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Ambientalista morre após atear fogo ao próprio corpo

FSP, Cotidiano, p. C1
14 de Nov de 2005

Ambientalista morre após atear fogo ao próprio corpo
Instalação de usinas de álcool e açúcar na bacia do rio Paraguai, onde fica o Pantanal motivou o ato

Hudson Corrêa

Morreu ontem em Campo Grande (MS), por volta das 11h30, o ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, 65, que no sábado havia ateado fogo ao corpo em meio a um protesto contra a instalação de usinas de álcool e açúcar na bacia do rio Paraguai, onde fica o Pantanal.
O projeto das usinas foi enviado à Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul em agosto pelo governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.
Franselmo, como Barros era conhecido, teve todo o corpo queimado e morreu na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa de Campo Grande.
Ele estendeu dois colchonetes em forma de cruz na calçada, ensopou-os com dois galões de gasolina e ateou fogo por volta das 12h de sábado. Teve queimaduras em 100% do corpo, segundo informou o hospital. O protesto reunia cerca de 150 pessoas no centro de Campo Grande.
Ao menos 15 cartas foram deixadas por Franselmo, endereçadas a familiares, a colegas ambientalistas e à imprensa.
Na mensagem à imprensa, o ambientalista escreveu: "Um terço dos deputados [da Assembléia é] a favor [do projeto das usinas], um terço contra e um terço sem saber o que é. Já que não temos voto para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salvá-lo".
A carta também se refere, como problemas ambientais, ao projeto de transposição do rio São Francisco, tocado "no lugar da revitalização", às queimadas na Amazônia e ao contrabando de sementes de transgênicos na fronteira sul do país.
Em outra carta, ele disse: "Foi difícil tomar essa decisão de sã consciência. A minha vida sempre foi um sacerdócio em defesa da natureza. É a nossa casa e o presente maior de Deus. Se ele deu a vida por nós, eu estou dando a minha vida por ele, defendendo o futuro dos nossos filhos. [...] Continuem a luta por mim".
A Polícia Civil abriu inquérito para apurar a morte e ficou com os originais das cartas. Douglas Ramos, assessor jurídico da Fuconams (Fundação para Conservação da Natureza de MS), tirou cópias autenticadas.
Presidente da Fuconams, Franselmo ainda indicou em uma das cartas, segundo Ramos, o diretor da entidade Jorge Gonda para assumir o cargo em seu lugar.
"A Fuconams, fundada por Franselmo, foi a primeira ONG ambiental do Estado e a terceira criada no país há 30 anos", disse Ramos. Segundo ele, a primeira luta foi proibir a instalação de usinas no Pantanal. Em 1982, o governo do Estado proibiu.
Foi justamente a Gonda que Franselmo, durante o protesto de sábado, entregou a pasta de couro marrom que sempre carregava consigo. Dentro dela estavam as cartas que escreveu.
"Ele pediu ao Gonda para segurá-la e saiu", contou o presidente da Ecoa (Ecologia e Ação), Alessandro Menezes.
"De repente, no meio de protesto, vimos aquele fogaréu. Não podíamos pensar que era o Franselmo. Sem saber que era ele, eu ajudei a socorrer o homem que era um tocha humana. Pegamos extintores. Uma mulher queria jogar um balde de água, eu não deixei. Cortei a roupa dele, todo distorcido. Aí chegou o Corpo de Bombeiros", relatou Ramos.
"Em seguida, uma das pessoas apontou que o homem tinha vindo de uma Kombi, e era a de Franselmo", disse Douglas.
Além de atuar como ambientalista, era jornalista e dono da revista regional "Executivo".

Parecer deve ser votado até o dia 30
Da agência, Folha, em SINOP (MT)

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul deve votar, até o fim deste mês, parecer sobre o projeto, enviado pelo governador Zeca do PT, que permitirá a instalação de usinas na Bacia do Alto Paraguai, onde se localiza o Pantanal.

Pela terceira vez, o governador tenta mudar a lei estadual 328, de 1982, que proíbe a instalação de destilaria de álcool ou de usina de açúcar e similares no entorno do Pantanal. Em setembro de 2003, ele chegou a baixar um decreto autorizando a instalação, mas voltou atrás devido à reação de ambientalistas. Depois ele estimulou a Assembléia a aprovar a medida por conta própria, mas não houve acordo entre deputados. Zeca resolveu, então, mandar o projeto.

Alcides Faria, biólogo e secretário-executivo da Rios Vivos, que reúne ONGs ambientais da América Latina, relata que o projeto permitirá a instalação de destilarias e usinas de açúcar a partir de 230 m de altitude (em relação nível do mar) e a 1 km de distância dos rios. "Segundo o mapa de altimetria do Pantanal, a planície pantaneira inicia-se na altura de 200 m", afirmou Faria. Segundo ele, se houver algum acidente na destilaria, o subproduto da produção de álcool, a vinhaça, atingirá os rios, matando peixes.
Ainda na avaliação de Faria, o projeto permitirá a plantação de cana-de-açúcar na planície do Pantanal, pois não fixa limite para as lavouras.

FSP, 14/11/2005, Cotidiano, p. C1

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