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Ambientalistas temem megaprojetos

OESP, Metrópole, p. C1, C4-C7
29 de Out de 2006

Ambientalistas temem megaprojetos

Bruno Tavares, Ricardo Anderáos

Mais que o caso do Plano Diretor que pretendia liberar a verticalização em massa em São Sebastião, denunciado pelo Estado na semana passada, o que tem preocupado ambientalistas e políticos do litoral norte paulista são megaprojetos que mudarão radicalmente o perfil da região - reduto de praias badaladas e reserva de mata atlântica. No mês passado, quatro prefeituras protocolaram requerimento na Procuradoria-Geral da República solicitando uma análise ambiental detalhada, que considere o impacto conjunto de três projetos: a duplicação da Rodovia dos Tamoios, a ampliação do Porto de São Sebastião e a exploração do Campo de Mexilhão, todos previstos para os próximos cinco anos.

O maior receio do grupo diz respeito ao Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do Campo de Mexilhão, da Petrobrás, para exploração de gás. Na avaliação de municípios e de organizações não-governamentais, o governo federal armou um 'rolo compressor' para, a curto prazo, obter o licenciamento ambiental para as obras no campo, localizado em águas profundas, a 150 quilômetros da costa de Ilhabela. Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, o processo se intensificou após a decisão da Bolívia de renegociar contratos de exploração de gás com a Petrobrás, o que tornou mais atraente investir em reservas nacionais.

No estudo encomendado pela Petrobrás à Habtec Engenharia Ambiental, municípios vizinhos ao gasoduto foram considerados áreas de influência indireta. Mas o Rio, que servirá apenas como base aérea de apoio às operações marítimas, virou área diretamente afetada. 'Esse documento contém erros absurdos. Como São Sebastião, cidade que receberá combustíveis líquidos do Campo de Mexilhão, foi considerada área de influência indireta?', diz Eduardo Hipólito do Rego, representante de ONGs do litoral norte.

Na última reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente, ambientalistas questionaram a falta de publicidade dada ao Eia-Rima do Campo de Mexilhão. A primeira audiência pública em que esses estudos serão apresentados e discutidos com a comunidade ocorre amanhã, em Caraguatatuba. A cidade abrigará uma unidade de processamento que vai separar o petróleo e o gás extraídos do fundo do oceano.

As demais audiências estão marcadas para o dia 31, em Paraibuna; dia 1o, em São José dos Campos; e o dia 3, em Taubaté. Entretanto, municípios diretamente afetados pela obra e por eventuais acidentes - como é o caso de Ilhabela - não estão na programação das audiências.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento da obra, informou que as audiências ocorrerão até fevereiro. E, se quiserem, todas as prefeituras podem solicitar reuniões em suas cidades. Procurada, a Petrobrás não respondeu às perguntas da reportagem.

Obras viárias favorecem Riviera
Plano Diretor de São Sebastião prevê vias expressas que cortam terrenos de propriedade de grupo português
Sérgio Duran
O mapa com as obras viárias previstas no Plano Diretor de São Sebastião, em trâmite na Câmara Municipal, mostra a construção de três novas vias que favorecem os terrenos comprados pelo Riviera Group, corporação portuguesa suspeita de ser beneficiada na proposta urbanística.

O documento foi mostrado raríssimas vezes nas audiências públicas, apesar de o plano fazer referência ao mapa, já que obras viárias são indutoras de desenvolvimento. As áreas cortadas por uma avenida, por exemplo, têm valorização antes mesmo de a via ser construída.

A avenida mais importante do plano foi batizada por moradores que assistiram às audiências de 'Transtopolândia', por cortar o bairro de Topolândia, de baixa renda, ligando o porto à divisa com Caraguatatuba. Logo no início, a via bifurca-se. Enquanto uma parte segue para a Topolândia, a outra termina na Praia de Guaecá, onde o Riviera adquiriu outra grande área.

Mais duas vias expressas estão previstas, uma passando perto da Praia de Maresias, e outra pela de Boiçucanga. Ambas cortam ou passam perto dos terrenos do grupo.

O prefeito Juan Garcia (PPS) alega que o sistema viário previsto prepara a cidade para a futura ampliação do porto, por causa da instalação da base de gás da Petrobrás em Caraguatatuba.

Precária, a circulação em São Sebastião baseia-se na SP-55, a Rio-Santos.

A arquiteta e urbanista Heloísa Proença, ex-secretária de Planejamento de São Paulo que teve acesso ao plano da cidade do litoral norte, não vê nexo nas propostas viárias. 'Não dá para entender direito o propósito, talvez, também, porque não houve diagnóstico do aumento da circulação de veículos no plano.'

O especialista em direito ambiental e planejamento Bernard Fuldauer, do Instituto Sagres, que também acompanhou a discussão do plano, não enxerga relação clara entre a ampliação do porto e as obras. 'Na verdade, se são obras de infra-estrutura, espécie de rodovias para servir ao porto, construí-las é função do Estado. A São Sebastião, caberia o atendimento local.'

