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Amigo de Bolsonaro, secretário especial diz que Fachin 'advogou em causa própria'

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil
21 de Set de 2020

Amigo de Bolsonaro, secretário especial diz que Fachin 'advogou em causa própria'
Luiz Nabhan Garcia interrompe trégua do governo com Supremo Tribunal Federal (STF) e diz que a posição do ministro na retirada da Força Nacional de assentamentos na Bahia foi um 'desserviço'

Vinicius Sassine

BRASÍLIA - Amigo do presidente Jair Bolsonaro e influente em decisões do governo, o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Nabhan Garcia, interrompeu a trégua do governo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e partiu para o ataque contra um integrante da Corte, o ministro Edson Fachin. Em entrevista ao GLOBO, Nabhan afirmou que Fachin "advogou em causa própria" e "deveria ter a dignidade" de se declarar impedido para julgar a ação que pediu a retirada da Força Nacional de Segurança Pública de assentamento no sul da Bahia. "Lamentavelmente, a posição do ministro Fachin foi um erro, foi um desserviço", disse.
Na noite da última quinta-feira, Fachin concordou com uma ação movida pelo estado da Bahia, governado por Rui Costa, do PT, e determinou a retirada - em 48 horas - dos policiais da Força Nacional. A autorização para o envio dos policiais foi dada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, no último dia 1o. O pedido inicial foi feito pela presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), num ofício encaminhado a Nabhan e à ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Segundo o Incra, conflitos em assentamentos no sul da Bahia, supostamente protagonizados por líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), obrigavam a presença da Força Nacional de Segurança Pública na região. Quando os policiais já estavam por lá, Nabhan compareceu a um dos assentamentos e fez vídeos atacando o MST. Ele estava acompanhado do presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, e do coronel que dirige a Força Nacional, Antônio Aginaldo de Oliveira. O governo da Bahia, porém, afirma que não há registros de conflitos e que o envio da Força Nacional foi uma "invasão", sem a a solicitação do estado. "Minha família e amigos foram inúmeras vezes invadidos pelo MST", afirmou Nabhan. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O ministro Edson Fachin determinou, na quinta-feira, a retirada da Força Nacional de Segurança Pública de assentamento rural no sul da Bahia. Qual a posição do senhor a respeito?
O pleito do agricultor familiar é receber seu título de propriedade. No assentamento lá, tem 200 pessoas. Três, quatro líderes do MST não queriam, por uma questão política. Onde já se viu? Ninguém em sã consciência vai querer um imóvel do qual não seja o proprietário. Mais importante de tudo é ter o título de propriedade, principalmente numa propriedade rural. O MST é contra o título de propriedade. Alguns partidos que têm vínculo com o MST, como o próprio PT, são contra dar esse título de propriedade.
Esse é o cerne do problema, em sua visão?
Sim. Eu fiz audiência pública lá na Bahia. As pessoas diziam: "Você é maluco, os caras vão te matar lá, vão isso, vão aquilo." Mas por quê? Minha família e amigos foram inúmeras vezes invadidos por MST. Fui um dos criadores da UDR (União Democrática Ruralista), em 1985, junto com Ronaldo Caiado (hoje, governador de Goiás). Eu tenho uma história de vida na luta contra invasões. Mas agora virei governo. Cheguei e disse para o presidente: "Presidente, nós temos um desafio: transformar essas favelas rurais, pois na verdade parte da reforma agrária se transformou em favelas rurais, em propriedades rurais produtivas." Ele falou: "Exatamente, essa é a minha linha." Então, eu fui lá na Bahia, fiz uma audiência pública. E aí começaram as denúncias: "Estamos sendo espancados do lado de fora, porque os líderes estão arrendando parte do assentamento para gado. Não podemos produzir, estamos sendo cerceados numa porção de coisa, e quando a gente vai falar alguma coisa, somos postos para fora. Fomos ameaçados, teve denúncia de espancamento e destruição de patrimônio". Tudo isso está na Polícia Federal. Os agricultores familiares queriam a presença do Incra lá, para fazer regularização, programa de habitação. O MST impedia, não deixava. Os líderes ali eram donos da Bahia, os donos do pedaço.
Essa foi a razão para o pedido da Força Nacional de Segurança Pública?
Houve um incidente lá, que foi gravíssimo. Houve queima de casas, queimaram um trator de uma família, moto, patrimônio. Fizeram um estrago. Fizeram um verdadeiro terrorismo ali. Pedimos que o Incra fosse lá. E chegando lá, foi botado para fora às pressas, saiu de lá correndo, com risco à integridade física dos funcionários, inclusive do superintendente. A Polícia Militar da Bahia simplesmente não fazia nada, por ordem do governador. O governo da Bahia compactua com essas práticas do MST. Pedimos a Força Nacional, para dar ao Incra. Legalmente, institucionalmente, só existe uma instituição que cuida de reforma agrária: Incra. Não é o MST. MST é uma organização ilegal, criminosa, de foras da lei, que não respeitam nem nunca respeitaram direito à propriedade..
O senhor acha que a decisão do ministro Fachin foi equivocada?
O Fachin deveria ter a dignidade de se autodeclarar suspeito. Ele não poderia julgar. Fachin foi advogado do MST. O Fachin escreveu livro defendendo... Tem teses do Fachin defendendo a organização criminosa chamada MST. Fachin deveria falar: "Eu não posso." Foi advogado do MST, sempre. Como que agora ele vem como ministro do Supremo e aceita pegar um julgamento desse? Agora, quem é que vai se responsabilizar pelo trabalho do Incra dentro dos assentamentos? Estavam quase terminando um primeiro assentamento. São sete, oito na região que estão passando por esse problema. Lamentavelmente, a posição do ministro Fachin foi um erro, foi um desserviço que ele prestou aos agricultores familiares com essa posição. A Força Nacional não foi lá para afrontar o direito de ninguém. Ao contrário, a Força Nacional foi lá para preservar o direito de o Incra poder trabalhar.
O Incra pode acionar a AGU para ela contestar a liminar?
Já foi contestada. A AGU está em ação, dentro do prazo legal. Foi citada e claro que vai recorrer. É uma decisão monocrática, de um ministro que foi advogado do MST. O ministro Fachin está fazendo uma espécie de advocacia em causa própria. O que o ministro Fachin fez com essa decisão foi simplesmente advogar em causa própria. Tenho confiança no plenário. Tenho certeza que o plenário... Causou perplexidade não a nós do governo, mas aos assentados da reforma agrária. Não tem ideia da quantidade de pessoas pedindo misericórdia. Eu nunca tinha visto igual, como essa decisão de retirar a Força Nacional de lá.
O Incra se recusa a dar encaminhamento a posses de terra, mesmo com decisões da Justiça neste sentido. Um memorando do começo do governo dá diretrizes para que não existam novos assentamentos. Isto segue valendo?
Para o Incra fazer assentamento, ele tem de respeitar a Constituição Federal. A Constituição diz que propriedades de até 15 módulos não são passíveis de reforma agrária. O Incra só pode desapropriar imóvel quando tem recurso no seu orçamento e quando ele é improdutivo. Onde é que existe uma propriedade improdutiva no Brasil hoje? Com apenas 7% de seu território em agricultura, tem a maior agricultura do mundo, é campeão em tudo. O Incra não vai fazer o que o Incra do PT fazia, sair desapropriando imóveis produtivos, isso é ilegal. O MST ia lá e dizia: "Eu quero essa fazenda."

