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Ânimos aquecidos

O Globo, Amanhã, p. 8-10
Autor: FRIEDMAN, Thomas L.
11 de Fev de 2014

Ânimos aquecidos
Em documentário, Thomas Friedman explica as relações entre o aquecimento global e as revoltas da Primavera Árabe
Secas e outras alterações climáticas teriam fomentado protestos no Oriente Médio e a guerra civil na Síria

DANIELA KRESCH
revistaamanha@oglobo.com.br

JERUSALÉM - Conhecido por associar temas de diferentes áreas, como em seu livro "O mundo é plano - uma história breve do século XXI", o jornalista e comentarista político Thomas L. Friedman não titubeteia na hora de juntar aquecimento global e Primavera Árabe, o conjunto de revoltas populares no Oriente Médio e no Norte da África, que começou no final de 2010. Para o colunista do "The New York Times", os dois assuntos estão diretamente ligados. Uma das personalidades convidadas pela série "Years of Living Dangerously" ("Anos em que vivemos perigosamente", em tradução livre), que traz oito documentários sobre como a mudança climática influencia indivíduos, comunidades, firmas e governos, Friedman viajou ao Iêmen, à Síria e ao Egito, onde identificou uma improvável conexão entre o que ele chama de "clima esquisito" e os processos sociais e políticos pelos quais passam esses países.
Produzida pelo cineasta James Cameron (de "Titanic" e "Avatar") e o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, a série convoca diversas figuras conhecidas, como os atores Harrison Ford e Matt Damon, para dirigir documentários sobre as consequências das mudanças no clima. Nos Estados Unidos, o programa estreia 13 de abril no canal de TV a cabo americano "Showtime".
- Minha participação na série foi observar os estresses ambientais e climáticos que secaram o solo da região e ver como eles ajudaram a fomentar as revoluções sociais, mesmo que não estejam na origem dos protestos - disse Friedman em breve visita à Jerusalém, onde falou à Revista Amanhã. - Quando a Primavera Árabe começou, havia níveis elevadíssimos de estresse nessas sociedades.
Friedman viu como os egípcios sofrem com o aumento do lixo, que criou os "zabaleen" ("pessoas do lixo") no Cairo, que vivem de catar o que os outros jogam fora. Ele também verificou os efeitos das enchentes no Mar Vermelho. Mas nenhum lugar o impressionou mais do que a Síria.
Segundo Friedman, é impossível entender o que acontece no país neste momento (uma guerra civil que já dura três anos e deixou mais de 130 mil mortos, além de milhões de refugiados) sem saber que, entre 2006 e 2010, o país experimentou a pior seca de sua história moderna. Durantes três anos e meio, os dirigentes não ajudaram os afetados pela falta de água no Norte da Síria. A conclusão é a de que o presidente sírio, Bashar al-Assad, brincou com fogo ao menosprezar a capacidade de indignação dos refugiados climáticos da região.
- Um milhão de pastores e agricultores foram obrigados a deixar suas casas e mudar para Aleppo, Homs, Hama e Damasco. E o governo sírio não fez nada por eles - lembra Friedman. - Quando a revolução estourou na Tunísia e começou a se aproximar da Síria, eles estavam prontos para se juntar aos rebeldes. Você tinha um milhão de refugiados climáticos no Norte da Síria, estressados e desesperados, e Assad não fez nada por nenhum deles.
O jornalista afirma que o clima mundial está se tornando cada vez mais extremo. No caso do Oriente Médio, os dias estão ficando mais quentes e as noites, mais mornas.
- Fui ao Iêmen e dá para notar o mesmo padrão da Arábia Saudita, com enchentes violentas... Há mais frequência e intensidade. Não digo que nunca choveu ou nevou antes, mas a frequência e a intensidade é que estão esquisitas. É só observar a temperatura em sua vizinhança. A ONU acabou de lançar um relatório com 2.500 climatologistas que identificam claramente que o que está acontecendo é causado pelo ser humano. Não sou um especialista, mas prefiro confiar nesses 2.500.
Friedman conta que passou meses com ambientalistas do Oriente Médio. Na opinião do jornalista, o ambientalismo é uma ferramenta poderosa para unir os povos em uma área tomada por fortes turbulências políticas e religiosas.
- No Egito, muita gente me disse: "Tentamos de tudo, de nasserismo a comunismo, passando por islamismo, liberalismo e fascismo. Nada funcionou". Respondi que era hora de tentar outra coisa, o ambientalismo. A visão dos ambientalistas é a de que há coisas em comum. Não interessa se você é sunita ou xiita. As consequências serão iguais para todos se não protegermos o meio ambiente.
