FSP, Brasil, p. A6
Autor: LEITE, Marcelo
15 de Fev de 2005
Anapu está localizada no futuro arco de desmatamento do Pará
Marcelo Leite
Colunista da Folha
A região centro-oeste do Pará, onde estão a cidade de Anapu e o Projeto de Desenvolvimento Sustentado Esperança em que militava a irmã Dorothy Stang, é o próximo grande alvo do desmatamento no Estado. Ela é composta por três grandes pólos em que a questão fundiária não se separa da ambiental: Anapu, Terra do Meio e rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Naquelas paragens não há Estado nem lei, só muita biodiversidade.
Anapu fica entre Altamira e Marabá, duas localidades na beira da Transamazônica, a estrada rasgada na selva tropical pelos governos da ditadura militar. Por ela afluíram milhares de colonos de outras regiões do país, de olho em lotes de terra que todos imaginavam férteis, com base na exuberância da floresta.
A maioria dos assentamentos fracassou, muitos colonos se mudaram e uns poucos permaneceram em glebas servidas por ramais (estradas vicinais) intransitáveis na maior parte do ano.
Os Projetos de Desenvolvimento Sustentado (PDSs), como o Esperança, surgiram como uma proposta do movimento social e ambiental na região há cerca de uma década. Baseiam-se na agricultura familiar e na exploração de produtos florestais, ambas de baixo impacto sobre a mata. O PDS Esperança fazia parte de uma área de 1.400 km2 -quase do tamanho do município de São Paulo-, reconhecida pelo Incra no final de 2002, com cerca de 400 famílias. Não se trata de uma unidade de conservação (UC), como são os parques, reservas e florestas nacionais, mas um tipo de assentamento que mantém a maior parte da cobertura florestal de pé.
Antes dos PDSs, a dificuldade de acesso e a agricultura precária haviam contribuído para manter quase intocadas grandes áreas de mata em torno de Anapu, em contraste com outros trechos da Transamazônica.
Assim como a Terra do Meio, a sudoeste, e o setor paraense da BR-163, um pouco mais além na direção de Mato Grosso, a região tem alto interesse para a conservação da biodiversidade.
Esse é o hábitat, por exemplo, do macaco-aranha Ateles marginatus. Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) prevê que, se a frente de devastação que vem do leste e do sul avançar desimpedida, em 2050 cerca de 70% do hábitat do macaco terá desaparecido. Se os governos federal e estadual conseguirem ordenar a ocupação territorial, promovendo a regularização fundiária e a criação de unidades de conservação, a perda de hábitat do A. marginatus poderia cair para a metade, indicam as simulações por computador.
A violência que explodiu no entorno de Anapu é uma reação de madeireiros e fazendeiros pecuaristas à tentativa recente do governo federal de retomar sua jurisdição sobre esse imenso território e proteger a floresta. Em novembro passado foi criada a reserva extrativista Riozinho do Anfrísio (7.360 km2), a oeste de Anapu e vizinha de Altamira. A medida foi tomada como uma afronta por vários deles.
No final de janeiro, o congelamento de planos de manejo irregulares para extração de madeira em terras públicas pusera em pé de guerra madeireiros de Novo Progresso, na BR-163. Eles fecharam a estrada, destruíram pontes e quase interromperam a navegação do Amazonas na altura de Santarém.
O governo federal aceitou rever alguns casos, no que foi interpretado por várias organizações ambientalistas como um recuo.
Estava prevista para o início deste ano a criação de um mosaico de unidades de conservação cobrindo toda a chamada Terra do Meio, coisa de 90 mil km2, a maior área intocada de florestas do Pará. Parte dessas unidades seria criada em terras da União, e outra parte, em território estadual. As UCs federais vão sair antes, porque as estaduais dependem de um projeto de lei de zoneamento ecológico-econômico que está parado na Assembléia Legislativa paraense.
Existe a expectativa, entre ambientalistas, de que o governo federal anuncie hoje a criação de algo no gênero, após uma reunião de emergência na Casa Civil. Seria um sinal claro para os adeptos da devastação e da pistolagem. Mas é improvável que isso aconteça antes do retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.
A irmã Dorothy Stang foi assassinada na gleba Esperança no mesmo dia em que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, visitava a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio. E dois dias depois de a freira encontrar-se com Nilmário Miranda, secretário especial de Direitos Humanos do governo Lula. O sinal enviado pelos pistoleiros, ele sim, foi absolutamente claro.
FSP, 15/02/2005, Brasil, p. A6
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