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Antes das usinas do Rio Madeira, investidores chegam a Porto Velho

OESP, Economia, p. B9
02 de Dez de 2007

Antes das usinas do Rio Madeira, investidores chegam a Porto Velho
Cimento Votorantim, Atacadão, incorporadora Gafisa e outros empreendimentos vão se instalar na cidade

Renée Pereira

O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira já está sendo considerado o quarto ciclo econômico de Rondônia, depois da ferrovia, da extração da borracha e do garimpo. De olho nesse potencial, grandes grupos industriais e comerciais já começaram a fincar suas bandeiras na região de Porto Velho, cidade desenhada pelo americano Percival Farquhar, o homem que ousou levar adiante a trágica e ambiciosa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Entre as empresas que estão mexendo com a rotina da população estão Votorantim, Atacadão, Gafisa, C&A, Riachuelo e Grupo Ancar, entre outros.

Além dos cerca de R$ 20 bilhões de investimentos nas duas hidrelétricas (Santo Antonio e Jirau), o Grupo Votorantim já comprou terreno na região para construir uma fábrica de cimento no ano que vem, segundo a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero). A expectativa é que a unidade, de cerca de R$ 300 milhões, produza 1 milhão de toneladas de cimento ao ano e atenda à demanda do Complexo do Madeira, que vai gerar 6.450 MW de energia para o País.

Outro mercado que será suprido pela empresa é o setor imobiliário, que vive boom de construção em todo o Estado. Hoje há cerca de 29 prédios entre 3 e 24 andares sendo levantados, além de 21 condomínios e conjuntos habitacionais, segundo dados do Conselho Regional de Engenharia de Rondônia (Crea-RO).

Para o presidente da entidade, Geraldo Sena, isso representa 184 mil m² de construção em todas classes de consumo. A grande maioria dos empreendimentos está em Porto Velho, onde a verticalização já é visível. Há construção de prédios espalhada por todo o município.

A onda de progresso chamou a atenção inclusive da paulista Gafisa que fez uma joint venture com a GM Engenharia, confirmou o presidente da Fiero, Euzébio André Guareschi, dono da construtora local. Ele comenta que a parceria vai resultar na construção de 4 mil unidade nos próximos quatro anos, contando a partir do ano que vem. Nesse setor, há rumores de que a próxima a desembarcar na cidade é a Tecnisa.

Outro símbolo do desenvolvimento é a construção de dois shoppings centers na capital, a serem inaugurados em 2008, comenta o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas e diretor do Sebrae, Osvino Juraszek. O Porto Velho Shopping, do grupo Ancar, e o Porto Madeira Shopping, do grupo Planco, estão sendo aguardados com ansiedade pela população, que hoje só conta com comércio de rua na cidade. Os dois empreendimentos terão algumas salas de cinemas, lojas âncoras, como C&A e Riachuelo, grifes famosas e hipermercados, além de outros serviços.

Em breve, a população também passará a contar com uma unidade do Atacadão, do grupo francês Carrefour. Os empresários da cidade garantem que a empresa comprou um terreno para a construção de um hipermercado em Porto Velho. A empresa não confirma a aquisição. Segundo o presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci), Flaézio Lima, a empresa teria comprado o terreno pelo dobro do preço.

"Os preços estão subindo bastante na cidade. Acho que depois do leilão da usina de Santo Antônio a procura por locais deve aumentar ainda mais. Tem muita gente aguardando a concessão", diz Lima. Hoje o preço de um apartamento em Porto Velho está em torno de R$ 2 mil o m². Ou seja, um imóvel de 70 m² custa em torno de R$ 140 mil - próximo aos valores cobrados em São Paulo.

Com os negócios pipocando na cidade, os empresários estão preocupados com a oferta de mão-de-obra. Segundo dados das entidades do Estado, Porto Velho tem cerca de 30 mil desempregados, de baixa qualificação profissional. A construção das duas usinas vai criar cerca de 20 mil empregos diretos e a expectativa é absorver a mão-de-obra local. Por isso, a Fiero, em parceria com o Senai, tem treinado em torno de duas mil pessoas para a construção civil. Em 2008, espera-se qualificar mais 3 mil trabalhadores.

