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Ano Polar vai mobilizar 10 mil cientistas

OESP, Vida, p. A15
02 de Mar de 2007

Ano Polar vai mobilizar 10 mil cientistas
Mais de 200 projetos investigarão os graves efeitos das mudanças climáticas na Antártida e no Ártico

Andrei Netto

No extremo sul do planeta, na Antártida, o buraco na camada de ozônio nunca esteve tão grande. No extremo norte, no Ártico, o derretimento das calotas polares já reduziu a cobertura de gelo em 15% nos últimos 29 anos. Nesses dois retratos da devastação ambiental provocada pelo homem, cientistas de todo o mundo trabalharão até 2009 em 209 projetos de estudos que integram o 4o Ano Polar - o maior esforço científico concentrado de pesquisa em ambientes hostis.

O lançamento do Ano Polar Internacional ocorreu ontem, em Paris, quatro semanas após a divulgação do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), também na capital francesa. Entre os presentes à cerimônia, pesquisadores e autoridades políticas, como o príncipe de Mônaco, Albert II, em uma nova prova da preocupação internacional em relação ao aquecimento global. Albert saudou os estudiosos e resumiu, em palavras de leigo, o pensamento dos especialistas na sala: "O risco do aquecimento global é alto demais. E está ficando pior".

Os indicadores de que o efeito estufa está afetando a biodiversidade do planeta já haviam sido divulgados no mês passado pelos pesquisadores do IPCC: entre 2090 e 2100, se a concentração de CO2 na atmosfera não for reduzida, a temperatura média na Terra deverá subir 3oC.

O Ano Polar dará seqüência às investigações sobre os efeitos dessa mudança climática em dois dos mais sensíveis ecossistemas, o antártico e o ártico.

Ao todo, 209 projetos científicos, de diferentes áreas de conhecimento - biologia, física, química, matemática, antropologia e sociologia, entre outras -, envolverão 10 mil estudiosos, conforme o Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM), promotores do evento.

NOVA REALIDADE

Os cientistas que vão a campo encontrarão cenários absolutamente diversos dos investigados há 50 anos, quando ocorreu o último Ano Polar (os anteriores foram em 1882-1883, 1932-1933 e 1957-1958). Com base em novas tecnologias de pesquisa, os estudiosos diagnosticaram as ameaças que pairam sobre os pólos, cujos efeitos são globais. Redução da camada de ozônio, aumento da poluição e desintegração parcial das calotas polares são os mais conhecidos. Os danos afetam primeiro as regiões polares, que concentram as linhas do campo magnético do planeta.

Na Antártida, 8% da cobertura de gelo desapareceu em menos de três décadas. No Ártico, imagens de satélite e observações locais indicam que desde 1978 o tamanho dos bancos de gelo foi reduzido em 15% de sua superfície e em 40% de sua espessura. Nesse ritmo, a cobertura de gelo sobre o oceano resistirá 70 anos.

O alerta não é apenas ambiental, mas antropológico. Em torno do Ártico, habitam 4 milhões de pessoas que sofrerão de forma mais imediata o impacto das alterações. "Por que estamos preocupados? Porque o sistema polar envolve muito mais que camadas de gelo. As implicações climáticas terão efeitos humanos globais", alertou David Carlson, diretor do Programa do Ano Polar.

Seis temas serão objetos centrais de estudos: situação atual de degradação ambiental, alterações em curso, interações das mudanças geofísicas dos pólos com o resto do globo e ampliação dos centros de observação, além de dois temas de caráter subjetivo, os limites da ciência e a dimensão humana da destruição. "Os pólos não têm fronteiras. Precisamos de um evento internacional capaz de nos dar informações e de tornar esses temas relevantes na agenda internacional", disse Marie-Lise Chamin, membro do Ano Polar Internacional.

As pesquisas envolvem recursos de 63 países, 21 dos quais com participação em mais de 10% dos projetos - o Brasil não está neste ranking, integrado pela Argentina. Os maiores investidores são Canadá ( 113 milhões), China ( 49 milhões), Grã-Bretanha ( 7,8 milhões) e EUA ( 7,5 milhões).

Brasil investirá R$ 19,7 milhões
Pesquisadores haviam solicitado R$ 36 milhões

Lígia Formenti

A estréia do Brasil no Ano Polar Internacional (API) deve render muito mais do que conhecimento e prestígio aos pesquisadores selecionados para participar da iniciativa. Para realizar os 28 projetos selecionados para esta espécie de olimpíada científica, recursos serão injetados nos centros de pesquisa, principalmente para a compra de material. O secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luís Manuel Fernandes, afirmou que a pasta deverá destinar R$ 9,2 milhões nos próximos dois anos. A verba, procedente dos Fundos Setoriais, será acrescida pela colaboração do Ministério de Minas e Energia, que dará R$ 10,5 milhões para revitalização da Estação Antártica Comandante Ferraz e aquisição de combustíveis especiais.

"Outras áreas científicas podem até ficar enciumadas com as verbas para o programa, diante da escassez de recursos. Mas as pesquisas na Antártida são de extrema importância", afirmou Fernandes. Ele ponderou que a participação no evento colocará o País em outro patamar de conhecimento sobre a região. "O que é extremamente importante."

Embora possam causar ciúmes, os recursos destinados pelo ministério estão aquém do que havia sido pleiteado em 2005 para a participação brasileira na API.

No relatório, pesquisadores requisitavam R$ 36 milhões, recursos indispensáveis para equipar minimamente os grupos que participam das expedições.

O pesquisador da Fundação Universidade Rio Grande, Maurício Matar, coordenador-adjunto de um projeto dedicado a estudar o comportamento dos oceanos do Hemisfério Sul diante do aquecimento global, afirma que, indiretamente, receberá também recursos da Nasa, parceira nos projetos. "São colaborações que chegam de forma indireta, mas extremamente importantes", afirma o pesquisador. O projeto do grupo do pesquisador abrange quatro linhas de pesquisa, entre elas, uma que vai investigar a possível conexão entre a temperatura das águas de altas latitudes com o clima em regiões subtropicais.

"O Brasil pretende participar do API em todas as áreas de pesquisa", diz Neusa Paes Leme, coordenadora do Projeto Antártico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Já temos 25 anos de experiência no continente."

OESP, 02/03/2007, Vida, p. A15

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