Não vão existir projetos novos?
A prioridade do Incra é transformar esses assentados em agricultores familiares. E não usá-los como massa de manobra, como militância política do MST. A ideia é que se faça a reforma agrária dentro da lei. As terras devolutas da União ou já estão em assentamentos, ou em unidades de conservação ou em terras indígenas. Só há uma possibilidade de o governo fazer reforma agrária: desapropriando imóveis improdutivos e pagando, pelo que está na lei. Mas não tem propriedade improdutiva no Brasil e não tem mais orçamento para fazer desapropriação. Não vamos passar por cima da Constituição e desapropriar imóvel produtivo.
Outro lado
O ministro Edson Fachin não quis comentar o teor das declarações do secretário Nabhan Garcia, mas enviou à reportagem, por meio da assessoria de imprensa do STF, o relatório da ação em curso na Corte, assinado por ele às 16h50 nesta segunda-feira. "Constato inexistir recurso aviado contra a medida liminar", diz o ministro no documento.
Fachin informa no relatório que pediu que a ação fosse pautada para votação em plenário. O processo foi "prontamente pautado" e o julgamento vai ocorrer na próxima quarta, 23. "No dia 17, entendendo estarem presentes os requisitos da plausibilidade jurídica do pedido e do risco da demora da decisão, deferi medida cautelar", diz o ministro, referindo-se à decisão que determinou a saída de todo o contingente da Força Nacional de Segurança Pública dos assentamentos no sul da Bahia.
O MST, por sua vez, diz que Nabhan mente e organiza a Força Nacional contra assentados e contra o próprio Incra. "A Polícia Federal esteve na Bahia, reuniu-se com assentados e dirigentes do MST de forma pacífica e constatou por eles mesmos as mentiras de Nabhan. Não há dúvidas sobre a ilegalidade acerca do uso da Força Nacional, passando por cima do pacto federativo", afirma Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do MST, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
Conforme o MST, Nabhan é hoje "um dos maiores incentivadores de políticas que estimulam a grilagem de terras, até agora barrado pelo Congresso Nacional em virtude da péssima repercussão nacional e internacional". "O governo Bolsonaro não tem dinheiro para fazer cumprir a Constituição e desapropriar áreas que deveriam integrar a reforma agrária, mas tem dinheiro para pagar precatórios a fazendeiros e manter a Força Nacional em um estado que não pediu o efetivo. Além disso, o Incra comete improbidade administrativa ao não selecionar as famílias em mais de 60 processos já julgados pelo Judiciário."
A reportagem fez contato também com a PF na Bahia, a respeito das declarações do secretário. Ainda não houve resposta.

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