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Ambientalistas comentam discurso de Bolsonaro em Davos: 'Distante da prática'

G1 - https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez
Autor: GONZALEZ, Amélia
23 de Jan de 2019

Ambientalistas comentam discurso de Bolsonaro em Davos: 'Distante da prática'

Amélia Gonzalez

O presidente Jair Bolsonaro utilizou dez, dos 30 a 40 minutos que o Fórum Econômico Mundial de Davos tinha destinado a ele, para fazer um discurso/convite a investidores. Citou, neste pequeno tempo, a questão ambiental, indicando que a missão de seu governo é "avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis". Este trecho, especificamente, fez Carlos Rittl, atualmente secretário-executivo da organização Observatório do Clima (OC), concluir que, no fim e ao cabo, o presidente, pela primeira vez, concorda com os ambientalistas.

"É diferente do discurso que fazia durante a campanha eleitoral, quando ele tratava o meio ambiente como um problema, assim como quem cuida do meio ambiente também como um problema", disse-me ele, por telefone.

Rittl não se surpreendeu com a menção ao meio ambiente no discurso, já que este tema trouxe muita vulnerabilidade, depois das declarações de campanha:

"O mundo está preocupado com o Brasil e ele (o presidente Bolsonaro) tentou levar uma mensagem tranquilizadora. Mas, na prática, ele está fazendo o contrário de tudo o que foi dito", disse Rittl.

A questão que desagrada no discurso é, justamente, a enorme distância entre o que ele disse e a prática que ele tem adotado até agora, nos seus 23 dias de governo, com relação ao meio ambiente. De fato, diz Rittl, o que se tem visto é a desestruturação da governança socioambiental e da governança climática do país:

"Os efeitos disto são imediatos. Temos agora o desmatamento em alta, as emissões de carbono em alta e temos terras indígenas sendo invadidas de Norte a Sul do país. Para colocar o país no trilho da mensagem que o presidente Bolsonaro levou a Davos, e para que os investidores tenham confiança no país, ele tem que fazer mudanças importantes no rumo das suas políticas adotadas neste início de mandato", diz o ambientalista.

Opinião com a qual Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), concorda plenamente. Para ela, o discurso de Bolsonaro foi, acima de tudo, "genérico o suficiente para não se comprometer com nada". E Adriana também comenta que o presidente vai ser obrigado a explicar como é que esta visão apresentada na mensagem, uma visão positiva de conciliar conservação com desenvolvimento, vai se refletir na prática:

"O que está se desenhando na estrutura é o desmonte daquilo que já existia e que foi responsável por trazer o Brasil a este patamar, de ser um país com um patrimônio ambiental para demonstrar ao mundo", disse Ramos.

O que não combina com o discurso? pergunto à ambientalista:

"Por exemplo, o desaparecimento da estrutura de governo responsável por combater o desmatamento, por exemplo as estruturas do governo de implementação da política nacional de mudanças climáticas. Coisas que desapareceram da estrutura governamental. Virou um discurso vazio. Ele disse ainda que vai resgatar a confiabilidade. Ora, mas quando o Brasil perdeu essa confiança? E ele acha que teve espaço para abrir o evento de Davos por quê?"

Já o diretor de campanhas do Greenpeace, Nilo D´Ávila, prefere trazer o debate justamente para a questão da preservação versus desenvolvimento:

"Enaltecer a narrativa de que somos o país mais preservado do mundo sinaliza perigosamente para um futuro com maior expansão da economia baseada na produção e exportação de commodities, no monocultivo e uso excessivo de agrotóxicos, com perda de qualidade do solo, redução da biodiversidade e à custa de muito desmatamento e violação de direitos humanos. E isso vai na contramão de fortalecer a magnitude de nossa biodiversidade para potencializar a economia da sociobiodiversidade, verdadeiramente nacional, moderna e inclusiva. Podemos e devemos produzir sem desmatar", disse ele.

Uma preocupação que envolve também líderes de outros países. O presidente da Suíca, Ueli Maurer, decidiu agir. Marcou um encontro com Bolsonaro nos corredores do Fórum, quando pretende apresentar-lhe uma petição com 15 mil assinaturas pedindo que ele volte a demarcar terras indígenas:

"O término do processo de demarcação abre a terra para atores poderosos, como as indústrias de mineração, agricultura e madeira - especialmente em partes remotas da região amazônica", diz o texto da petição, que até agora tem mais de 14 mil assinaturas.

Não custa, ainda, fazer uma volta à história do país e ao seu protagonismo na área ambiental. Peguei aqui na estante, para me ajudar nessa busca, o livro "Stockhom, Rio, Johannesburg - Brazil and the Three United Nations Conferences on the Environment" (Ed. Fundação Alexandre de Gusmão), escrito pelo diplomata André Corrêa do Lago, que participou dos três encontros. Infelizmente não existe tradução, o livro foi escrito em inglês. Mas é um arquivo do que aconteceu no mundo da diplomacia política, envolvendo o tema meio ambiente, desde quando a humanidade começou a abrir os olhos para a finitude dos bens naturais.

O protagonismo do Brasil fica escancarado nos detalhes desde a Conferência de 1972 - que aconteceu na capital sueca a convite da ONU - o que dá maior peso à observação de Adriana Ramos. Foram os representantes brasileiros, à época coordenados pelo embaixador Miguel Ozório de Almeida (amigo pessoal de Maurice Strong, então secretário das Nações Unidas), que levantaram a questão sobre a responsabilidade dos países ricos e dos países pobres na preservação do meio ambiente. Entre outros debates, o Brasil ajudou a pôr foco na questão que ainda hoje ocupa lugar de destaque entre ambientalistas: é possível conservar e, ainda assim, apostar em desenvolvimento?

Jair Bolsonaro aposta que nossa agricultura resolverá este problema com tecnologias. Em 1972, Miguel Ozório, em seu discurso, depositava confiança em que os países desenvolvidos iriam financiar pesquisas para neutralizar as emissões de gases poluentes. E ali começava a se enredar um nó que até hoje não foi desatado. Países pobres dizem que os ricos precisam investir em meios para neutralizar os gases porque eles poluem mais com seus empreendimentos. Países ricos dizem que os pobres também se beneficiam e, portanto, precisam dar seu quinhão para métodos capazes de baixar as emissões.

"O mundo todo e, certamente, os países subdesenvolvidos, está olhando para Estocolmo como o lugar e o momento quando os países desenvolvidos vão se comprometer a tomar todas as medidas necessárias para reduzir ou neutralizar as emissões de poluentes expressivos", disse Ozório em 1972, segundo escreve Corrêa do Lago em seu livro.

A história ajuda a mostrar que o problema não nasceu agora. E que, como bem dizem os ambientalistas, tudo o que foi construído até hoje, como um mosaico, para manter vivo este debate e para neutralizar os impactos, não pode ser desconstruído sem causar enormes perdas.

Ainda bem que, em encontro com executivos ainda em Davos, o presidente acenou com a possibilidade de deixar o Brasil no Acordo de Paris. Pode ser uma fagulha de esperança.

https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/post/2019/01/23/ambi…

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