MINISTÉRIO PÚBLICO
O promotor de Habitação e Urbanismo de São Sebastião, Bruno Márcio de Azevedo, disse na sexta-feira que vai propor ação direta de inconstitucionalidade (Adin), se o Plano Diretor enviado à Câmara for aprovado sem alterações. 'A Prefeitura não apresentou estudos suficientes para justificar as mudanças de gabarito das construções.'

O promotor disse que vai aguardar até a próxima semana para receber as explicações técnicas e enviá-las ao Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, em São Paulo, que vai confrontar os dados. 'Minha preocupação é saber se a cidade suportaria um adensamento populacional desse porte, levando em conta que só 36,4% do esgoto é tratado.'

Azevedo questiona principalmente o artigo 167, que prevê anistia de construções irregulares. 'Isso não tem como ser aprovado. Manteria populações em área de risco.'

Royalties já causam polêmica
Cidades afetadas por campo de gás ganham menos

BRUNO TAVARES E RICARDO ANDERÁOS

Embora ainda não esteja oficialmente definida, a divisão do pagamento de royalties pela exploração do Campo de Mexilhão já tem gerado protestos por parte de prefeituras do litoral norte de São Paulo. Um estudo feito por um aluno da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que municípios distantes do campo - como Ubatuba, Peruíbe, Iguape e Caraguatatuba - ficarão com a maior fatia do volume total de recursos - estimados em R$ 10 milhões por mês.

O professor Osvair Vidal Trevisan, orientador do estudo, explica que os royalties são um ressarcimento pela exploração de um bem exaurível - nesse caso, o petróleo. Por esse motivo, o cálculo dos valores a serem repassados aos municípios não leva em consideração estudos de impacto ambiental. 'Os critérios são puramente técnicos', destaca Trevisan.

Quando um determinado campo entra em operação, cabe à Agência Nacional do Petróleo (ANP) determinar a localização exata dos poços. Em seguida, as coordenadas geográficas (latitude e longitude) são repassadas ao Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), no Rio. Com essas informações, técnicos traçam nos mapas linhas paralelas e perpendiculares à costa para descobrir que cidades têm direito a receber os royalties.

Por esse critério, em vigor desde 1986, cidades vizinhas ao Campo de Mexilhão ficarão com uma pequena parcela dos recursos. 'Por enquanto ainda há muita especulação, mas não achamos justo receber, segundo o estudo da Unicamp, apenas R$ 13 mil por mês', protesta a secretária do Meio Ambiente de Ilhabela, Maria Inez Fazzini. Ela lembra que, conforme o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) divulgado pela Petrobrás, o município será diretamente afetado pela exploração do Campo de Mexilhão.

Pela legislação federal, 22,5% do volume total de royalties cabe aos Estados. Outros 22,5% ficam com os municípios. As cidades afetadas pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural têm direto a 7,5%. Outros 7,5% devem ser destinados à constituição de um fundo especial, a ser repartido entre todos os Estados e municípios envolvidos. Do total, 15% devem ser remetidos ao Ministério da Marinha e 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Conexão São Sebastião-Europa
Ex-assessor Flávio Ciappina, que foi do grupo de Juan Garcia, conta como prefeito chegou ao Riviera Group

Sérgio Duran

Ex-assessor de Juan Pons Garcia (PPS) Flávio Ciappina diz não entender, hoje, como acabou envolvido nos esquemas da campanha eleitoral que elegeu o prefeito de São Sebastião. 'Na época, não havia nada do que há agora. Fui enxergando aos poucos. Eu acreditava nele. Quando começaram as pressões sobre empresários por doações, comecei a ver', conta.

Ciappina apresentou depoimento documentado à Justiça - que denunciou o ex-assessor, o prefeito e um grupo de amigos que dava suporte a Garcia por prática de extorsão e formação de quadrilha - na tentativa de ser beneficiado pelo programa de delação premiada. Por meio da Lei 9.807/99, ele poderá ter redução de pena se ajudar na investigação.

Garcia era cliente de Ciappina na Náutica Santana, da qual o ex-assessor é sócio. No depoimento, ao qual o Estado teve acesso, estão anexados documentos como a nota fiscal da compra, por Garcia, de uma lancha CarbrasMar 28 Fly, por R$ 39 mil, logo depois da eleição. Outras notas comprovam gastos de R$ 306.127,23, usados na reforma da lancha, equipada com dispositivos como ar-condicionado no valor de R$ 10 mil. Os pagamentos, afirma Ciappina, eram feitos geralmente em dólar.

O ex-assessor revela as práticas de pressão sobre empresários e afirma no depoimento que o grupo de amigos que apoiava o prefeito - muitos dos quais transformados em secretários da prefeitura depois da eleição - chegou a projetar ganhos de mais de R$ 8 milhões.

