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Ameaça ao Amazonas

CB, Brasil, p. 8
21 de Out de 2005

Ameaça ao Amazonas
Barreira de contenção de mercúrio pode se romper e contaminar rio

Ronaldo Brasiliense

A lama cor de laranja formada por resíduos do garimpo Vila Nova, no distrito de Cupixi, município de Porto Grande, a 180km de Macapá, já se mistura ao verde da Floresta Amazônica ainda intocada. A menos de 600 metros do garimpo corre o rio Vila Nova, afluente do rio Amazonas. O rompimento das barragens de contenção do garimpo ameaça poluir o maior rio do mundo em volume de água com milhares de toneladas de rejeitos, principalmente mercúrio, utilizado pelos garimpeiros da região na coleta de ouro.
A cava principal do garimpo Vila Nova, com mais de 30 metros de profundidade, assemelha-se à do histórico garimpo de Serra Pelada, no sul do Pará, hoje inativo. Não há registro da produção oficial de ouro no local, o que configura indícios de descaminho. A pobreza se espalha por toda a área, onde se amontoam alguns barracos cobertos de lona preta. Não há água tratada e nem esgoto. Apenas algumas casas comerciais e açougues onde carnes são expostas ao ar livre, sem qualquer fiscalização sanitária.
Em uma das barragens de contenção, os garimpeiros escavaram um sangradouro, permitindo que a água contaminada com mercúrio escoe diretamente para o rio Vila Nova, o que aumenta o risco de um grave acidente ambiental. Relatos de pescadores da região dão conta que o rio, naquela área, há muito não tem sinais de vida. Os peixes sumiram.
As atividades no garimpo foram interditadas desde 13 de junho pela Secretaria de Meio Ambiente do Amapá (Sema), mas a decisão oficial de pouco adiantou. Os garimpeiros continuam a atuar na área, utilizando jatos d'água para desmanche dos barrancos. "Em que pese as conseqüências sociais advindas de atividade dessa natureza, infelizmente não vislumbramos, à luz da legislação, especialmente a ambiental, nenhuma outra alternativa que não seja a interdição definitiva das atividades de lavra clandestina por garimpagem", relata Benedito Nazaré, assessor jurídico da Sema no parecer em que pede a interdição do garimpo Vila Nova.
Exigências
A Cooperativa dos Garimpeiros do Vale da Vila Nova foi autuada pela Sema em 23 de junho por "prosseguir com o funcionamento da atividade poluidora/degradadora sem obter a licença do órgão ambiental competente". E, mesmo assim, continuou as atividades. "Daqui ninguém nos tira", resume Reginaldo Freitas de Almeida, secretário-geral da cooperativa, que conta com 283 associados. A cooperativa exige cerca de R$ 9 milhões para abandonar a área e entregá-la à mineradora detentora dos direitos de lavra. Apesar da intermediação do Ministério Público Federal, não há possibilidade de acordo entre as partes em curto prazo.
Ciente da degradação ambiental provocada pelo garimpo, que se localiza entre os municípios de Porto Grande e Mazagão, o governador do Amapá, Waldez Goes (PDT), confessa seu receio de que o rompimento das barragens de contenção de rejeitos possa atingir o rio e desaguar com sua pororoca poluidora no próprio rio Amazonas, próximo à desembocadura no Oceano Atlântico. Foi o próprio governo estadual quem construiu, no ano passado, uma das barragens de contenção diante do risco iminente de rompimento.
"Estamos atentos para evitar a todo custo um grave acidente ambiental e já determinei à Secretaria do Meio Ambiente que acompanhe esse processo diuturnamente", assegura o governador, ciente de que um acidente nas barragens do garimpo que chegue a poluir o rio Amazonas terá grande repercussão no Brasil e no exterior.
O prefeito de Porto Grande, José Maria Bessa de Oliveira (PP), defende um acordo entre as mineradoras Amapari e São Bento e a Cooperativa de Garimpeiros, onde todos saiam ganhando. "Não há dúvida de que a mineração vai gerar renda e empregos com carteira assinada, além de garantir o aumento da arrecadação do município com o pagamento dos royalties", defende José Bessa. "Mas é preciso encontrar uma solução para os garimpeiros, que já estão há anos na área e não merecem ser expulsos", acrescenta. Segundo Bessa, Porto Grande arrecada R$ 500 mil por mês com as transferências constitucionais e impostos municipais, mas teria um grande impulso em sua economia se passasse a receber royalties da exploração de minérios em seu subsolo.
Detentora dos direitos de lavra na área do garimpo, outorgado pelo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), a Mineração Amapari não conseguiu desenvolver seu projeto na área por causa da invasão garimpeira. Tampouco garantiu investimentos na recuperação ambiental da área, totalmente degradada pela atividade.
Em 15 de abril, a Sema expediu a autorização ambiental 0019/2005 permitindo que a mineradora inicie as atividades de recuperação das instalações, equipamentos, bacias de decantação, pilhas de material que impeçam deslizamentos, conforme determinação do Ministério Público Federal - referendado por análise e parecer da Sema - na área da empresa, no ramal denominado Santa Maria do Vila Nova. Nada, porém, foi executado para se recuperar a degradação lá existente.
"A Mineração Amapari já possui autorização, emitida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá (Sema) para realizar a recuperação da área, conforme comprometimento com o Ministério Público Federal", afirma Alfredo Dolabela, diretor da Amapari. "Mas, infelizmente, nada podemos fazer porque os garimpeiros não permitem a entrada da empresa na área", acrescenta.

Riscos iminentes
A barragem de rejeitos montada pela Cooperativa dos Garimpeiros, à margem esquerda do rio Vila Nova para contenção da lama oriunda dos serviços de desmonte hidráulico dos barrancos de terra em busca do ouro, tem sido objeto de preocupação do governo do Amapá há mais de um ano. No relatório técnico de viagem denominado Operação Condor, elaborado ainda em 13 de fevereiro de 2004, técnicos da Secretaria de Meio Ambiente alertam para os riscos de um grave desastre ecológico.
"A Sema constatou e flagrou despejo de produtos químicos diretamente em um córrego que adentra no rio Vila Nova, entre eles o mercúrio, como também a construção irregular de uma barragem que está causando risco iminente à saúde pública, fauna e flora aquáticas", diz o relatório.
O relatório da Operação Condor ressalta, ainda, que, "diante deste iminente risco à natureza e as condições irregulares do garimpo, como a contaminação da água por metais pesados (mercúrio) e óleo encontrado visivelmente no córrego do rio, interditamos temporariamente o garimpo por causa da poluição ambiental".
Na semana passada, diante dos riscos de ter que responder judicialmente por um desastre ambiental de graves proporções, a Mineração Amapari encaminhou ao Ministério Público Federal, à Secretaria do Meio Ambiente e ao Departamento Nacional da Produção Mineral denúncia para prevenção de seus direitos e responsabilidades. A iniciativa veio "tendo em vista a extensão dos danos ambientais que podem ser causados pelo rompimento da barragem". Uma forma da empresa se eximir das eventuais responsabilidades de ter que reparar o dano ambiental. (RB)

CB, 21/10/2005, Brasil, p. 8

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