Moradores aderem ao 'Eu sou a favor das hidrelétricas'
Às vésperas do leilão da Hidrelétrica de Santo Antônio (3.150 MW), marcada para o dia 10, o burburinho tomou conta da capital Porto Velho, uma cidade de 380 mil pessoas. Afinal, depois de tantos anos, ninguém mais acreditava que o complexo pudesse sair do papel. Mas ainda tem muita gente que não põe fé na realização dos empreendimentos, seja por força de manifestações ou mudança nos rumos do governo.

Por lá, o debate sobre a construção das hidrelétricas é caloroso, pior do que discutir política, futebol ou religião. Entre os defensores do projeto, a construção das usinas é a oportunidade de novos tempos. Para eles, se o nascimento do município ocorreu com a ferrovia Madeira-Mamoré, seu crescimento e desenvolvimento virão com as hidrelétricas do Rio Madeira. A opinião está estampada nos carros que circulam pelas ruas da cidade com o adesivo 'Eu sou a favor das hidrelétricas'.

Do outro lado, estão ambientalistas e moradores preocupados com o impacto que as usinas vão provocar na região, já bastante devastada por queimadas e corte de árvores. Alguns terão de deixar suas casas, pois a área será alagada ou usada como canteiro de obras. No caso de Santo Antônio, que ficará 7 km de distância da cidade de Porto Velho, o lago será de 217 km² e, de Jirau, 258 km².

Mas, com ou sem impacto, a construção das usinas não tem volta. O governo conta com a energia das hidrelétricas (de quase R$ 20 bilhões de investimentos) para salvar o País de um novo racionamento nos próximos anos. Os empresários da região alertam, porém, que não se pode salvar o resto do País e esquecer o Estado. É preciso ter compensações.

Eles defendem um conjunto de medidas para evitar o estrangulamento de Porto Velho com a chegada de migrantes atraídos pelas promessas de crescimento da região. A estrutura atual da capital não comporta o crescimento previsto, de cerca de 100 mil pessoas.

Hoje, apenas 2% da população do município é atendida por redes de coleta de esgoto e 30% têm serviço de abastecimento de água. São os piores índices entre as capitais brasileiras, que garantem baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para amenizar o problema, o governo federal destinou R$ 650 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outro problema a ser enfrentado é o tráfego de veículos na cidade, que tem crescido entre 10% e 12% ao ano.

'Me disseram que ainda vai demorar bastante para tirarem a gente daqui'

As notícias sobre a construção das hidrelétricas do Rio Madeira ainda não conseguiram convencer o pescador e artesão Mario Pereira da Silva de que ele terá de deixar seu barraco, no bairro de Teotônio, para a formação do lago da usina. Considerado o melhor artesão de redes de pesca da comunidade, ele acredita que ainda vai demorar uns dez anos para a hidrelétrica sair do papel.

"Ainda nem pensei no que vou fazer para sobreviver, mas ainda tenho tempo. Me disseram que vai demorar bastante para tirarem a gente daqui", comentou o morador, que já nem lembra mais há quanto tempo está em Teotônio. No bairro, também moram o pai, irmãs, genros e sobrinhos. Todos sobrevivem da pesca e não sabem para onde ir com a desapropriação das terras. A empresa terá de indenizar os moradores, mas o problema é que dificilmente eles se adaptariam à rotina da cidade. Para continuar pescando, terão de encontrar um local para baixo da barragem de Santo Antônio.

Muitos outros moradores passam pela mesma situação da família Silva. De acordo com dados de Furnas, uma das empresas que vão concorrer no leilão das hidrelétricas - no total mil famílias, ou três mil pessoas -, terão de deixar suas casas para dar lugar às usinas.

É o caso de João Bosco Pereira, de 57 anos. Ele nasceu na comunidade e é dono de uma lanchonete que vai ficar embaixo d'água quando a represa for formada. Durante todos esses anos, Pereira nunca quis deixar o bairro, como fizeram os seis filhos, que hoje moram na cidade de Porto Velho.

Ele lembra com detalhes a época de criança, quando o acesso a Teotônio só era feito por água. "Daqui a gente só saía de canoa. Não havia a estrada", conta. Além de Teotônio, o distrito de Mutum Paraná também deixará de existir.

