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Amazônia saqueada

CB, Brasil, p. 8
11 de Set de 2006

Amazônia saqueada
TCU aponta deficiência do governo na fiscalização de portos e aeroportos, por onde saem plantas e extratos medicinais brasileiros patenteados no exterior. Convenção da ONU é ignorada por países

Hércules Barros
Da equipe do Correio

A fauna e da flora do Brasil são prato cheio para a biopirataria internacional. O país está entre as 12 nações que abrigam 70% da biodiversidade total do planeta. Sobra riqueza natural e falta combate ao contrabando de animais e plantas. A fiscalização nos portos e aeroportos é frágil e a extensa fronteira do Brasil é vulnerável. A conclusão é de relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que aponta a ineficácia dos instrumentos de controle utilizados pelo governo federal. A auditoria cobra ações de segurança para o país e estabelece prazos para o cumprimento das medidas.

A situação é pior na divisa com a Bolívia e o Peru e nos aeroportos da Amazônia, que permitem, inclusive, a entrada de pragas responsáveis por grandes prejuízos à agricultura nacional. A entrada de espécies exóticas ao país provoca impactos tão graves que se constituem em ameaças à sobrevivência de outros seres. Além das conseqüências econômicas, com prejuízos, principalmente, para a agricultura.

O relatório do TCU aponta falhas na fiscalização e dá prazo de 180 dias, a partir deste mês, para a adequação. Segundo o documento, é mínima a presença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos aeroportos brasileiros.

O coordenador da divisão de fiscalização aeroportuária do Ibama, Antônio Paulo de Paiva Ganme, admite a deficiência, mas ressalta que um convênio foi firmado com a Infraero para capacitação de pessoal na identificação de produtos de biopirataria e a instalação de detectores de material orgânico nos equipamentos de Raios-X das esteiras dos aeroportos. "O sistema já funciona nos cinco maiores aeroportos do país e está em fase de instalação em mais oito", afirma. O número está longe de se aproximar dos 66 aeroportos controlados pela Infraero, sem contar os aeroportos que têm autorização para funcionar, mas não são supervisionados pelo governo.

Convênio semelhante foi firmado com os Correios para a fiscalização de correspondências despachadas para o exterior. A fiscalização se concentra em São Paulo e nos últimos três meses os flagrantes têm sido quase que diários. "O contrabando mais comum é de animais peçonhentos: aranha e escorpião", explica Ganme.

Sutileza
De acordo com o relatório, a ação dos biopiratas se dá na maioria das vezes de forma sutil. Os traficantes chegam a levar material genético na própria roupa. Com mais de 10 anos de vigência, a Convenção da Diversidade Biológica prevê que o uso de recursos genéticos depende do consentimento do país provedor. Mas, para os ambientalistas, o acordo tem sido constantemente ignorado.

Mais de 170 países são signatários do compromisso das Nações Unidas, que inclui o reconhecimento da soberania nacional sobre a biodiversidade, a necessidade de consentimento prévio ao uso dos recursos e repartição dos benefícios relacionados à exploração e aos conhecimentos tradicionais associados, como a sabedoria indígena e quilombola, no caso do Brasil.

Para a organização não-governamental Ambiente Brasil, a comprovação do contrabando fica evidente no crescente número de patentes concedidas no exterior para produtos ou processo derivados da biodiversidade brasileira. Levantamento preliminar do Ministério do Meio Ambiente (MMA), relativo a 40 espécies brasileiras, demonstra um volume acima de mil patentes no exterior adquiridos depois de 1992, data do início de vigência do acordo. No momento, o país tenta reverter patentes sobre princípios ativos extraídos do cupuaçu, da graviola, do murumuru, da copaíba e do jaborandi.

O que foi patenteado antes da convenção não tem mais como ser revertido. É o caso do uso do veneno da cobra jararaca e da árvore amazônica pau-rosa. "O Captopril (anti-hipertensivo) foi elaborado a partir de princípio ativo do veneno e o perfume Chanel No 5 contém fragrância extraída de uma árvore da Amazônia, o pau-rosa", explica o diretor de Patrimônio Genético do MMA, Eduardo Velez.

Velez ressalta que o combate ao contrabando de recursos genéticos é complexo para países ricos em biodiversidade. As leis nacionais regulam as normas dentro do Brasil, mas falta um marco regulatório internacional para o sistema de registro de patente fora do país. "Não existe lei internacional de proteção", argumenta.

