habitantes do DF. Tanta abundância, porém, não tem sido suficiente. Responsáveis pela administração de vários loteamentos lidam diariamente com o racionamento de água,
Mesmo com três poços jorrando água 24 horas por dia, no Ville de Montagne é preciso revezar.o fornecimento entre as quadras para garantir o abastecimento diário nas 620 casas e 222 construções. "Se ligar tudo de uma vez, falta", ,diz o síndico José Lurtiz Alves de; Lima, 51 anos, presidente da associação de moradores. Segundo ele, nos meses de seca a situação é crítica. "Querem manter os jardins verdes, mas não dá", condena Lurtiz.
Moram no lugar, situado na região do Jardim Botânico, 2,5 . mil pessoas. A média de consumo é de 800 litros /dia por habitante - acima do Lago Sul (600 litros /habitante), o mais elevado do DF A Organização mundial de Saúde (OMS) recomenda que o consumo diário de água seja, no máximo, de 200 litros por pessoa. A média do brasiliense, hoje, é de cerca de 190:
A exemplo do que ocorre na maioria dos loteamentos, a água no Ville de Montagne.é sugada de uma profundidade média de 150 metros. Os três poços produzem juntos 72 mil litros por hora e alimentam quatro reservatórios com capacidade para armazenar 225 mil litros. No relatório dá Caesb, não há informação sobre a qualidade da água, mas o síndico garante que é boa.
O Quintas da Alvorada III, também situado na região do Jardim Botânico, tem apenas 200 moradores, mas não se livrou da limitação dos recursos hídricos.
Adota um procedimento parecido ao Ville de Montagne. As bombas de sucção funcionam apenas no período da manhã. "Os moradores têm que, dosar a:água no restante do dia", explica o síndico Rui Menezes; 64.'
Chegada da Caesh
Estima-se, de acordo com levantamento recente da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), que 80% de todos os poços perfurados no DF se situem em condomínios; Os demais ficam em locais abastecidos pela Caesb, como Lago Sul e Park Way, onde moradores furam poço para economizar dinheiro e manter os jardins verdes e as piscinas cheias. Os demais, ficam em áreas' agrícolas e a água é usada para irrigar plantações. Cerca de 50% da água retirada dos poços serviriam para alimentar as nascentes.
Sem contar com ó sistema oficiai de abastecimento, os poços tubulares profundos, ou artesianos, são à principal fonte de água dos condomínios irregulares. Há casos de 12 poços num único condomínio, "Estamos ansiosos pela chegada da Caesb, mas enquanto isso não acontece teremos que continuar usando os poços artesianos para ter água", diz José Lurtiz.
Depois de retirada do poço, a água segue pára imensos reservatórios com capacidade até pás ra 100 mil litros; Entra, em segui; da na rede de distribuição e chega às casas - bem nos moldes do sistema da Caesb. As residências contam com caixas d' água. Na radiografia realizada em 390 parcelamentos irregulares do DF entre os anos de 1999 e 2000, a Caesb descobriu que nascentes e córregos também têm servido de fonte de abastecimento .

Poços são a alternativa da maioria
0 condomínio Quintas da Alvorada III já recorreu ao córrego Taboca. Mas a alternativa de abastecimento foi preterida por causa da qualidade da água que chegava às torneiras. "Ela era muito barrenta, não prestava nem pára lavar roupa", comenta o síndico Rui Menezes, 64 anos. Além disso, a opção era cara porque exigia estação de tratamento. "Mesmo com o cloro, a água continuava barrenta ,acrescenta Menezes.
Nessa época, o vaivém de caminhões-pipa era intenso nas ruas do condomínio.'Os administradores resolveram, então, contratar' uma empresa para perfurar um poço artesiano com 264 metros de profundidade, de onde jorram, por hora, 5 mil litros d' água. "Tem sido o suficiente para os 200 moradores do Alvorada HF, garante Rui Menezes. 0 custo da obra foi rateado entre os 67 proprietários. Cada um paga R$ 30 mensais as parcelas vão durar um ano.
Na região do Colorado, o condomínio Império dos Nobres também retira do subsolo água para garantir o abastecimento a 2,5 mil pessoas. São dois poços de 120 metros que funcionam 12 horas por dia para encher dois reservatórios, de 50 mil litros cada. 0 serviço é explorado por uma empresa terceirizada, e cobrado mensalmente na taxa de condomínio.
No' relatório da Caesb, não houve informação sobre a qualidade da água no Império Os Nobres. O subsíndico do condomínio, Madson Carneiro, garante que a água é boa. "Não podemos apenas retirar água. É preciso fazer a reposição", conta. A administração mantém preservadas quatro nascentes dentro do condomínio, além de manter áreas verdes para reter a água . Em breve, no condomínio Ville de Montagne, o consumo será taxado. Todas as casas do lugar terão hidrômetros. 0 sindico José Lurtiz já tem em mãos autorização do GDF para fazer a cobrança. De início, a administração vai oferecer um bônus de 10 mil litros por mês para cada unidade residencial. Aplicará 90% da taxa da Caesb para cobrar o excedente.

O mapa do abastecimento
Amostra de estudo realizado pela Caesb aponta várias realidades no consumo de água em 56 condomínios do Distrito Federal. Maioria tem abastecimento de qualidade, mas alguns apresentam situações de risco

Samanta Sallum e Marcelo Rocha

A Caesb realizou um minucioso levantamento nas ocupações irregulares do Distrito Federal para verificar as necessidades dessas regiões. Na pesquisa foi traçado um perfil dos condomínios que rev ela o mapa do abastecimento clandestino de água na capital. O estudo, ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, identificou entre 1999 e 2000 como os moradores de 390 parcelamentos garantem a água no seu dia-a-dia. As informações serviram de base para o Plano Diretor de Água do DF que está sendo concluído esse mês.
O material toma como amostra 5 6 condomínios (leia tabela abaixo) que representam diversas realidades. H á condomínios com sistemas sofisticados q eu at é garantem boa qualidade da água. Mas existem aqueles onde a saúde dos moradores é colocada em risco com formas improvisadas de abastecimento.
Cerca de 1/3 dos condomínios pesquisados já conta com sistema de distribuição de água, o que torna mais rápidas as futuras obras da Caesb. Na pesquisa foi observado se os condomínios perfuraram poços artesianos, se captam água de córregos e nascentes ou necessitam de caminhões-pipa. Os técnicos chegaram a fazer avaliação preliminar da qualidade de água consumida nessas regiões. E também foi checada a situação do esgoto.
Lençol freático
A maioria dos condomínios consegue consumir água de boa qualidade. A maior parte se utiliza de poços profundos, puxando água do lençol freático. Com isso, há risco de dano ambiental. No outro extremo, a água que vem de córregos poluídos ou de caminhão pipa clandestino pode provocar doenças.
'Nos preocupamos com a saúde pública e a questão ambiental. A gente não pode fingir que existem milhares de pessoas consumindo água que não é tratada', diz Fernando Leite, presidente da Caesb. Quanto ao início das obras nos condomínios, a Caesb prefere ainda esperar a definição pela Terracap do modelo de regularização.

CB, 06/12/2003, Cidades, p. 26-28

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.