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Amazônia - onde está a solução?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
27 de Mai de 2005

Amazônia - onde está a solução?

Washington Novaes

E agora, que se vai fazer diante dos novos números alarmantes sobre o avanço do desmatamento da Amazônia? Como serão contidos seus desdobramentos no plano da crise política nacional? E sob o ângulo internacional?
Alguns meses atrás, mencionaram-se neste espaço informações oficiosas que davam conta de um desmatamento em torno de 30 mil quilômetros quadrados, até maior que o divulgado na semana passada, de 26.130 quilômetros quadrados, ou 6,23% mais que no período 2002/2003. Mas Acre e Roraima ainda não estão incluídos. Chegou-se a discutir em jornais - mas não a confirmar - uma mudança de critérios, em que se teria deixado de incluir entre as áreas desmatadas as que aparecem nas fotos de satélites encobertas por nuvens, mas vizinhas de segmentos desmatados (e que antes, segundo essas notícias, eram consideradas desmatadas). O próprio deputado Fernando Gabeira disse que "os números estão minimizados". A avaliação parece não incluir áreas inferiores a seis hectares.
No exterior, foi um massacre. A manchete do jornal britânico The Independent foi O estupro da floresta. Televisões de vários países, juntamente com uma rede nacional, mostraram a inoperância de postos de vigilância, assim como estações de satélites, no monitoramento e controle do desflorestamento - que agora chega a 17,3% da cobertura florestal amazônica, com o índice 2003/2004 só inferior ao de 1999.
No plano interno, não deixará de ter conseqüências políticas e eleitorais complicadas o desligamento do Partido Verde da base de apoio do governo, com o argumento de que "o governo Lula representa um retrocesso na política ambiental".
A resposta governamental foi decepcionante, com o presidente da República tentando limitar a questão aos esforços da ministra do Meio Ambiente, que, segundo ele, conseguiu "agregar 13 ministérios na política de combate ao desmatamento e fazer com que a questão ambiental seja levada em conta sempre que um novo projeto de gestão se inicia". Tentou, de fato, mas pouco conseguiu. E a própria ministra não foi feliz ao dizer que o desmatamento aumentou porque "a economia cresceu", ou que "a sociedade também é culpada", já que continua a consumir produtos que contribuem para a devastação. Tem mais razão quando lembra que os ministérios que promovem o "desenvolvimento" são aplaudidos, enquanto se reserva ao Ministério do Meio Ambiente o "cadafalso".
Por este caminho talvez se chegue ao cerne da questão. A transversal idade da política ambiental, apregoada pelo Ministério do Meio Ambiente, quase não conseguiu avançar. Além de seu orçamento (para executar as políticas) ser de menos de 1 % do orçamento federal, desde o início a posição dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento prevaleceu - quando se permitiu, por exemplo, reduzir a proporção de álcool na gasolina brasileira (aumentando a poluição gerada por veículos em nossas cidades e rodovias), para exportar esse mesmo álcool para o Japão e a Suíça, que queriam baixar seu nível interno de poluição do ar.
Depois, também por interesses comerciais no âmbito do Mercosul, permitiu-se a importação de pneus usados, por se tratar de decisão de um tribunal arbitrai da instituição (que os demais países não cumprem). No projeto de lei da biossegurança, ó Ministério do Meio Ambiente foi massacrado no Congresso pelo próprio partido do governo e pelo ministro da Coordenação Política. E s esse também o caminho seguido em várias questões cruciais - como na decisão de pavimentar a BR-163. Apesar do cuidado em realizar audiências públicas, dificilmente a pavimentação da Rodovia BR-163 - como mostram vários estudos - deixará de favorecer o desmatamento ao longo dessa estrada, para facilitar o avanço da soja e da pecuária voltadas para a exportação. Também é esse o rumo provável com a implantação de hidrovias na Amazônia, com o mesmo propósito, e de novas hidrelétricas destinadas a fornecer energia com tarifas subsidiadas para a produção de alumínio exportável, destinado aos países industrializados, que não querem produzi-lo por causa de seus custos ambientais e sociais. Pode ser ainda, fora da Amazônia, o caso da retomada do programa de implantação de usinas nucleares ou da transposição das águas do São Francisco (este apoiado pela ministra), em que igualmente não prevalece a transversalidade.
Claro que há contribuições decisivas para o desmatamento, como a do governo de Mato Grosso, que, sozinho, responde por 12.586 quilômetros quadrados desmatados (48,1% do total) só na Amazônia, sem contar o cerrado. Mas o problema central está na ausência de uma estratégia adequada do governo federal. De pouco adiantará tentar definir na área ambiental programas de proteção à floresta (que pouco, mal ou nada têm funcionado) enquanto as estratégias dos outros setores do governo estiverem voltadas para o velho modelo do crescimento econômico baseado na exportação de bens primários ou de pequeno valor agregado, arcando com todos os custos sociais e ambientais. Inclusive na Amazônia.
Não resta muito tempo. A floresta está-se fragmentando e as conseqüências serão muito graves, como tem assinalado Márcio Santilli , do Instituto Socioambiental. O desmatamento, as queimadas, as mudanças no uso do solo, principalmente na Amazônia, já respondem por 75% das nossas emissões que contribuem para o efeito estufa. As pressões externas vão crescer, queiramos ou não.
A resposta não cabe apenas ao Ministério do Meio Ambiente. O governo todo terá de assumir as conseqüência, dai macropolíticas.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 27/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

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