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Amazônia - 'Terras de ninguém' estimulam a ocupação ilegal da Amazônia

Notapajos.com - notapajos.globo.com
09 de Set de 2008

Região - Existe um enorme buraco negro na Amazônia de cerca de 700.000 km² - o equivalente a três vezes e meia o estado do Paraná. São terras públicas, que pertencem à União, mas sobre as quais o governo não tem nenhuma informação de ocupação.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão federal responsável por organizar a ocupação das áreas rurais, confirma que a utilização destes 700.000 km² de terrenos na Amazônia é desconhecida, ou seja, não há documentos ou estudos indicando quem está lá e o que se faz nessa terra, que é pública.

A disputa pela terra, de acordo com especialistas, é uma das chaves para entender como o Brasil está deixando ir abaixo uma de suas principais riquezas naturais.

De acordo com Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o descontrole sobre essa imensa área estimula uma corrida pela terra, onde quem desmata primeiro toma conta do lugar. "Desmatar é o modo mais claro de demonstrar a posse", afirma.

A expulsão de índios e povos tradicionais, como seringueiros e ribeirinhos, é outra conseqüência negativa do abandono dessas terras pelo governo. Para Maurício Torres, pesquisador do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), a falta de reconhecimento dos direitos desses povos é a principal causa do desmatamento. "Na cultura dessas pessoas, a floresta deve ser preservada, pois também será utilizada pelas próximas gerações", explica.

Baixa produtividade

Documentos falsos, desmatamento ilegal, corrupção de funcionários públicos e ameaças são os meios utilizados pelos grileiros para garantir a posse de terrenos que pertencem à União. De acordo com Barreto, como não têm que pagar pela terra que conquistam à força, muitos fazendeiros não investem em métodos para aumentar a produtividade do terreno. Isso faz com que uma grande área seja necessária para produzir poucos bens, estimulando ainda mais a derrubada da mata.

Outro problema apontado pelo pesquisador do Imazon é que, já que operam à margem da legalidade, os ocupantes desses locais também não têm interesse em respeitar as leis ambientais. A principal delas é a manutenção da reserva legal, em que proprietários rurais são obrigados a manter intactos 80% da floresta que cobre suas terras.

Homens sem terra

A ocupação na Amazônia é antiga. Estudos arqueológicos apontam que o homem ocupou a região há mais de 10 mil anos. A grande onda de desmatamento, abertura de estradas e instalação de madeireiras, contudo, começou no início da década de 1970, com a construção da rodovia Transamazônica, que abriu um caminho desde Cabedelo, no litoral da Paraíba, a Lábrea, no sul do estado do Amazonas.

Na época, o slogan lançado pelo presidente Emílio Garrastazu Medici era o de destinar "terras sem homens para homens sem terra". Além de estimular que migrantes ocupassem a beira da nova estrada, o governo também concedeu grandes propriedades a empresas que queriam se instalar na região. Nesse processo, além de ignorar as populações que historicamente já habitavam a Amazônia, o Estado não se preocupou em controlar quem estava ocupando o quê.

De acordo com Patrícia Ferraz, diretora de regularização fundiária do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (Irib), foram emitidos muitos títulos de posse sem a vistoria das propriedades. "A ocupação dessas terras foi feita de modo indiscrimindado. Muitos registros não foram feitos", relata.

Ao longo de décadas, o resultado da política de colonização da Amazônia causou o que se chama hoje de "caos fundiário": se alguém juntar os documentos de propriedades de terras da Amazônia e tentar encaixar as áreas descritas como se fosse um quebra-cabeça, as peças não encaixam. Em muitos locais, esses papéis mostram uma área muito maior do que a região comporta, ou seja, há mais donos do que terras.

Uma forma de resolver o problema desses documentos seria georreferenciar essas propriedades: com a ajuda de satélites, obter a localização exata do terreno, definindo qual terra pertence a quem. O decreto no 5.570, publicado em 2005, exige que, a partir de 2011, todas as propriedades rurais que forem negociadas precisarão ser georreferenciadas.

Na prática, contudo, a organização do território é mais difícil do que parece. Além de haver muitos documentos falsos, muitas pessoas compraram propriedades de boa-fé, sem saber que os documentos eram forjados. Além disso, há muitas terras ocupadas à força, em que os antigos moradores foram expulsos ou as terras da união invadidas. Quando o Incra tenta desapropriar essas terras, inicia-se uma batalha jurídica que pode durar décadas. "Quando os posseiros se vêem nessa situação, seus advogados já fazem a conta e dizem que demorará 20 anos para isso chegar ao Supremo [Tribunal Federal]. Durante esse tempo, essa pessoa continua lá", afirma Paulo Barreto.

De acordo o pesquisador, a situação de insegurança em relação à terra também afasta empresas que poderiam atuar na região, trazendo investimentos menos prejudiciais ao meio ambiente. "[Da forma como está] cria-se uma onda de exploradores, de pessoas que gostam de correr riscos", afirma.

Na tentativa de acelerar o processo de regularização dos imóveis rurais na Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou, em março deste ano, uma medida provisória autorizando o Incra a vender terras da União, sem licitação, a posseiros que ocupassem uma área de até 1.500 hectares (15 km²). Até então, o limite para esse tipo de venda era de 500 hectares.

Apesar de facilitar a legalização de terras, a medida provisória é duramente criticada por alguns estudiosos do assunto, pois pode estimular que novas áreas da União sejam invadidas, ou mesmo regularizar terrenos que foram conquistados de forma criminosa. "Ao abrir essa brecha, o governo cria a expectativa de que continua sendo válido ocupar ilegalmente e depois pressionar para a regularização", conclui o pesquisador Paulo Barreto.

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