Na disputa, geradoras, construtoras e bancos
Todos acumulam experiência em construção ou operação de usinas

Leonardo Goy

Mesmo com todas as confusões que marcam, desde o início, o processo de leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, a licitação atraiu algumas das principais companhias que atuam no setor no Brasil.

As empresas que vão participar da disputa, marcada para o dia 10, acumulam na sua área de atuação significativas experiências em construção ou operação de usinas.

As construtoras inscritas para o leilão - Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa - têm em seus currículos as obras das maiores hidrelétricas do País. As três participaram da construção de Itaipu (12.600 megawatts) e a Camargo e a Odebrecht, da obra de Tucuruí (8.630 MW). As empresas geradoras de energia que estão no leilão - Cemig, CPFL, Suez, Endesa e as estatais Furnas, Eletrosul e Chesf - estão entre as maiores do setor.

Somente a Chesf, estatal do sistema Eletrobrás que atua principalmente no Nordeste, possui parque gerador de mais de 10 mil MW. Ela opera usinas como Paulo Afonso (4.279 MW) e Sobradinho (1 mil MW).

Furnas, outra estatal - responsável, com a Odebrecht, pelos estudos de viabilidade das usinas do Madeira -, gera 9.900 MW em projetos próprios ou com parceiros, no Sudeste e Centro-Oeste. Entre as principais hidrelétricas da empresa estão Itumbiara (2 mil MW) e Marimbondo (1.440 MW).

Já a Eletrosul, braço do sistema Eletrobrás para a Região Sul, havia deixado de lidar com geração em 1998 - quando suas usinas foram privatizadas e arrematadas pela Tractebel, do grupo Suez, hoje seu parceiro no leilão de Santo Antônio. No início do governo petista, porém, voltou a atuar no setor. Hoje, ela está envolvida nos projetos de construção de três hidrelétricas e quatro Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).

A estatal mineira Cemig é uma das principais produtoras de energia do Brasil. A empresa opera, sozinha ou com parceiros, 6.684 MW, distribuídos entre 57 hidrelétricas, quatro térmicas e um parque eólico. A maior hidrelétrica é a de São Simão (1.710 MW), em Goiás.

As geradoras privadas que estão no leilão também dispõem de parques geradores substantivos. A CPFL produz energia por meio de cinco hidrelétricas e 33 PCHs distribuídas por cinco Estados. Com os investimentos novos que estão em andamento, a empresa espera chegar, em 2010, a uma capacidade de geração de 2.174 MW.

O grupo franco-belga Suez atua no Brasil por meio da controlada Tractebel. As seis hidrelétricas e cinco termoelétricas que o grupo opera, sozinho ou com sócios, somam uma potência de 6.977 MW.

A espanhola Endesa, que controla as distribuidoras Ampla (RJ) e Coelce (CE), também atua na geração. A empresa opera a usina hidrelétrica de Cachoeira Dourada (658 MW), em Goiás, e a termoelétrica Endesa Fortaleza (346,5 MW).

O Banco Santander, que com o Banif compõe um fundo que integra o consórcio liderado pela Odebrecht, também tem histórico na área. O banco espanhol agiu como consultor ou financiador de 11 obras de usinas hidrelétricas e térmicas.

Discórdia começou na fase de licenciamento ambiental
Certificação prévia foi antecedida por pressões no governo que culminaram com a divisão do Ibama
A decisão da Eletronorte de desistir de participar do leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, anunciada na sexta-feira, foi só mais um capítulo da intrincada trama político-empresarial que envolve a disputa pela usina do Rio Madeira, em Rondônia.

A briga pela primeira usina do complexo - a outra, Jirau, será licitada em 2008 - já passou por discussões sobre o impacto ambiental da obra e sobre os critérios para a participação das estatais no leilão.

As empresas que estão inscritas no leilão também chegaram a travar uma batalha de bastidores pelo acesso aos fornecedores dos equipamentos necessários para a construção da usina de 3.150 MW.

A briga inicial deu-se pela licença ambiental. A liberação, em julho, da certificação prévia da usina foi antecedida por um jogo de pressões dentro do governo que culminou na divisão do Ibama em dois órgãos distintos. Foi criado o Instituto Chico Mendes, responsável pela conservação dos parques e reservas nacionais, ficando para o Ibama a fiscalização. Após a liberação da licença, porém, os problemas aumentaram.

