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As ameaças do mundo e o Estado nacional

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
25 de Jul de 2008

As ameaças do mundo e o Estado nacional

Washington Novaes

Kofi Annan é um diplomata experiente, que durante mais de uma década, como secretário-geral da ONU, liderou as tentativas de resolver conflitos muito graves no mundo todo. Com essa experiência, ele tem reiterado que o problema central hoje não está no terrorismo, e sim nas mudanças climáticas e na insustentabilidade dos padrões globais de produção e consumo, já além da capacidade de reposição da biosfera planetária. São esses, a seu ver, os problemas que "ameaçam a sobrevivência da espécie humana". Não estranha, por isso, que ao falar na semana passada (Estado, 15/7) em São Paulo, no IV Congresso Brasileiro de Publicidade, ele tenha dado ênfase ao documento Global Compact, em torno do qual já reuniu mais de mil empresas de muitos países, dispostas a manter "práticas transparentes para cuidar do meio ambiente". Porque, segundo ele, "hoje nos confrontamos com problemas que não podemos resolver sozinhos. Daí a importância das parcerias".

Tanto no caso das mudanças climáticas como no consumo insustentável de recursos e serviços naturais, não há até aqui regras nem instituições capazes de promover as mudanças indispensáveis em nível global - porque não será suficiente fazê-lo em um só país ou alguns deles. Nem mesmo a ONU tem conseguido avanços decisivos. E de certa forma isso traz de volta ao palco a questão da eficácia do Estado nacional diante das profundas transformações do quadro político-econômico internacional nas últimas décadas. Ainda ao tempo de Annan na ONU, na década de 90, relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) chamavam a atenção para o fato de os governos nacionais, principalmente dos países ditos "em desenvolvimento", terem de governar com a atenção voltada nas 24 horas do dia para computadores com as informações sobre os mercados financeiro e cambial em toda parte. Porque se não fossem capazes de dar respostas imediatas, em tempo real, os resultados para a economia de seus países poderia ser catastrófico. Mas, nesse caso, perguntava o Pnud, onde fica a democracia? Porque esta exige discussão, formação de consenso ou maioria. Sem essa discussão, a democracia se esvai.

Diante dessas questões, é interessante o tema tratado na edição de janeiro/abril da revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - o Dossiê Nação/Nacionalismo -, com artigos de vários cientistas políticos, econômicos e sociais, muitos deles com atuação recente na vida pública brasileira. Principalmente porque parece estar reaparecendo, em nível mais intenso, a discussão sobre os rumos do Estado brasileiro.

O embaixador Rubens Ricupero, por exemplo, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, é um dos autores que não concorda com a tese de que o Estado nacional perde cada vez mais força e importância diante das questões e dos fatores globais. A resiliência do Estado nacional diante da globalização é mesmo o título do seu ensaio. Para ele, a União Européia é exceção que "transcende o Estado-nação", e ainda assim por causa da forte influência das duas guerras mundiais em que o nacionalismo esteve no centro dos conflitos. Mas o ensaio não chega a dar resposta cabal à questão da democracia diante do quadro econômico-financeiro transnacional (no mesmo dia em que o diplomata Kofi Annan falava em São Paulo, os mercados no mundo todo eram sacudidos pela ameaça de quebra das duas maiores instituições do mercado de hipotecas imobiliárias dos Estados Unidos, com negócios na casa dos US$ 5 trilhões). Mas o embaixador analisa vários dos fatores em jogo hoje, como a influência das empresas transnacionais, as operações financeiras via internet - e a influência disso nos Estados nacionais.

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, tem outros pontos de vista. Para ele, "as crescentes assimetrias de riqueza e de poder, e a tentativa dos Estados do centro de impor à periferia, pela violência ou pela pressão econômica, mudanças de regime político e econômico, fazem ressurgir com mais força os movimentos antiglobalização e os nacionalismos". Uma de suas opiniões é de que a comunicação, em geral, se alia ao poder econômico para estimular "o desprezo e até o horror pela política (e pelos políticos)" e para "fazer crer que a atividade política não é digna de um homem de bem". Com isso o poder ficaria reservado aos detentores do poder econômico e seus aliados.

Em seu ensaio, o professor Fábio Wanderley Reis analisa "a nova dinâmica econômica global" e suas conseqüências no Estado nacional e defende que "não há como abrir mão do Estado para a administração econômica e social no plano nacional". Já o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira entende que, "em um mundo altamente competitivo, o nacionalismo é essencial para que um país possa formular sua estratégia nacional de desenvolvimento econômico e, se for país em desenvolvimento, alcançar gradualmente os níveis de vida dos países ricos". O professor Paulo Nogueira Batista Jr., que representa o Brasil no Fundo Monetário Internacional, acha o governo Lula "ambíguo", porém "mais próximo do nacionalismo do que o seu antecessor". E acredita que o País "poderia desenvolver o seu projeto nacional individualmente", mas "em conjunto com os vizinhos, ou com boa parte deles, o nosso poder de fogo é maior".

São, essas e outras que estão no dossiê, vozes relevantes no panorama político brasileiro, que certamente influenciarão um debate que parece tomar corpo - embora não pareçam respondidas as questões mencionadas no início destas linhas: que fazer diante dos problemas levantados por Kofi Annan e do comprometimento do tempo da democracia ante as imposições dos mercados financeiro e cambial.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 25/07/2008, Espaço Aberto, p. A2

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