Como antídoto contra a biopirataria, o Brasil apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma proposta de emenda ao Acordo TRIPs (Trade Related Intellectual Property Rights), que estabelece padrões de patente e propriedade. A idéia é obrigar os escritórios de patentes a exigirem autorização de origem do material a ser patenteado. Além do Brasil, o documento foi assinado pela Índia, Paquistão, Peru, Tailândia e Tanzânia.

Produtos nacionais, mas patentes estrangeiras

Rapadura, cupuaçu, caipirinha. Os nomes são genuinamente brasileiros, mas o Brasil precisa brigar para garantir o passaporte verde e amarelo dos mesmos. O registro estrangeiro de marcas com nomes de produtos nacionais tem sido uma dor de cabeça para o Ministério das Relações Exteriores. Os sistemas de segurança são frágeis. Uma lista com a nomenclatura da biodiversidade no Brasil tenta impor limites, mas esbarram na ausência de uma legislação internacional.

Cupuaçu é o mais cobiçado atualmente. Este ano, a Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty conseguiu reverter o domínio do nome da fruta em poder de empresas nos Estados Unidos e na Europa e obteve de volta a nacionalidade do mesmo. A apropriação do nome cupuaçu por outro país impede que produtos nacionais saiam do Brasil com o nome original porque o direito sobre a marca "pertence" a uma empresa estrangeira.

"Já pensou vender rapadura para o exterior e ter de colocar o nome de garapa sólida na embalagem porque rapadura é um direito alemão?", questiona o diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Velez. O nome do doce típico do nordeste chegou a pertencer a uma empresa na Alemanha que o registrou como domínio na Alemanha e nos Estados Unidos, mas a rapadura alemã não durou muito tempo.

Por meio de um acordo de cavalheiros, o Itamaraty conseguiu reaver a brasilidade do produto. Aliás, o diálogo é a primeira estratégia que o Ministério das Relações Exteriores utiliza para obter de volta a propriedade intelectual de um nome brasileiro. Geralmente, a empresa estrangeira abandona o apropriação do nome. O Japão, por exemplo, já havia registrado a marca cupuaçu também, mas devolveu o domínio em 2004.

Quando não há composição amigável para reaver o domínio do nome brasileiro, o ministério dá entrada em procedimento administrativo no país de origem do proprietário da marca. No momento, o MRE acompanha dezenas de processos de utilização de nomes brasileiros como marca estrangeira em vários países.

O processo administrativo pode ser iniciado durante ou depois do registro de apropriação da marca. As medidas seguem as leis do país de origem da empresa questionada. De acordo com o chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do MRE, Otávio Brandelli, o Brasil consegue reverter os direitos na maioria das vezes. "Nunca precisamos entrar com processo judicial nacional onde o registro foi solicitado", explica Brandelli.

A falta de um marco regulatório internacional deixa o produto nacional mais vulnerável ao seqüestro do nome. A lei de combate à biopirataria não trata da apropriação de nome de planta ou animal tradicionais da fauna e da flora brasileira. Para evitar o uso estrangeiro de denominações do Brasil, o país preparou uma lista de nomes associados à biodiversidade brasileira. São mais de três mil registros científicos e cinco mil genéricos.

Mas há casos que fogem à regra de "clonagem" de nomes. Tem empresa estrangeira usando caipirinha e açaí compostos com outro nome como estratégia para fugir do questionamento de propriedade. "Na Inglaterra existe um produto chamado Açaí-Power. A marca não pode ser questionada, mas o nome da fruta não pode ser usado de forma isolada", explica.(HB)

O NÚMERO
40 espécies brasileiras foram usadas para o registro de mais de mil patentes no exterior depois de 1992

Diversidade contrabandeada
Levantamento relativo a 40 espécies brasileiras aponta o equivalente a mais de mil patentes no exterior. Confira dados preliminares sobre patentes concedidas após 1993, em desacordo coma Convenção sobre Diversidade Biológica 1

Planta No. de patentes no exterior Pais sede do titular da patente

Cupuaçu 32 Estados Unidos e Japão

Jaborandi 29 Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão e Rússia

Muirapuama 9 Estados Unidos e Japão

Murumuru 23 Estados Unidos, Itália, França e Dinamarca

Graviola 12 Estados Unidos, Japão e Austrália

Copaíba 9 Estados Unidos, França, Japão e Suíça

Unha de gato 26 Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Suíça, Polônia, Países Baixos e Áustria

Andiroba 6 Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Suíça, Polônia, Países Baixos e Áustria

Fonte: Ministério do Meio Ambiente

CB, 11/09/2006, Brasil, p. 8

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