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Amazônia - sentar à mesa

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
06 de Ago de 2004

Amazônia - sentar à mesa

Washington Novaes

Épreciso insistir, porque a hora é crucial para a definição de rumos para a Amazônia. E, ao lado do acervo de informações preciosas trazidas pela III Conferência da LBA - Experimento em Grande Escala da Biosfera/Atmosfera na Amazônia (800 cientistas do mundo todo), a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) avançou propostas que podem desenhar novas perspectivas. Principalmente a de que é preciso promover com urgência, ainda este ano, um encontro dos cientistas com as forças produtoras (agricultura, pecuária, mineração, energia, exploração madeireira, principalmente) para estabelecer, por acordo, os rumos para um desenvolvimento sustentável da região. O professor Ennio Candotti, presidente da SBPC, chegou a propor uma moratória no desmatamento, de modo a que se possa "manter em pé o extraordinário laboratório da biodiversidade que é a Amazônia" - um potencial inigualável, que sugeriu a outro cientista, o professor João Batista Calixto, a possibilidade de uma "Embrapa farmacêutica".
Poderia ser um caminho promissor para superar o atual diálogo de surdos entre defensores da conservação no bioma amazônico e os que sustentam a possibilidade e a necessidade de avançar com a fronteira agropecuária na região.
Vale a pena relembrar algumas das conclusões de trabalhos científicos discutidos nos dois encontros e divulgados por este jornal:
A única alternativa para a Amazônia é reduzir o desmatamento (Carlos Nobre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe); suas bordas já estão savanizadas e grande parte dela poderá ter esse destino entre 50 e 100 anos; a Amazônia já está emitindo 200 milhões de toneladas anuais de CO2; as queimadas na região podem afetar o regime de chuvas no Sul e no Sudeste (Maria Assunção Silva Dias, diretora do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos); a Amazônia precisa de uma revolução científica e tecnológica, com investimentos centrados no governo e capazes de levar a resultados como os da Embrapa ou do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (diagnóstico final dos cientistas reunidos no LBA); o desmatamento pode afetar o clima de toda a América do Sul; a desertificação na Região Norte pode afetar drasticamente o sistema hidrológico do continente e criar grandes áreas secas no Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil; "o gado e a soja que estão chegando vão custar muito caro para o País" (professor Antônio Nobre, Inpe); o desmatamento na Amazônia afeta também o regime de chuvas no Meio Norte dos Estados Unidos (professor Roni Avissar, Duke University); "nossas políticas terão de ser revistas para superar o dilema desenvolvimento versus conservação (...) não há como pensar numa Amazônia intocável, mas há formas de trabalhar dentro da linha de que a floresta tem capacidade limitada de absorver a ação do homem" (professor Humberto Rocha, USP).
Para completar, Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental e com vasta e antiga experiência na área, lembrou que a taxa de desmatamento este ano não deverá ser inferior a 23 mil km2 - o que revela a eficácia limitada dos programas de controle gestados e aplicados nos últimos meses.
Neste mesmo momento, já se esboça uma nova polêmica, com a notícia de que está sendo examinada na Casa Civil da Presidência uma proposta de abrir à exploração por empresas privadas nacionais ou estrangeiras, por licitação, florestas situadas em áreas públicas da Amazônia, devolutas (quase 50% do total), fora das áreas de conservação. Seriam 50 milhões de hectares, capazes de produzir 30 milhões de m3 anuais de madeira certificada, que gerariam, com o pagamento de taxas, cerca de R$ 200 milhões anuais.
É, de fato, proposta que precisa ser muito discutida. Porque suscita muitas perguntas. Por exemplo: e com que controles se vai fazer isso, tendo em conta que o Estado não consegue disciplinar minimamente a atividade madeireira na região? E como ficam os questionamentos já levantados em relação ao projetos de exploração da floresta com certificação, segundo as quais neles se elimina a obrigatoriedade de manter reserva legal em 80% da área, promove-se uma seleção às avessas (retirando os melhores exemplares e ficando com os piores) e ainda sem estudo sobre as conseqüências para a biodiversidade da área e do seu entorno? O próprio ministro Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad, disse nas recentes discussões sobre um acordo para a exploração de madeiras tropicais que "não temos uma boa política nessa área, nem resultados satisfatórios".
Da mesma forma, já passou da hora de examinar propostas que aliam a conservação da floresta à geração de emprego e renda para populações carentes - empregando-as, sob pagamento, na vigilância, atividade em que a atuação governamental é notoriamente deficiente.
Por outro ângulo, a Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) está alertando (Estado, 13/7): se não houver pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, o atual processo "stop and go" da economia brasileira, o "vôo da galinha", será inevitável. E o próprio setor agrícola já está apreensivo: as previsões do IBGE apontam que a projeção de safra de 133 milhões de toneladas foi revista para 118,8 milhões, "por problemas climáticos que prejudicaram especialmente as culturas de soja e milho", confirmados pelo chefe da Coordenação Agropecuária do Ministério da Agricultura, Carlos Alberto Lauria, que os atribui a "mudanças climáticas, como estiagem no Mato Grosso do Sul e excesso de chuvas em Mato Grosso e Goiás". Mudanças para as quais estão alertando os cientistas que estudam a Amazônia.
A Federação da Agricultura do Estado de Goiás, por sua vez, alerta para outro "stop and go", agora nos preços: as cotações atuais da soja e do milho "caíram perigosamente abaixo do custo de produção". Retorna-se ao velho quadro de exportar mais commodities sem sair do lugar na receita (na melhor das hipóteses), com cotações de novo abaixo das que vigiam há uma década e meia.
Não faltam, assim, razões para que o setor da agropecuária se disponha a sentar-se à mesa com a ciência.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 06/08/2004, Espaço Aberto, p. A2

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