Uma outra briga teve como pano de fundo a participação das estatais. O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, chegou a anunciar que as empresas do grupo Eletrobrás ficariam de fora do leilão de Santo Antônio. A intenção era deixar as empresas privadas concorrerem entre si, aumentando a competição, para depois oferecer a parceria das estatais ao grupo vencedor.

O governo, entretanto, foi obrigado a recuar, já que a estatal Furnas havia se comprometido por contrato a formar consórcio com a Odebrecht.

As concorrentes privadas reclamaram que a Odebrecht teria mais força por estar associada à estatal e, para resolver o impasse, o governo ofereceu aos outros concorrentes parcerias com as também estatais Chesf, Eletrosul e Eletronorte.

No dia 23 de novembro, porém, data em que os consórcios deveriam fazer suas inscrições, a Eletronorte rompeu com o consórcio liderado pela Alusa e se credenciou para entrar sozinha na disputa. A Alusa inscreveu-se à frente de consórcio 100% privado. Na sexta-feira, entretanto, a Eletronorte e a Alusa desistiram da disputa, ao deixar de depositar as garantias financeiras exigidas pelo edital.

Os bastidores do leilão também foram inflamados pela disputa pelos fornecedores de equipamentos. Algumas das empresas interessadas na usina, principalmente a Camargo Corrêa, questionavam o fato de a Odebrecht ter assinado contratos de exclusividade com fabricantes de turbinas e geradores.

A Secretaria de Direito Econômico entrou na briga e tentou invalidar os contratos da Odebrecht. O assunto foi parar no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e só chegou a uma solução quando a Odebrecht desistiu dos acordos de exclusividade.

As empresas barrageiras

Atividades nas áreas de construção de usinas e geração de energia das empresas interessadas na Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira Consórcio Madeira Energia*

Odebrecht - A construtora tem em sua carteira, sozinha ou em consórcio, as obras de mais de 50 usinas hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no Brasil. Somadas, essas usinas têm potência de 49.805 megawatts (MW), equivalentes a quase cinco vezes a capacidade de Itaipu.

Andrade Gutierrez - Já construiu, sozinha ou em sociedade com outras construtoras, 20 usinas hidrelétricas, quatro térmicas e uma usina nuclear (Angra 2). Ao todo, essas usinas têm capacidade instalada de 27.661 MW

Cemig - Opera um parque gerador de 6.684 MW, formado por 57 hidrelétricas (que administra sozinha ou em consórcio), 4 térmicas e 1 parque eólico

Furnas - Gera atualmente 9.910 MW em 11 hidrelétricas (próprias ou em parceria) e duas termoelétricas

Santander (*) - O banco já atuou no Brasil como consultor financeiro ou financiador em 11 obras de usinas, hidrelétricas ou térmicas. Atualmente, o Santander assessora a estruturação financeira de outros 12 projetos na área de energia, tanto na geração quanto na transmissão

Consórcio Energia Sustentável do Brasil

Suez Energy - Controla, no Brasil, a Tractebel, que tem, com parceiros, um parque gerador de 6.977 MW, formado por seis hidrelétricas e cinco termoelétricas

Eletrosul - Voltou a atuar na geração de energia no governo Lula. Está construindo, sozinha ou em consórcio, três hidrelétricas e quatro PCHs, que somam 540 MW

Consórcio de Empresas Investimento de Santo Antônio (Ceisa) Camargo Corrêa - Participou, sozinha ou em consórcios, da construção civil de 23 hidrelétricas, que hoje somam capacidade instalada de cerca de 50 mil MW

Chesf - Opera um total de 10.618 MW, produzidos por nove hidrelétricas e uma térmica

CPFL - Opera 5 hidrelétricas e 33 PCHs. Participa, atualmente, da construção de outras três usinas. Com as novas obras, a capacidade instalada da empresa deve chegar a 2.174 MW em 2010

Endesa Brasil - A empresa espanhola opera no Brasil uma hidrelétrica de 658 MW em Goiás e uma térmica de 346 MW no Ceará

(*) O banco Banif forma, com o Santander, um fundo de investimentos que integra o consórcio Madeira Energia, mas não forneceu as informações solicitadas pelas reportagem do 'Estado' até o fechamento desta edição

OESP, 02/12//2007, Economia, p. B9

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