A TV quer salvar o planeta
Quando James Cameron e Arnold Schwarzenegger sondaram os executivos dos canais de TV para vender uma produção sobre as consequências das mudanças climáticas, houve reticência geral. Apesar da sua importância, o tema não parecia ter muito apelo entre as grandes audiências. Foi então que o diretor de "Avatar" e o ator de "O exterminador do futuro" usaram sua influência em Hollywood para transformar o assunto em entretenimento. Nascia o projeto de "Years of Living Dangerously", uma série de documentários que reúne diversas celebridades em torno da questão. Cada episódio é dirigido por uma personalidade conhecida do público, e aborda obstáculos políticos e empresariais e o descaso das autoridades diante das calamidades provocadas pelo aquecimento global.
O objetivo dos envolvidos é abrir os olhos das pessoas para o que está acontecendo com o planeta, fugindo da retórica muitas vezes hermética de ambientalistas e cientistas.
- Um cientista nunca receberá a atenção de um ator - afirmou o engajado Arnold Schwarzenegger durante o lançamento do projeto. - Acredito que o movimento ambientalista só será vitorioso se formos diretos e claros e contarmos histórias humanas.
Os convidados viajaram para diversos estados americanos, além da África, do Oriente Médio, dos Andes, do Polo Norte, da Indonésia e de Bangladesh. Entre os diretores-celebridades que participam dos oito episódios estão nomes como os dos atores Harrison Ford, Matt Damon, Jessica Alba, Don Cheadle, Ian Somerhalder, Michael C. Hall, Olivia Munn, America Ferrera e o próprio Schwarzenegger. Também fazem parte do time os jornalistas Lesley Stahl (CBS),Chris Hayes (MSNBC), Thomas L. Friedman e Mark Bittman (The New York Times). Todos tiveram assessoria do blogueiro e ambientalista Joseph Romm.
- Não fazemos pequenas participações. Estamos completamente comprometidos com esse tema - garantiu o ator Ian Somerhalder (o Boone de "Lost").
Um dos empecilhos iniciais do projeto era a hesitação do canal de TV a cabo americano "Showtime", que exibirá o seriado. Seus executivos temiam as nuances políticas do assunto. O aquecimento global é, há anos, um dos pontos de discórdia entre republicanos e democratas, que discutem se o fenômeno realmente existe e, nesse caso, se é fruto do descaso humano ou de processos naturais.
- Queremos acabar com o tribalismo nesse assunto. Você pergunta às pessoas o que elas acham da mudança climática e elas respondem: "Não gosto do Al Gore" - contou David Gelber, diretor-executivo do projeto, referindo-se ao ex-vice-presidente democrata americano que recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua defesa do meio ambiente e que escreveu o livro "Uma verdade inconveniente" (2009), depois transformado em documentário.
Mas, apesar de todos os contratempos, a série foi aprovada no começo de 2012, principalmente por causa da chancela dos famosos envolvidos. Alguns deles já conhecidamente ativistas do meio ambiente, como Matt Damon, que fundou a iniciativa Water.org (para levar ajuda a comunidades que não têm acesso à água). Em seu capítulo, Damon explora os problemas de saúde pública causados pelas crescentes ondas de calor. Harrison Ford (o eterno "Indiana Jones") também já era comprometido com o meio ambiente. Ele faz parte do conselho da ONG Conservação Internacional, dedicada a proteger a biodiversidade. Em seu documentário, Ford visita a Indonésia para mostrar o processo de desmatamento no país.
Já Arnold Schwarzenegger acompanha um grupo de bombeiros no Oeste americano em meio à cada vez mais devastadora temporada de incêndios. A famosa jornalista Lesley Stahl, por sua vez, visita a Groenlândia para ver de perto os efeitos do aumento da temperatura no Ártico. A atriz Jessica Alba preferiu explorar como a ONG Climate Corps consegue influenciar o setor privado a adotar uma postura mais amigável ao meio ambiente. Don Cheadle decidiu revelar o efeito da seca no Sudoeste americano. America Ferrara reportou sobre os obstáculos políticos ao aumento da produção de energia solar e eólica. O comentarista político Chris Hayes escolheu explorar os efeitos do Furacão Sandy em dezenas de famílias e cidades, em outubro de 2012.

O Globo, 11/02/2014, Amanhã, p. 8-10

http://oglobo.globo.com/ciencia/revista-amanha/em-documentario-thomas-f…

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