Parte do depoimento dá destaque à chegada de Andelmo Zarzur Júnior ao grupo, três meses antes da eleição, quando, então, os problemas financeiros da campanha acabaram. Os empresários achacados, segundo Ciappina, dificilmente cediam às pressões. Já Zarzur Jr. parecia ter a chave do cofre.

Sociedade reprova novo Plano Diretor para a região

JULIANO MACHADO, ALEXSSANDER SOARES, VALÉRIA FRANÇA E EDUARDO REINA

Engajada e consciente dos prejuízos que o Plano Diretor, se aprovado, pode causar para a cidade, a população de São Sebastião e os proprietários de imóveis do balneário investem na mobilização para barrar a aprovação do projeto enviado à Câmara Municipal pelo prefeito Juan Pons Garcia (PPS). O principal objetivo é manter a beleza e a paz das praias e evitar a degradação ambiental, num mutirão em defesa do litoral norte.

A grande extensão do município e suas peculiaridades, com praias que parecem minicidades, além da ocupação desordenada, que pode criar favelas, são as preocupações dos freqüentadores e moradores desse trecho do litoral norte. Todos querem evitar a construção de prédios espalhados em várias praias, liberada pelo projeto do Plano Diretor.

Empresários, profissionais liberais e ambientalistas que vivem na cidade ou têm casa há anos por lá também pedem a ampliação da infra-estrutura de saneamento básico e de abastecimento de água.

Opiniões

Júlio da C. Rodrigues
Dono de pousada
"A falta de habitação popular em São Sebastião é real. Na região, não há lotes com menos de 600 metros quadrados. Mas os políticos estão se aproveitando desse fato para aumentar a especulação imobiliária. Essa é uma região constituída de pequenas bacias hidrográficas, que não sustentariam grandes estabelecimentos. É possível promover a habitação popular sem ter de construir prédios na orla da cidade."

Guilherme Afif
Pres. da Ass. Comercial
"Conheço bem a Praia da Baleia, onde tenho casa. Não há nenhum interesse na verticalização, pois traria um adensamento que a região não suportaria. Mas é preciso um ordenamento da ocupação popular, que já está prejudicando a região. Sou contra o processo de verticalização, mas a favor de uma organização urgente e racional das habitações populares. É preciso fazer isso antes que ocorra favelização da região"

Edson Lobato
Dir. Núcl. São Sebastião
"Sempre fui contra a verticalização. Já recolhi até assinatura para evitar esse processo. Essa é uma questão que deveria ter sido mais discutida. A prefeitura não levou em conta indicadores importantes. São Sebastião tem a maior taxa de crescimento do Estado, 6% ao ano. Será palco de várias obras: a duplicação do porto, a construção de um presídio e a de uma usina de tratamento de gás. Falta casa para as pessoas que trabalham aqui. A região já tem 41 favelas."

Carlos dos Santos
Ambientalista
"A população das encostas precisa de uma moradia melhor, mas não temos infra-estrutura para suportar prédios. Nosso saneamento básico é precário." Santos nasceu há 50 anos na Barra do Sahy e de lá nunca saiu. É um dos principais ativistas contra o novo Plano Diretor. Na entrada da Barra do Sahy, afixou uma faixa: "Não à verticalização. Sim à aprovação das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) com casas."

Raquel César
Personal trainer
"No fundo, essa proposta traz uma pura especulação imobiliária. Nós já temos pouca mata atlântica e ainda corremos o risco de perder o que há por aqui. Ninguém quer prédio aqui. A prefeitura sabe, mas insiste na idéia. E o saneamento básico daqui é insuficiente para atender a um adensamento populacional desses. Isso aqui não pode virar um Guarujá."

Leonardo Pecora
Arquiteto
"Se começa a verticalização em algum ponto da cidade, não pára mais. Tenho medo do aumento da violência, além dos problemas causados pelo crescimento da população, que precisaria ter uma rede maior de infra-estrutura como saneamento básico. Desisti de curtir um apartamento da minha família no Guarujá justamente porque não agüentava mais tantos prédios e o ar sufocado parecido com o de São Paulo."

Maria Luiza Cantele
Designer de interiores
"Ninguém quer esse projeto de verticalização e eles continuam insistindo. Venho pra cá há 20 anos e não tinha nada naquela época, a estrada era de terra. E hoje a Barra do Sahy não tem mais para onde crescer. É preciso, sim, achar uma solução para as favelas da cidade, mas não com prédios."

Luciano Oliveira
Médico
"Sou absolutamente contra a verticalização. Venho para São Sebastião desde 1991. O meio ambiente preservado e a quantidade de áreas verdes garantem a qualidade de vida daqui. Os prédios liberados no litoral sul de São Paulo afastaram os turistas da região."

OESP, 29/10/2006, Metrópole, p. C1, C4-C7

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