VOLTAR

Antes do que se esperava

O Globo, Amanhã, p. 10-11
20 de Ago de 2013

Antes do que se esperava
Novas pesquisas indicam que mudanças climáticas acontecem mais depressa do que o previsto e podem provocar um aumento do nível do mar de quase 5 metros

Justin Gillis
Do New York Times

Há 35 anos, o cientista John Mercer estava preocupado com as consequências das emissões de gases do efeito estufa para o clima global. Naquela época, já havia fortes indícios de que o homem provocaria o aquecimento do planeta. Num artigo publicado revista "Nature" intitulado "West Antarctic Ice Sheet and CO2 greenhouse effect: A threat of disaster" ("A cobertura de gelo na Antártica Ocidental e o efeito estufa: a ameaça de um desastre", em tradução livre), Mercer apontou para a topografia incomum da camada de gelo do continente.
Grande parte deste território está abaixo do nível do mar, como se fosse uma espécie de bacia. O aquecimento climático poderia causar um impacto rápido, considerando a escala geológica do tempo, e provocar um aumento do nível do mar de quase 5 metros, bem maior do que o previsto.
Hoje, há estágios iniciais do provável aumento substancial do nível do mar, mas ainda não se sabe se Mercer estava certo quanto à velocidade do fenômeno. Entretanto, chegamos mais perto de descobrir isso. Uma nova pesquisa foi publicada por Michael O'Leary, da Universidade de Curtin, na Austrália. O cientista passou mais de 10 anos estudando a costa ocidental da Austrália, um dos melhores lugares do mundo para analisar o nível do mar no passado. O trabalho, publicado na revista "Nature Geoscience", se concentra no período de aquecimento que precedeu a era glacial mais recente, que começou 130 mil atrás e durou 15 mil anos. Neste período, a temperatura do planeta era semelhante aos níveis que poderemos ver nas próximas décadas como resultado das emissões humanas.
Por isso, é considerado um possível indicador de que está por vir.
Examinando fósseis e recifes de coral ao longo de mais de milhares de quilômetros de costa, os pesquisadores confirmaram que, no mundo mais quente do passado, o nível do mar ficou estabilizado por vários milhares de anos em cerca de 3 metros acima do atual. A parte interessante é o que aconteceu depois disso. O grupo liderado por O'Leary encontrou uma evidência de que, há mais de cem mil anos, o nível do mar subiu novamente mais de 5 metros, para chegar a aproximadamente 9 metros acima do nível atual, antes de começar a cair com a nova era glacial. De acordo com os cálculos de O'Leary, o salto de 5 metros aconteceu em menos de mil anos. Mas o cientista não sabe ainda especificar o período exato.
A pesquisa pode ser encarada como uma espécie de vingança por um dos pesquisadores da equipe, o geólogo de Carolina do Norte, Paul Hearty. Ele afirma, há décadas, que há rochas com os indícios deste salto do nível do mar. Mas só recentemente as técnicas de medição e modelagem têm a precisão necessária para elucidar o caso. Especialista em análise do nível do mar, Andrea Dutton, da Universidade da Flórida, não está envolvida neste trabalho. Ela ressalta que o artigo publicado pela equipe de O´Leary não fornece informações suficientes para permitir que ela julgue as conclusões de seus colegas. Porém,
ressaltou que, caso o trabalho se sustente, as implicações serão profundas. A única explicação possível para um salto tão rápido no nível do mar é o colapso catastrófico de uma camada de gelo polar.
O fato é que um aumento de 5 metros do nível do mar em menos de mil anos pode ser considerado um instante geológico. A explicação para este fenômeno deve estar associada a instabilidades em uma ou em ambas camadas de gelo do Norte ou do Sul, que, em um clima mais quente, podem desencadear o fenômeno. Não é, portanto, uma boa notícia para os seres humanos. Cientistas da Universidade de Stanford calcularam que as emissões humanas estão fazendo com que as mudanças climáticas sejam muitas vezes mais rápidas do que em qualquer momento da história desde o tempo do desaparecimento dos dinossauros. Caso as camadas de gelo tenham mesmo algum ponto crítico, há uma boa chance de o ultrapassarmos.
Em outro trabalho recente, liderado por Anders Levermann, do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha, pesquisadores mostram que, mesmo se as emissões parassem, nós provavelmente enfrentaríamos vários metros de elevação do nível do mar ao longo do tempo. Isso não quer dizer que o controle de emissões deixou de ser importante. Segundo Benjamin Strauss e seus colegas da Climate Central, um grupo independente de cientistas e jornalistas de Princeton, traduziu em gráficos os estudos de Levermann. De acordo com seus cálculos, caso as emissões continuem na velocidade atual, o aumento do nível do mar em 2100 deverá ser de 7 metros. Mas, se houver cortes agressivos nos lançamentos de gasesestufa, o aumento se limitaria a 2 metros.
Mas exatamente em quanto tempo isto deverá acontecer? Se o nível do mar subir por 9 metros ao longo de vários milhares de anos, haverá tempo para se adaptar. Mas, se for capaz de subir vários metros por século, como a pesquisa de O'Leary parece indicar, e como muitos outros cientistas acreditam, isto pode significar que as crianças recém-nascidas poderão viver para ver os estágios iniciais de um aumento radical do nível do mar.

O Globo, 20/08/2013, Amanhã, p. 10-11

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.