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A Amazônia que a inteligência artificial não vê

O Globo - https://oglobo.globo.com/
Autor: MUCELIN, Guilherme; ANTUNES, Ricardo Moura; ALBIANI, Christine; STRAHL, Bruna
06 de Jan de 2025

A Amazônia que a inteligência artificial não vê
Povos amazônidas, em particular, e a sua cultura são mal representados pela IA, que muitas vezes falha em captar suas nuances

Guilherme Mucelin
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Ricardo Moura Antunes
Pós-graduado em Direito, políticas públicas e controle externo e especialista em populações indígenas da Amazônia pela Universidade Federal do Pará

Christine Albiani
Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Bruna Strahl
Pós-graduada em Direito Administrativo e gestão pública pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul

06/01/2025

A Amazônia, reconhecida pela biodiversidade e diversidade de povos indígenas, enfrenta desafios significativos, como desmatamento e mudanças climáticas, que ameaçam tanto o meio ambiente quanto as culturas locais. A inteligência artificial (IA) pode desempenhar papel crucial na valorização cultural e na conservação ambiental, mas sua aplicação deve ser cuidadosamente considerada.

Grande parte do desenvolvimento da IA, especialmente no contexto generativo, ocorre fora do Brasil, em países como Estados Unidos e China. A Unesco alertou sobre uma divisão que pode marginalizar os países do Sul Global, transformando suas culturas em mercadorias desprovidas de identidade. Um exemplo disso foi a solicitação do publicitário Rodrigo Esteves a uma IA generativa para criar uma imagem de povos indígenas brasileiros, que resultou em representações de nativos norte-americanos. Isso mostra o viés cultural preponderante nas IAs treinadas com dados globais.

O desafio é agravado pela concentração do desenvolvimento tecnológico em poucas empresas privadas, predominantemente localizadas no Norte Global, levando à hegemonia cultural e à erosão da confiança e do entendimento. Um relatório do Oxford Internet Institute destaca os riscos associados a essa dinâmica, que perpetua preconceitos coloniais e vulnerabiliza os países do Sul Global.

A 19ª edição do Relatório de Riscos Globais, de 2024, reforça a preocupação com a hegemonia tecnológica e seus impactos nas culturas, especialmente nas comunidades indígenas. Apesar do crescimento no uso de tecnologias como a IA no Brasil, a adoção traz à tona questões de viés cultural, como mencionado no manifesto "DecolonizAI", da Universidade de São Paulo. Para evitar o apagamento das culturas originárias, é essencial garantir a representatividade nos dados utilizados para treinar esses sistemas, considerando gênero, etnia e características culturais.

Os povos amazônidas, em particular, e sua cultura são mal representados pela IA, que muitas vezes falha em captar suas nuances. Além disso, tecnologias de vigilância correm o risco de ser mal utilizadas, ignorando os direitos das comunidades indígenas. Ailton Krenak, em palestra na Reconcitec 2024, enfatizou a necessidade de repensar a inovação tecnológica, privilegiando uma conexão profunda com o clima, os ecossistemas e os territórios.

Entretanto há iniciativas promissoras, como o chatbot desenvolvido pela Superintendência Estadual de Tecnologia da Informação e Comunicação de Rondônia, em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, que monitora queimadas em tempo real, permitindo respostas mais rápidas e eficazes.

Um uso responsável da IA exige abordagem ética que respeite os saberes locais. A inclusão das comunidades indígenas nas políticas públicas e regulações precisa garantir que a IA seja usada para preservar, e não suprimir as culturas amazônicas. Eventos como a COP30 devem ser oportunidades para estabelecer diretrizes que promovam a inclusão e a proteção das identidades indígenas, incorporando seus saberes ancestrais em todo o ciclo regulatório da IA.

Construir um futuro tecnológico que valorize as culturas originárias requer esforços coletivos. A inovação deve servir à preservação da riqueza cultural e ambiental da Amazônia, garantindo que permaneçam vivas. Assim, povos indígenas e tecnologias emergentes podem encontrar um caminho sustentável que equilibre tradição e inovação, sustentabilidade e tecnologia, assegurando que a cultura seja um bem jurídico protegido e um direito das gerações futuras.

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/a-amazonia-que-…

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